: A Hipervalorização da beleza - Uma visão míope de si mesmo
Palavras-chave:
visão míopeResumo
Diante de uma sociedade contemporânea que prima acentuadamente pela valorização estética, com ideais de beleza vinculados ao sucesso na ordem profissional e afetiva, o indivíduo, como um ser em relação, presentifica em suas representações de si composições repletas de preconceitos. A partir deste cenário, o presente trabalho visa, alicerçado na Gestalt-terapia, compreender esta ideação da aparência física existente ao longo da história, que cada vez mais é supervalorizada e comercializada, e das consequentes construções de autoimagens engessadas, que subjugam necessidades pessoais em favor às valorações sociais introjetadas. Perls em Isto é Gestalt (1977, p.20) expõe o quanto a exigência social submete o indivíduo a uma autoimagem neurótica, muito dissociada de suas próprias necessidades, onde “[...] cada cultura e os indivíduos que a compõem criaram certos conceitos e imagens do comportamento social ideal [...].”. Ideal este traduzido no modo comum de vida em nosso meio, objetificando o próprio homem, que cada vez mais se distancia de suas necessidades em função da vida social, herdeiro de valores e normas que perpetuam gerações. A partir das intojeções de valores sociais, esse mesmo homem responde e manipula sua própria energia para manutenção e defesa destes padrões, tornando-os parte do próprio self. E assim, “[...] as pessoas tornam-se meramente pessoas em lugar de serem também animais em contato.” (PHG, 1997, p. 123). E é em meio às abstrações das funções de orientação e manipulação, mantendo o indivíduo distante da percepção das suas próprias sensações, que a satisfação se posiciona simbolicamente com recompensas de prestígio e posse (PHG, 1997). Desta forma, este trabalho estabelece um recorte focado na composição da autoimagem física, respondendo as dimensões discriminativas ou não da simbólica ideação da beleza e da boa forma enfatizada em nossa sociedade atual, mas com raízes datadas de séculos A.C. Beleza que é bastante valorizada desde o período Helênico, ativa nos costumes principalmente dos atenienses com os cuidados com o físico e a aparência, e transportados para a própria arte clássica com o prestígio da simetria na arquitetura e das figuras perfeitas, modeladas com exatidão. Atualmente vemos o culto à aparência fomentada de maneira discreta como nas figuras de princesas e príncipes dos contos infantis e nas belas modelos de campanhas publicitárias, ou em formas mais impositivas, como na seleção de profissionais para emprego com o requisito aparência em foco. Vemos a busca pela perfeição nas academias, nos espaços de estética, nos consultórios de cirurgiões plásticos, tornando-se um produto padronizado e mercantilizado. Assim, a exigência da perfeição repousa em conceitos prontos, bloqueando a capacidade de autorrealização e aumentando as chances de fracasso (PERLS, 1977). A partir disso, podemos nos referir a Yontef (1988, p. 145) que diz que “as imagens, incluindo as imagens de si mesmo, são produtos ou representações e não o evento relacional real do existir no mundo humano.”. Ou seja, embora as imagens sejam uma sinopse conveniente da natureza da pessoa, elas são vulneráreis a distorções. (POLSTER e POLSTER, 2001). Assim, em um ambiente contemporâneo onde tudo é imagem, vamos progressivamente apagando as diferenças entre o real e o imaginário (SANTOS, 1997). Ao escolhermos a imagem, muito mais atraentes que a realidade em si, adotamos o espetáculo, o hiper-real, nos afastando da vivacidade do contato, que requer envolvimento na experiência presente (NUNES, 2009). PHG (1997) nos sinaliza que ao contatarmos imagens que fogem das que já nos identificamos, tendemos a inibi-las, dificultando a awareness, e mantendo a identidade prévia e segura. Manipulamos o meio para manter o padrão e diminuir a possibilidade de rejeição. De acordo com Guy Debord em seu livro Sociedade do Espetáculo (2003), a aparência torna-se uma afirmação social em uma sociedade onde a imagem apresenta-se como a mediadora das relações das pessoas. Desta forma, a aparência física transforma-se em uma mercadoria, acumulando possíveis ganhos sociais. Com isso, ao observamos as autorrepresentações da aparência isoladas da própria satisfação, a função personalidade forma-se por muito com incorporações de material alheio inassimilável, mantendo a lealdade com o status quo. Assim, “quando o comportamento interpessoal é neurótico, a personalidade consiste em alguns comportamentos errôneos a respeito de nós próprios, introjetos, ideais de ego, etc.” (PHG, 1997 p.187). Vale grifar que o indivíduo não é um simples receptor, mas sim uma função do campo organismo/ambiente, que mesmo engolindo sem mastigar, escolhe permanecer com sensações do não pertencimento deste alimento. E é diante da frustração, da continua dificuldade em atingir a perfeição, que o indivíduo pode perceber, a partir do próprio excitamento, sua possibilidade em abrir mão de respostas obsoletas e experimentar novas formas, mais integradas com suas necessidades. Integração que coerentemente aproxima o homem do próprio meio, mas conseguindo diferenciar o que é seu, daquilo que surge a partir do ambiente, sendo capaz não só de distinguir como de escolher a necessidade mais dominante. É na crença da potencialidade presente na visão de homem da Gestalt-terapia, que o olhar deste mesmo homem ao recair sobre si, demonstra capacidade de enxergar além das exigências sociais para ver-se de forma íntegra, absoluta. Desta forma, o trabalho psicoterapêutico possibilita a expansão das fronteiras, incentivando o desenvolvimento do próprio autoapoio. Ou seja, promover a integração e não “tentar aprender a se mal-ajustar a sociedade.” (PGH, 1997, p.117). Como nos lembra Perls (1988, p.40), o homem que consegue viver em contato íntimo com sua sociedade, sem ser tragado por ela ou nem dela se afastar, é um homem bem integrado. Referência Bibliográfica CHAUI, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. In: NOVAES, A (org.). O olhar. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. DEBORD, G. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto. 1997. NUNES, L. B. Pensando gestalticamente a contemporaneidade. Revista IGT na Rede, v.6, nº 11, 2009, Página 245 de 259. Disponível emhttp://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526 PERLS, F. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988. PERLS, F. Gestalt – Terapia e Potencialidades Humanas. In: PERLS, F. et al. Isto é Gestalt. São Paulo, Summus, 1977. PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. 2 ed. São Paulo, Summus, 1997. POLSTER, E. e POLSTER, M. Gestalt-terapia Integrada. São Paulo, Summus, 2001. SOUZA, A. O Percurso dos Sentidos Sobre a Beleza Através dos Séculos. Dissertação de Mestrado - UNICAMP. Campinas-SP, 11 de maio de 2004 YONTEF, G. M. Processo, Diálogo e Awareness: ensaios em Gestalt-terapia. 2 ed. São Paulo, Summus, 1988. Palavra 1: Idealização Palavra 2: beleza Palavra 3: autoimagem Modalidade de apresentação: Comunicação/ tema livre Área de concentração: Contribuições teóricasPublicado
2015-12-01
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Seção
Temas-Livres