Controle X Contato: uma guerrilha cada vez mais cotidiana

Autores

  • Renata Escarlate
  • Claudia de Muniz

Palavras-chave:

Controle X Contato

Resumo

O objetivo deste trabalho é observar como nossas tentativas de controlar o mundo à nossa volta, em nome da busca de equilíbrio, conforto e segurança influenciam nossas possibilidades de contato emocional profundo. Acreditamos que a busca do controle implica diretamente na perda do potencial de saborear aquilo que ESTÁ ACONTECENDO, em função daquilo que se QUER FAZER COM QUE ACONTEÇA. Quando falamos em buscar o equilíbrio do mundo à nossa volta, estamos nos referindo à necessidade, que é de todos nós, de manter nosso ambiente o mais seguro possível. Mantendo afastadas as ameaças às nossas emoções como as conhecemos, buscamos uma homeostase, que nos permita funcionar, ser e estar no mundo da melhor forma que pudermos, com os recursos emocionais dos quais dispomos (ou os quais já nos são conhecidos), ou seja, nos referimos ao princípio de familiaridade. O que é conhecido / familiar, a princípio, pode ser controlado. Manter o controle significa estabelecer um conjunto de regras funcionais e tarefas cumpridoras de tais regras, que proporcionem os resultados familiares em nome da tal segurança. O ato de controlar diz respeito à “capacidade de dominar uma situação com discernimento e reflexos adequados; poder de dominar-se”. (Dicionário, 2008, p. 358) É ter um comportamento deliberado. Segundo Perls (1979, p. 163) apud D’ACRI, G. LIMA, P. & ORGLER (2007, p. 46), “frequentemente temos de interpretar papéis – por exemplo, estar deliberadamente se comportando da melhor maneira -, mas quem quer crescer pode e deve superar a interpretação compulsiva de papéis manipulativos que substitui a autoexpressão honesta”. Quando esta superação não acontece, fica estabelecida a barganha neurótica em que perdemos a espontaneidade em troca da falsa segurança que o controle pode nos dar. E, em prol do controle, perdemos a espontaneidade. Segundo PERLS, HEFFERLINE & GOODMAN (1997, p. 182) “a espontaneidade é o sentimento de estar atuando no organismo / ambiente que está acontecendo, sendo não somente seu artesão ou seu artefato, mas crescendo dentro dele”. Só se pode ser espontâneo no momento presente. Mas ficar no presente e se permitir experimentar pode gerar grande ansiedade. De acordo com Kiyan (2006, p. 148) para Perls “a ansiedade é um distúrbio relativo à impossibilidade de permanecer no presente”. “É a tensão entre o agora e o depois... Sempre que não estamos seguros de nossos papéis desenvolvemos a ansiedade... Ligamos isso com o fato de toda a realidade estar no agora, e sempre que abandonamos a posição segura de estar em contato com o presente, e saltamos para o futuro em fantasia perdemos o apoio para a nossa orientação... A palavra ansiedade tem sua conotação derivada da palavra latina angústia, passagem estreita.” (PERLS, 1969 p. 203-204 apud KIYAN, 2006, p.148) É natural procurarmos aplacar nossas angústias. Não há nada de errado em se buscar segurança e familiaridade. Não há nenhum problema em buscar equilíbrio e conforto. O problema surge quando o cumprimento das regras que compõem esta busca se torna rígido, congelado, uma compulsão à repetição que impeça o improviso e, mais grave do que isso, impeça de estar no presente, uma vez que a busca por resultados não permite a apreciação do processo como experiência em si. É neste ponto que o controle passa a ser impeditivo do contato, uma vez que contato demanda a experiência integrada dos sentimentos, pensamentos e ações, não podemos fazer contato quando estamos, ainda que sentindo aqui-agora, pensando lá-então e agindo em função destes pensamentos e / ou em total desconexão com eles, agindo mecanicamente, meramente seguindo regras previamente estabelecidas e cumprindo uma agenda de tarefas, compulsivamente. Quando nos controlamos perdemos a possibilidade de interagir com o ambiente e limitamos o contato. E, sem contato, não se pode ter awareness e, assim, não há possibilidade de crescimento. “A awareness é acompanhada por aceitação, isto é, o processo de conhecimento do próprio controle, a escolha e a responsabilidade pelo próprio sentimento, e pelo comportamento (literalmente: resposta-habilidade, habilidade de responder, de ser agente primário na determinação do próprio comportamento). Sem isso a pessoa pode estar vigilante para a própria experiência e espaço de vida, mas não para discriminar o poder que tem e que não tem”. (YONTEF, 1998, p. 216) Enquanto experiência coletiva, social e cultural, o mundo em que vivemos hoje tem se tornado cada vez mais regulador de mecanismos de controle. Por conta dos desenvolvimentos tecnológicos passamos a viver num mundo “controlado” no qual estamos sob intensa vigilância externa. Muitas vezes nos deparamos com avisos do tipo “Sorria. Você está sendo filmado.” ou “Essa ligação será gravada por motivo de segurança”. Com isso muitas pessoas passam a viver num estado de prontidão em que buscam ficar todo tempo em alerta impondo um controle interno sob seus sentimentos, emoções, atitudes e comportamentos por imaginarem que estão sempre sendo avaliadas. Na tentava de lidar com a avaliação alheia, passamos a ser nossos maiores algozes e a nos julgar todo o tempo. Segundo POLSTER & POLSTER (2001, p. 214), “uma pessoa é abertamente autoconsciente porque seu autoexame contínuo evita a possibilidade de que ela simplesmente possa fazer algo que não deseja estar aware”. E, assim, buscamos controlar! A solução deste conflito interno (que aqui chamamos de “guerrilha”) está na consciência de que, assim como é parte das necessidades humanas controlar, o contato pleno também é uma necessidade. Só poderemos transitar entre estas duas necessidades à medida que passamos a reconhecer nossas capacidades de enfrentar riscos e nossas impossibilidades de abandonarmos nossos padrões familiares, e isso só se faz com awareness. Referência Bibliográfica: D’ACRI, G. LIMA, P. & ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo, Editora Summus, 2007 KIYAN Ana Maria, M. E a Gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls. Editora Altana, São Paulo, 2006. PERLS, F. HEFFERLINE, R. GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. São Paulo, Editora Summus, 1997. POLSTER, M., POLSTER, E. Gestalt-Terapia integrada. São Paulo, Editora Summus, 2001. YONTEF, G. M. Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo, Editora Summus, 1998. Palavra 1: controle Palavra 2: contato Palavra 3: awareness Modalidade de apresentação: workshop Área de concentração: clinica e supervisão

Publicado

2015-12-01