MESA REDONDA 08 – PARTE II: A GESTALT-TERAPIA NAS SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA E EM DIÁLOGO COM O SUS: A CLÍNICA DO CONTATO, DO TRAUMA À REABILITAÇÃO.

 

Autor: Josélia Quintas

RESUMO


Os aspectos relativos ao sofrimento do sujeito-em-situação de adoecimento agudo, nas emergências dos hospitais, envolvem o paciente em sua totalidade num universo de questões bio-psico-político-sociais próprias daqueles que procuram a instituição de saúde para tratamento. O nosso objetivo foi discutir a saúde como campo do conhecimento e das práticas dos diversos profissionais cuidadores, em consonância com as demandas do Sistema Único de Saúde – SUS.


O gestalt-terapeuta, atuando nesse contexto, é convocado a realizar ações psicológicas que favoreçam ajustamentos criativos e solucionadores, pelas rupturas que a situação vivencial pode provocar não só nos pacientes como em seus familiares. Por se tratar de um acontecimento potencialmente gerador de perdas significativas e capaz de desestabilizar a unidade do ser em questão, procuramos desenvolver uma prática clínica que atenda a demanda da experiência de “mal¬estar” e sofrimento, favorecendo o processo de auto-regulação organísmica e possibilitando novos significados para o sujeito/paciente/hospitalizado.

Enfatizamos o momento existencial e emocional do paciente utilizando um manejo técnico que viabilize ao paciente entrar em contato (estar awere) o mais completamente possível com a situação vivida e suas necessidades, enquanto sujeito enfermo/sofrente. Ancoradas numa relação dialógica buscamos a experiência imediata e de modo especial a exploração das possibilidades criativas e solucionadoras para o enfrentamento da situação, do modo mais adaptativo e fluente que ele puder.

Nessa perspectiva, a Gestalt no hospital contempla seu objetivo, trabalhando com as possíveis interrupções e com a energia imobilizada em seu campo vivencial, pelas circunstâncias do momento podendo favorecer no paciente, o livre fluir das necessidades mais emergentes, do trauma à reabilitação.

Palavras-chave: emergência, gestalt-terapeuta, ser-doente-em-situação, contato, auto-regulação organísmica, interrupções, reabilitação.


“(...) é nesse momento que a gente descobre a reserva de força e acho que tudo que recebemos ajuda muito, mas só cada um pode dar uma direção à recuperação (...) o grupo auxilia porque você sente que não está só. A ajuda aqui está no sofrimento de cada um , procurando saída.”
(fragmento de uma narrativa no grupo de apoio psicológico)

 

INTRODUÇÃO


O presente trabalho é resultado da nossa experiência clínica, em duas décadas, em hospitais e pretende discutir os modos de atuação num contexto de alta complexidade -Centro de Tratamento de Queimados – CTQ -do Hospital da Restauração, o maior hospital da Rede do Sistema de Saúde -SUS, vocacionado para o atendimento de Emergência e de Grandes Traumas do Estado de Pernambuco, onde as ações integradas e de relação, consideram o ser em situação de sofrimento em suas dimensões bio-psico-social-política-espiritual.


O CTQ é um Centro de referência para Tratamento de Queimaduras, classificado pelo Ministério da Saúde de alta complexidade e semi-intensivo, com 45 leitos, sendo 25 leitos de adultos e 15 leitos de pediatria, na maioria das vezes todos ocupados. Devido as características da patologia e conforme a gravidade do trauma, temos um tempo de permanência médio de 15 dias, podendo prolongar-se até 90 a 100 dias ou mais.


As atividades de atenção à saúde, realizadas pela Psicologia se centralizam na atenção integral ao paciente e seus familiares. Atendemos em média, considerando a rotatividade, 40 pacientes/ mês e respectivos familiares. O número de atendimentos seqüenciais chegam em média a 200 /mês, dependendo da ocupação dos leitos e da complexidade dos casos. As Avaliações iniciais (preventivas) nos auxiliam como indicadores para novos atendimentos atentando para a disponibilidade do paciente e as implicações emocionais decorrentes do momento vivido.

No tocante à atenção psicológica, esta se inicia desde a admissão do paciente no CTQ, estendendo-se ao pós alta hospitalar ambulatorial, junto aos demais profissionais fisioterapeutas e médicos. Muitas vezes são necessárias cirurgias reparadoras das seqüelas cicatriciais, comuns nos pacientes queimados bem como o tratamento fisioterápico que pode durar anos.


Nessa etapa do tratamento, pós alta hospitalar, os pacientes oriundos da cidade e da região metropolitana, são convidados a participar do Grupo de Apoio Psicológico à Reabilitação, realizados semanalmente, dando continuidade a atenção oferecida durante a hospitalização.


O grupo representa um espaço de convivência, de escuta e de trocas de experiências de dor e sofrimento pelas dificuldades e estigma que a patologia impõe. É um Grupo temático, aberto e cada encontro se encerra em si mesmo. Os temas são figuras que emergem da própria dinâmica e como indica Cardella; “ os temas se entrelaçam e se relacionam criando uma rica tela de experiências, em uma dada situação existencial”.(p. 73-74)


Nesses encontros, pela cumplicidade, alguns pacientes ultrapassam os limites da doença para as múltiplas implicações no âmbito pessoal e interpessoal, tornando-se assim um espaço socioinstitucional propiciador de um enraizamento coletivo da nossa clientela, conforme nos diz Schimidt ( in Morato 1999).


Nesse espaço de referência e de convivência, muitos comparecem para contar aos outros suas experiências e seus vínculos com a instituição e seguimos todos caminhantes, procurando sentidos, tecendo a trama do trauma à reabilitação.


Diante das considerações iniciais e contextualizada a nossa clínica, passamos então a discorrer sobre a psicologia contemporânea, comprometida com as questões sociais e com o Sistema Único de Saúde – SUS – que amplia seu olhar, inserindo-se nas equipes de saúde e afastando-se da tarefa clínica tradicional , a psicoterapia, e do privado para o coletivo, atualizando o conceito de atenção integral já encontrado no pensamento holístico e modelo atual sugerido pelo SUS, cujos princípios básicos são a universalização do acesso, a integralidade da atenção e a equidade. Não nos deteremos aqui em tais princípios, visto ser outro o tema a ser discutido.

É de nosso conhecimento que a Gestalt-Terapia, com o seu olhar holístico para o sujeito, hoje coincidente com os ideais de integralidade do SUS, tem desenvolvido trabalhos em outros espaços, entre eles o hospital. Somos chamados para o público, onde a população vive a experiência de ameaça e desamparo provocada pelo fluir da fragilidade humana em situações de crise aguda. Lembramos Perez (2005) “(...) A vivencia do impacto do inesperado e o defrontar-se com a possibilidade de morte, que caracterizam a situação emergencial, lançam o sujeito no estado inicial da condição humana, o desamparo.” (p.53)


Há de se considerar que tal situação provoca uma alteração da continuidade existencial que constitui e sustenta o sujeito e que pede uma atenção e uma ajuda especializada. Esta atenção favorece a comunicação e a elaboração da experiência de sofrimento que está para além do corpo e da patologia, constituindo-se numa nova compreensão sobre a saúde que considera os inúmeros fatores de dificuldade no cotidiano da população que são de natureza bio-psico-social-política-espiritual, provocadores de sofrimento e desamparo, culminando finalmente na demanda hospitalar.

A GESTALT NO HOSPITAL: A CLÍNICA DO CONTATO


O enfoque que queremos dar para o sentido do sofrimento no âmbito da saúde requer uma nova compreensão do verbo sofrer como sinônimo de padecer. Do ponto de vista existencial, podemos dizer que sofrer, aponta para o suportar, levando adiante, sustentando e sendo.


Na Grécia antiga, os médicos gregos, destacando-se Hipócrates, com os princípios da Medicina hipocrática, já apontavam para o bem-estar do indivíduo e para os fatores ambientais interferentes no aparecimento das doenças. Para ele, a saúde dependia de um estado de equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e outros componentes da natureza humana – Pathós – ou seja, humores e paixões que deveriam estar em equilíbrio, falando também do poder curativo da natureza. (CAPRA, 1995 ).


Buscando também inspiração em Nietzsche (2006), e fugindo do sentido de padecimento, temos nele, que a fraqueza e a submissão é combatida, dando lugar a uma vitalidade que afirma o homem: vontade de potência, ou seja, a vida apesar do sofrimento inevitável. Em “Assim falou Zaratustra”, o conceito de eterno retorno nos põe em contato com a vitalidade que afirma o homem. A dor e o sofrimento próprios da existência humana nos leva, a pensar sobre a condição do paciente como ser-doente-em-situação, e sobre a necessidade de suportar e enfrentar seu tratamento, sendo.


No hospital, consideramos o usuário e suas necessidades, adotando um modelo que vise primordialmente a sua integralidade contextualizada. É necessário salientar que compomos uma equipe interdisciplinar numa rede de cuidados cuja prioridade é a sobrevivência e recuperação do paciente. As ações médicas são marcadas pela objetividade científica e pela resolutividade da situação crítica vivenciada pelo paciente, vítima de um trauma agudo.


No entanto, no hospital, sobrepõe-se radicalmente a questão das necessidades pessoais do paciente e assim, se descortina o sofrimento humano total e inevitável, inerente à própria patologia, a ameaça a sua integridade e as repercussões decorrentes das rupturas sofridas em seu espaço vital.


Nem precisamos dizer que nesse contexto, a visão holística, ou seja o sujeito bio-psico-social-político-espiritual solicita da equipe uma atenção ao sofrimento em todas as suas dimensões, o que , dada a objetividade das ações e a dinâmica do tratamento, na maioria das vezes não é possível. Perls enfatizou a importância de compreender como um fenômeno psicológico acontece considerando o ser em sua totalidade, em seus aspectos estruturais e dinâmicos do psiquismo. Pimentel (2003), também comenta esse pensamento dizendo:

“ Marcando o corte epistemológico com a Psicanálise, Perls desdobrou a tese do holismo estrutural. Sugeriu que há uma atitude que faz com que os indivíduos percebam que o mundo é composto não só de átomos, mas de estruturas que têm um significado distinto da soma de suas partes; chamou atenção também para a importância de se incluir o contexto, o campo, a totalidade nas análises de um fenômeno, evitando uma visão isolacionista.” ( p.37)


Isso por si, já aponta para a necessidade de um olhar interdisciplinar, voltado para o diálogo, tanto entre os membros da equipe que cuida, quanto em relação ao usuário com suas múltiplas demandas. Nesse cenário e fazendo parte da equipe interdisciplinar, o psicólogo precisou re-inventar suas concepções e técnicas exercendo uma clínica ampliada cujo “foco do trabalho é o sujeito integral” conforme aponta Spink (2007, p. 93) enquanto que o gestalt-terapeuta no hospital trabalha efetivamente com paciente em sua totalidade, seguindo os princípios da Gestalt já citados, exercendo assim a clínica do contato e do diálogo. Nesse sentido lembramos Lofredo (1994):


“ contato é o reconhecimento do outro, o lidar com o outro, o que não-é-eu, o diferente,o novo, e o estranho. Numa situação de contato estamos inevitávelmente, assujeitados à possibilidade da novidade e do imprevisto. O organismo subsiste em relação com o meio, mantendo sua diferença, sua alteridade e, principalmente, assimilando o meio a seu ser diferente. (p.83)


Considerando as necessidades do organismo e sua auto-regulação, a energia mobilizada será integrada e a awareness eficaz naturalmente dependerá de como o paciente compreende sua situação atual e de como o self encontra-se nessa situação. Entrando em contato com a situação, em seu campo vivencial, o paciente confronta-se com o estranho (com o novo, doença aguda, o ambiente hospitalar, o tratamento, a equipe...) e com os perigos e supostas ameaças que tal situação poderá despertar nele.


O contato é sempre dinâmico e por sua natureza relacional, acontece pela formação de uma figura contra um fundo, conceito fundamental em Gestalt. Não podemos deixar de enfatizar que é na fronteira-de-contato que acontecem as comunicações entre o paciente e a equipe e particularmente com o psicólogo que favorece através dos encontros, trocas importantes com possibilidades de mudanças.


Nessa perspectiva, na prática, fica claro que não conseguiremos dar conta do sofrimento humano e o gestalt-terapeuta se oferece ao paciente/sofrente como presença, como disponibilidade para uma escuta clínica situacional que favoreça o contato e a reflexão sobre o modo como ele como se relaciona com os acontecimentos e o que fazer com aquilo que se apresenta como inevitável e como algo a ser solucionado. De qualquer modo nos perguntamos: Quem é o paciente? Em que circunstâncias ele adoeceu? Há alguma relação entre sua historicidade e seu adoecimento? Qual a dimensão dada ao seu sofrimento? E o grau de vulnerabilidade diante de tal acontecimento? Como poderemos favorecer o fluir da energia vital capaz de dar sustentação na travessia da hospitalização até a reabilitação?


Diante de tais questionamentos, importa, portanto, compreender como ele reage a sua condição de ser/sofrente e quais seus recursos disponíveis, ou estratégias de enfrentamento diante da situação a ser solucionada. Sabemos que o modo sadio do sujeito deverá se revelar pela sua capacidade coerente entre sentir, pensar, dizer e agir e que como já visto na situação concreta de adoecimento esse modo será afetado em sua organização de maneira que organização-desorganização, caos-ordem surgem como uma realidade a ser vivenciada.


Nossa atuação parte de uma avaliação compreensiva, entre terapeuta e paciente para uma ação interventiva que objetiva o livre fluir da energia necessária ao enfrentamento e à recuperação da saúde. Em Gestalt significa favorecer o afrouxamento de controles, possibilitando um espaço para a criatividade e a autonomia.


Tomando como fio condutor o conceito de auto-regulação organísmica, que diz como o sujeito se relaciona com as situações, enfatizamos que o contato com a situação de trauma e hospitalização que leva o sujeito a desestabilização própria das situações de risco iminente , decorrente das incertezas e das possíveis perdas, mobilizando por demais a angústia já própria da existência humana.

Nesse sentido, a situação que se apresenta sugere que o gestal-terapeuta se utilize de ações facilitadoras de awareness, direcionadas ao foco de atenção do paciente (figura). No confronto com a dor, o sofrimento, com sua própria vulnerabilidade, seus medos, fantasias e dificuldades, o paciente/sofrente poderá apropiar-se do momento vivido conseguindo uma maior fluidez e assim, tornar-se mais permeável a compreensão da realidade a ser enfrentada, mesmo sofrida.


Enfatizamos que auto-regulação não indica acomodação ou resignação, mas uma atitude de escolha e aprendizado que envolve o ser total numa compreensão daquilo que é (realidade atual) e que necessita da utilização de forças presentes para o enfrentamento da situação.


A teoria organísmica, pensa o corpo como unidade funcional e que todo fenômeno acontece no organismo total. Cardella(2002) nos mostra que :


“Para a Gestalt-Terapia, portanto, o processo de auto-regulação organísmica depende, além da agressão, da awareness do indivíduo, ou seja, de sua capacidade de discriminar e , consequentemente, assimilar o que é nutritivo e rejeitar o que é tóxico , o que resulta em crescimento segundo processos de ajustamento criativo.” (p.65)


Fica claro então, que é a awareness e a hierarquia das necessidades do paciente, nesse momento de crise, que poderão dar sentido a experiência vivida, deixando fluir a energia necessária ao processo homeostático. Perls, citado por Yontef (1998) diz que: “Existe apenas uma coisa que deveria controlar: a situação.Se você entende a situação em que está e se você permitir que a situação em que está controle as suas ações, então você aprende a lidar com a vida.”(p.30) . Querendo dizer com isso que existe a possibilidade da pessoa poder escolher e regular suas próprias vontades se estiver awere.


Por essa compreensão, e colocando em destaque a situação de adoecimento e trauma agudo, se o paciente estiver awere, se estiver ciente daquilo que é, poderá encontrar meios de enfrentar e suportar as necessidades do tratamento, na maioria das vezes doloroso e ameaçador. Na dinâmica da sua totalidade, o paciente busca sua auto-regulação. É justamente a inter-relação das suas dimensões humanas – suporte – que o paciente deverá fazer o movimento para o contato. Através do encontro, e do suporte o paciente poderá modificar percepções distorcidas ampliando suas possibilidades e assim, utilizar recursos próprios, favorecendo o fluxo de energia e tornar-se agente de seu tratamento e da sua própria recuperação.


O objetivo da Gestalt-terapia é portanto, de facilitar a solução de problemas, no caso, o enfrentamento da situação ameaçadora de vulnerabilidade, incertezas e dor, estimulando a auto-regulação e o auto-suporte através de técnicas adequadas e de confronto com a situação e ao que se apresenta. Desse modo, e mais uma vez citando Cardella (2002) temos que:


“O terapeuta, portanto, será um facilitador do processo gradual de passagem do apoio em suportes de outros para o reconhecimento e a criação de recursos próprios do indivíduo, para que possa, então, estabelecer contatos plenos.” (p.49)


Nessa perspectiva, a Gestalt no hospital, como abordagem aplicada, contempla seus objetivos, visto que, a atenção psicológica oferecida ao paciente é norteada pelos acontecimentos experienciados no momento, o que afirma nossa prática como uma prática essencialmente fenomenológica-existencial. O gestalt-terapeuta atuará junto ao paciente em sua unidade, desorganiizada pela crise, expressa por movimentos desordenados em sua corporeidade, buscando a auto-regulação e o auto-suporte, trabalhados através da explicitação da experiência existencial.


Para Heidegger (2001), corporeidade tem um sentido especial, é condição ontológica do sujeito e já aponta para a totalidade do ser. O corpo, segundo ele é um existencial, uma dimensão constituviva do ser e, portanto inseparável da suas experiências e de seus significados Esse filósofo, considera, então, o corpo para além do organismo físico e sim como um modo de ser nas diferentes formas de afetação. “O corporar está em toda parte onde participa a sensorialidade, mas ai está sempre, também, já a primária compreensão do ser” ( p.212). Acrescentando ainda em sua fala que os limites do corporar encontra-se num âmbito diferente do tocar e do ver, mas no âmbito do imaginar e da possibilidade de presentificar.


Por essa compreensão, articulamos novamente um dos conceitos fundamentais da Gestalt-terapia, a noção de contato, para enfatizar o que pretendemos expor no momento. Trabalhamos com a noção de contato com o sujeito e suas possibilidades trazendo assim a compreensão do que se passa com o paciente como Perls acreditou: na ênfase dada a situação da pessoa no presente, destacando como essa pessoa, entra em contato com sua situação atual ou presentificada.


Segundo Polster e Polster (1979) o contato acontece através das funções de contato; visão, olfato, toque, fala, gestos, expressões etc. em conexão com o livre fluir, e assim, compreendemos que o corpo, considerado aqui como corporeidade é a casa do contato.

 

MANEJO DA FRONTEIRA -DE -CONTATO NA SITUAÇÃO HOSPITALAR


A fronteira-de-contato é onde tudo acontece. É o lugar do encontro, das trocas, onde o paciente experiência o estranho, o novo, os perigos, as fantasias... é também o lugar onde acontece o contato facilitador e transformador de significado/sentido.


As intervenções clínicas psicológicas possíveis no hospital seguem a mesma metodologia da clínica tradicional e considerando o manejo da fronteira-de-contato acreditamos que as pessoas são capazes de fazer a travessia da situação e tomando consciência (estar awere) poderá mover-se em direção a sua auto-regulação.


No entanto, alguns pacientes, muito afetados em sua unidade relacional poderão apresentar dificuldades, interrompendo o fluir natural do processo de ajustamento criativo. O gestalt-terapeuta compreendendo o movimento inadequado presente na fronteira-de-contato e considerando o modo próprio como cada sujeito se revela, poderá ajudá-lo a desfazer suas interrupções que bloqueiam o contato e a interação saudável consigo mesmo e com os outros e consequentemente, com a situação.

No hospital, o estado emocional comprometido e tais interrupções, podem ser um dos fatores que interfere no tratamento do paciente e na comunicação entre todos da equipe. Os fenômenos decorrentes das situações de crise aguda muitas vezes provocam os bloqueios que apontamos acima.


Cardella (2002) referindo-se aos distúrbios na fronteira-de-contato, os define como a incapacidade se encontrar e manter o equilíbrio, indica a utilização de mecanismos neuróticos, que recebem diferentes denominações em gestalt-terapia conforme diversos autores. Assim, temos os distúrbios de limite, distúrbios de fronteira, interrupções no ciclo do contato etc. que apontam para uma confusão entre o si-mesmo e o outro. Diz a autora:


“No processo terapêutico o que se procura é transformar esses mecanismos em estilos de contato, ou seja, adaptáveis às experiências em curso na vida do indivíduo, além de ampliar a awareness deste em relação à sua forma de contatar e evitar.” (p. 58)


Finalmente, a autora acima citada considera que é necessário não combater tal movimento e sim procurar tornar o paciente awere do mecanismo que utiliza, redirecionando a energia para outros modos mais adequados flexíveis e naturais.


Por essa compreensão, a rigidez na fronteira-de-contato encontrada nos pacientes em situação de crise aguda, dificulta as trocas, o tratamento necessário, as relações paciente/equipe, aumentando sobremaneira o sofrimento daquele que necessita atravessar tal situação.


As construções metodológicas que contemplam a clínica no contexto hospitalar estão na perspectiva dos significados/sentidos e nossas ações se direcionam para a possibilidade de ampliar o campo de visão sobre a situação a ser suportada e da saúde como unidade do ser bio-psico-social-político-espiritual.

As reflexões aqui apresentadas acerca da atuação do gestalt-terapeuta na âmbito hospitalar se revela hoje como abertura para nossa inserção profissional num contexto público e social, onde o desamparo e o sofrimento humano mostra-se em toda sua intensidade, visto ser o adoecimento agudo um acontecimento que envolve o cotidiano do sujeito nas mais diversas atividades e dimensões existenciais. No encontro, terapeuta e paciente poderão encontrar modos de enfrentamento solucionadores e capazes de mudanças significativas na vida do paciente.


Para finalizar, como Benjamin (2002) também acreditamos que pode ser possível para o paciente o enfrentar da realidade sem defender-se, negá-la ou distorcê-la. Diz ele: “Enfrentar, pelo contrário, é encarar os fatos e decidir, então, o que fazer com eles. Se pudermos criar uma atmosfera em que o confronto seja alcançado, nossa entrevista poderá ajudar mais do que se pode prever.” (p.28).


Assim, a Gestalt-terapia mostra-se presente das diversas possibilidades de atuação clínica, afirmando-se cada vez mais como uma abordagem atual e engajada com os ideais de cidadania e de autonomia do sujeito-em-situação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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YONTEF, G.M. (1998) Processo , diálogo e awareness: ensaios em Gestalt-terapia. São Paulo: Sumus Editorial.