TL 23: DIBS: EM BUSCA DA RELAÇÃO DIALÓGICA NO ATENDIMENTO INFANTIL.

Autores

  • Fabiana Ferreira da Costa Brando

Resumo

TL 23: DIBS: EM BUSCA DA RELAÇÃO DIALÓGICA NO ATENDIMENTO INFANTIL. Fabiana Ferreira da Costa Brando RESUMO O trabalho tem como objetivo desenvolver um paralelo entre a abordagem Centrada na Pessoa e a Gestalt-Terapia no atendimento psicoterápico de crianças, a partir da leitura de trechos do caso clínico descrito no livro “Dibs: Em busca de si mesmo”. A articulação busca ampliar o conceito de relação dialógica no âmbito da psicoterapia infantil, destacando o uso da mesma como ferramenta que proporciona crescimento, mudança criativa. Palavras-chave – Psicoterapia Infantil. Relação dialógica. Gestalt-terapia. Abordagem Centrada na Pessoa. PROPOSTA Este trabalho tem como objetivo enfatizar o papel da relação dialógica no atendimento psicoterapêutico infantil. Para isso, discute-se a diferença de atuação da Gestalt-Terapia e a da abordagem Centrada na Pessoa, a partir da leitura de “Dibs: Em busca de si mesmo”. Escrito em 1964 por Virginia Axline, o livro “Dibs: Em busca de si mesmo” é considerado um clássico da psicoterapia infantil. Este livro é conseqüência de uma inovadora proposta de trabalho em contraposição à psicanálise e desenvolve uma perspectiva existencial/fenomenológica no trabalho com crianças. A abordagem centrada na pessoa confia na capacidade do indivíduo de auto-realização, um impulso de crescimento que vai naturalmente em direção ao comportamento maduro. Neste sentido, a participação do psicoterapeuta é a de proporcionar um ambiente acolhedor, sem pressão para que a criança sinta-se segura e aceita. O papel do terapeuta é de confirmar essa posição de respeito e espelhar, descrevendo o que vê, para que a criança tome consciência do que está vivendo e sentindo no momento da terapia. Já na perspectiva da Gestalt-Terapia, como destaca Aguiar (2005), a participação do psicoterapeuta fundamenta-se nos princípios da relação dialógica, tendo o psicoterapeuta uma participação mais ativa no atendimento, de modo a auxiliar a criança a se dar conta de suas interrupções de contato, seja através da participação no lúdico ou na ampliação da relação propriamente dita. Martin Buber discorre sobre a filosofia dialógica diante de sua preocupação com a tendência a individualização da sociedade (Hycner, 1995). Para a Gestalt-Terapia a relação dialógica ou a relação Eu-Tu, destaca a natureza relacional da existência humana, é a relação que se dá a partir do interesse genuíno pelo outro na interação. Neste sentido, a psicoterapia é o ponto de encontro de individualidades, com o foco primordialmente na experiência vivida pelo cliente. A relação psicoterapeuta/cliente é a oportunidade fenomenológica do cliente entrar em contato com suas interrupções e também de criar novas formas no aqui-e-agora. Oaklander (2006, p.21) define a relação dialógica em seu trabalho com crianças: "[...] Nos encontramos um ao outro como dois indivíduos separados, sem que um seja superior ao outro. É minha responsabilidade manter essa postura. Eu sou tão autêntica quanto sei ser- ser eu mesma. Não uso voz de professora ou uma voz condescendente. Não vou manipular nem julgar. Embora eu seja eternamente otimista quanto ao potencial saudável da criança que eu encontro em meu consultório, não vou colocar expectativas em cima dela. Vou aceitá-la como é, de qualquer forma que ela se apresente a mim. Vou respeitar seu ritmo e, na verdade tentar me juntar a ela nesse ritmo.; eu vou estar presente e em pleno contato. Nesse caminho nossa relação floresce." Vejamos dois trechos do livro em que a relação Dibs/Axline se torna figura: 1º Trecho: Dibs: Perdi quinta-feira passada e senti muita falta. Axline: Sim, eu sei, Dibs. E lamento que você tenha tido sarampo e que, por isso, não tenha podido vir. Dibs: Recebi o cartão que você me enviou. Senti-me feliz. Gosto de receber cartões. Axline: Fico contente em sabê-lo. Dibs: Bem, você me disse no cartão que ficaria bom depressa. E, também, que você sentia saudades de mim. Axline: É, foi isso mesmo. (Axline, 1995, p. 153) 2º Trecho: Dibs: Eu fiz aniversário, disse. Axline: E foi um aniversário feliz? Dibs: Sim, respondeu, voltando a remexer o pacote. Sabe o que é isto? É um conjunto internacional de códigos com pilhas e tudo. Viu? Estes pontos e estes traços servem para transmitir mensagens; para transmitir mensagens em códigos. Você escreve com pontos e tracinhos e envia sua mensagem. Não precisa letras, apenas códigos. [...] Dibs: Certo.. Olhe, então. E não esqueça que esta é uma mensagem muito importante, avisou. Axline: Está bem, Dibs, penso que já entendi. Dibs: Então o que diz a mensagem? Axline: Eu sou Dibs. Eu sou Dibs. Eu sou Dibs. Dibs: Ótimo! Exatamente! Agora veja esta outra, exclamou, disparando os acionadores dos significativos estalos telegráficos. Axline: Eu gosto de Dibs. Você gosta de Dibs. Ambos gostamos de Dibs. Dibs: Perfeito! Nós podemos trabalhar juntos. Agora você escreverá qualquer coisa que eu transmitirei. (Axline,1995, p. 181) Em ambos os trechos Dibs externaliza de forma clara a importância da relação terapêutica, ele enuncia diretamente para Virigina que há algo de diferente naquela relação. No entanto, por entender que a responsabilidade de conscientização é exclusiva do cliente, a psicoterapeuta apenas descreve o que está vivenciando e não se aprofunda nas questões trazidas por Dibs. Como terá se sentindo Dibs ao saber que Virginia sentia saudades daquele menino? Por que será que Dibs ficou tão contente com aquele cartão? Diante de tantos brinquedos, por que escolheu trazer para a terapia justo aquele que se expressava em códigos? Pra que ele precisa se expressar com Virginia em códigos? Como ele se sente sendo entendido e chegando a conclusão de que então, eles podem trabalhar juntos? Como ele se sente ao se dar conta de que ambos gostam de Dibs? A relação emergiu na sessão terapêutica, destacou-se como figura através da fala e vivência de Dibs, possibilitando um trabalho no aqui-e-agora a partir da experiência. Um Gestalt terapeuta poderia questionar sobre como Dibs se sente em relação ao cartão: “Dibs, como você se sentiu ao receber meu cartão e saber que eu estava com saudade?”; “É. Eu falei que você ficaria bom depressa. E vc ficou?”. No caso dos códigos o psicoterapeuta poderia ter investigado e desenvolvido mais o assunto: “Você trouxe um dos seus presentes de aniversário e ele transmite a mensagem em códigos?”; “Pra que falar em códigos comigo?”; “Como você se sente falando em códigos com as pessoas?”; “Com quem você quer falar em códigos?”; “O que mais você tem vontade de falar em códigos que não pode falar diretamente?”; “E falar diretamente, como é?” Ao ampliar essa compreensão, torna-se possível a realização de um experimento: a proposta seria Dibs falar diversas mensagens em códigos e depois expressar as mesmas mensagens de outras maneiras. Desta forma, o trabalho fenomenológico proporciona uma maior awareness da criança a respeito de si mesma e do mundo, expandindo e flexibilizando suas fronteiras de contato e, com isso, criando outras possibilidades de ser e estar no mundo. (Aguiar, 2005) Percebe-se no decorrer do livro que Dibs escolhe livremente suas formas de expressão na sessão terapêutica. Contudo, não existe a relação no lúdico, Virginia não interage através da brincadeira. Para a Gestalt-Terapia a relação dialógica pode ser explorada também com a criança através do lúdico. A participação ativa do terapeuta na fantasia permite a criança experimentar diversos papéis, projetar, se colocar no lugar do outro, experimentar sensações e sentimentos conhecidos e outros pouco conhecidos, conviver com pessoas diferentes, conversar e criar novas formas de ser no mundo. Sendo assim, o diferencial da Gestalt-Terapia é o entendimento de que as evitações de contato e as formas cristalizadas de se relacionar da criança são vivenciadas aqui-e-agora no contexto terapêutico. Portanto a relação criança/psicoterapeuta é o meio e o ponto de partida para o trabalho de integração e transformação criativa, é uma “ferramenta” que proporciona e permite awareness, tornando possível uma nova forma de ser no mundo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS PERLS, F; HEFFERLINE, R; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. 2aEd. São Paulo: Summus, 1997. AGUIAR, L. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. 1ªEd. São Paulo: Livro Pleno, 2005. HYCNER, R. De pessoa a pessoa. 1ªEd. São Paulo: Summus, 1995. HYCNER, R; JACOBS L. Relação e cura em Gestalt-terapia. 1ªEd. São Paulo: Summus 1995. AXLINE, V. Dibs: Em busca de si mesmo. 19ªEd. Rio de Janeiro: Agir, 1995 AXLINE, V. Ludoterapia. Belo Horizonte: Interlivros, 1972 OAKLANDER, V. Hidden Treasure: a map to the child's inner self. Karnac Books, 2006.

Publicado

2014-09-18