TL 21: FUNCIONAMENTO BODERLINE - ENTRE O DESEJO DE UNIÃO E O ANSEIO POR INDEPENDÊNCIA
Resumo
TL 21: FUNCIONAMENTO BODERLINE - ENTRE O DESEJO DE UNIÃO E O ANSEIO POR INDEPENDÊNCIA Bruna Cabral Vianna Pinto RESUMO Este trabalho tratará da apresentação de um estudo de caso que discutirá o processo terapêutico de uma mulher com diagnóstico psiquiátrico de transtorno de personalidade borderline, conforme o DSM-IV (2003). Buscaremos compreender o modo de funcionamento dessa pessoa, não nos prendendo à mera classificação da doença. Abordaremos o tema tomando como referencial teórico a Gestalt terapia, lançando mão de conceitos tais como awareness, contato e suas interrupções, self. Por fim, discutiremos a postura do terapeuta, seus desafios e as peculiaridades no acompanhamento em casos desse tipo. Palavras-chave: Borderline; Gestalt-terapia; Contato. PROPOSTA O presente trabalho tem como objetivo discutir, sob o prisma da clínica gestáltica, o processo terapêutico de uma mulher com diagnóstico psiquiátrico de transtorno de personalidade borderline, conforme o DSM-IV (2003), recebido meses antes de iniciar o acompanhamento psicológico. Este serviu de motivação para compartilhar minhas idéias, na medida em que olhei com mais cuidado para a minha postura como terapeuta e também pude lidar com novos desafios que o caso me proporcionou. O termo borderline significa “limítrofe”, “uma linha de fronteira”, tendo sido usado pela primeira vez por Adolf Stern, em 1938, para descrever pacientes que não podiam ser inseridos nas categorias de neurótico ou psicótico (SANTOS; ADES, 2012). “A característica essencial do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é um padrão global de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, da auto imagem e dos afetos, acentuada impulsividade que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos”. Há nove critérios de avaliação, dos quais destacarei os observados em minha cliente: padrão de relacionamentos instáveis e intensos; impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais a si próprios; comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou auto mutilante; instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade de humor; sentimentos crônicos de vazio; raiva intensa e inadequada ou dificuldade para seu controle (DSM-IV, 2003, p. 660). Pensando no funcionamento borderline, podemos pensar na falta de uma “pele emocional”, ocasionando reações emocionais extremas. Costuma manipular, colocando-se como a vítima. Com características bem infantis, sendo muito impulsivo, não sabe esperar, nem lidar com frustração (CUKIER, 1998). O contato consiste em conectar e separar. Caso não haja obstáculos na fronteira, torna-se possível fazer contato com o novo, promovendo crescimento e descoberta. Porém, segundo Yontef (1998), no TBP a conexão é encarada como sendo fusão, perda de autonomia. A separação sugere abandono. Larry (2008) informa que o sujeito quer desesperadamente a relação e a intimidade e ao mesmo tempo, anseia por independência. A intimidade genuína pode fazê-lo sentir-se vulnerável, fazendo-o se distanciar. Mas então a distância o faz se sentir solitário, quando o medo de abandono o impulsiona a se aproximar novamente e o ciclo se repete. O autor ressalta que esses pacientes são incapazes de manter um sentido coeso do self, assim como fazer contato interpessoal íntimo adequado ou dialógico. Lidam com dificuldade com a awareness das coisas que são dolorosas ou ameaçadoras. Segundo Granzotto (2005), o self é um processo temporal, sendo visto como um sistema de contatos presentes e como o agente de crescimento do organismo no meio. Os Polsters (2001) assinalam que a awareness seria a forma de manter-se atualizado com o próprio eu, mantendo a pessoa absorvida na situação presente. Caso “Luna”- Os atendimentos tiveram início em setembro de 2011, e continuam até o momento do desenvolvimento deste trabalho. Luna, 28 anos, chegou à terapia com a queixa de muita ansiedade, nos mais diversos campos de sua vida. Havia o encaminhamento de um psiquiatra que a acompanhava há quatro meses. Contou-me o diagnóstico e que já estava sendo medicada mas entendia a importância da terapia. Em contato com o médico, este me relatou que a paciente “era extremamente impulsiva, ansiosa e possuía traços borderline”. Pinto (2009) ressalta que é necessário considerar a singularidade existencial e a história do cliente para que o diagnóstico não crie rótulos. Augras (1986) esclarece que o normal é aquele que supera os conflitos e patológico é quando o indivíduo permanece preso à mesma estrutura, sem perspectiva de mudança. Luna estava em seu segundo casamento, com um filho do primeiro. Este foi morar na Espanha com a avó paterna há quatro anos, quando Luna, apesar de ter concordado, tentou suicídio tomando remédios pois diz ter sentindo um “grande vazio”. É formada em marketing mas não trabalha por exigência do marido. Este possui 45 anos, é advogado, casado pela segunda vez, com dois filhos do primeiro casamento que moram com a mãe. Estão casados desde dezembro de 2011, já tendo se relacionado por quatro anos, quando ele ainda estava no primeiro casamento. É a mais velha de dois irmãos e mesmo muito jovem era responsável pelos cuidados ao irmão mais novo. Relata que tem ataques de raiva e que, quando precisa se acalmar pelas brigas em casa, deita-se em sua cama em posição fetal e começar a se balançar. Já teve diversos episódios em que se embriagou, cortou-se com faca/tesoura e por fim teve uma overdose de remédios até que foi hospitalizada. Seu psiquiatra foi firme e criou condições que se ela não cumprisse, seria internada numa clínica psiquiátrica. Após esse episódio, não referiu nenhuma tentativa de auto ferimento, nem mesmo vontade para tal. Segundo Fukumitsu (2005), o suicida procura a vida, ao invés da morte. O ato suicida configura uma mensagem que não pode ser comunicada, não necessariamente um ato consciente ou compreendido pelo próprio suicida ou pelos outros. Seu pai cometeu suicídio quando ela tinha 10 anos. Era uma filha cuidadora, que tolerava a bebedeira do pai. Chegou a ser atacada por ele com uma faca mas escapou. Faz menção a uma condição psiquiátrica do pai, com internações. Sua mãe casou-se um ano após o falecimento do marido e foi cuidada pela filha, até falecer de câncer quando Luna estava com 20 anos. Cukier (1998) assinala que no TPB encontra-se uma história de abusos na infância, presença de um ambiente invalidador (não aprendendo a lidar adequadamente com suas emoções) e que negligencia as necessidades de dependência básica. Luna relata ter sofrido abuso sexual por parte do padrasto, tendo sido a mãe negligente. Engravidou do namorado com a finalidade de conseguir sair de casa e barrar o assédio. Sobre o tema, Medeiros (2008) traz que a criança silencia com relação ao abuso por sentir-se extremamente insegura e acreditar que não seria ouvida, é quando se instalam os sentimento de vergonha e constrangimento. Coleciona relações amorosas desfeitas, não conseguindo confiar nas pessoas e criar intimidade, como também instabilidade em sua vida profissional. Atualmente, vive relação conflituosa com o marido, na qual ambos são bem ciumentos e controladores. O casal se encaixa naquilo que Silveira (2007) aponta como patologia complementar, formando pares que representam papéis cristalizados, podendo oscilar entre eles. Quem é controlado pelo parceiro, se mantém nesse lugar e permite assim, que o outro atue como controlador. Luna avaliava que o marido não se empenhava em “se dividir” o suficiente para também estar ao seu lado, priorizando os filhos. O marido, por sua vez, questionava o tempo que Luna reservava a qualquer atividade que realizasse sem o marido. O casal possui um padrão de comportamento no qual o ciúme do marido o levava a fazer exigências que eram cumpridas por Luna, que sentia-se no direito de impôr o mesmo, havendo uma confluência patológica, quando a relação é tida “entre duas pessoas que concordam em não discordar” (POLSTERS, 2001, p.95). Peculiaridades da Terapia - Pinto (2009) assinala que o borderline necessita de limites muito claros e estabilidade. É necessário estar atento ao modo como o cliente transita pelo ciclo de contato e onde há dificuldades para ele caminhar. Para Luna, foi possível estar mais atenta a seus limites e não mais permitir desrespeitos por parte dos enteados, além de cuidar para que as brigas com o marido não assumissem uma gravidade perigosa. Para o borderline é comum apresentar um substancial material de contexto psicológico, falando sem reservas, mas sem assimilação, assim como Luna trouxe já na primeira sessão um conteúdo rico que causou minha admiração. Yontef (1998) considera que o sujeito borderline expõe muito fácil e intensamente o seu drama existencial, o que não significa que consiga um bom contato com o que expressa. Diante disso, Yontef (1998) concorda que o cliente seja confrontado de maneira firme e realista quanto a assumir a responsabilidade de parar com a atuação, assim como auxiliá-lo a levar em consideração suas necessidades, as dos outros e os limites da situação. É preciso que o terapeuta seja continente para que o cliente possa sentir-se acolhido. Um grande ganho para Luna foi atualizar as experiências onde a confiança é possível, como com seu psiquiatra e comigo. Aos poucos, saiu do isolamento de viver somente para o casamento para investir sua energia de forma mais satisfatória: retomou os estudos, resgatou contato com amigos e assumiu responsabilidade por aquilo que decidia fazer de sua vida, ao invés de culpar o marido ou a “doença” por suas dificuldades. Esperamos, com esse trabalho, contribuir com a ampliação da produção de conhecimentos e reflexões. Além de estimular o desenvolvimento de mais material como forma de enriquecer o estudo sobre o funcionamento borderline e fazer pensar sobre a importância da relação terapêutica. BIBLIOGRAFIA AUGRAS, M. O ser da Compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Petrópolis, Vozes, 1986. CUKIER, R. Sobrevivência emocional. São Paulo: Ágora, 1998. DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2003. 251 FUKUMITSU, K.O. Suicídio e Psicoterapia – Uma visão gestáltica. Campinas: L. Pleno, 2005. GRANZOTTO, R.L. Gênese e Construção da Filosofia da Gestalt Terapia. Dissertação de mestrado em filosofia . Florianópolis: UFSC, 2005. LARRY. J.; SIVIER, M.D. (2008) Transtorno de Personalidade Borderline: pare de andar em cascas de ovos. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/36869884/Borderline-Stop-Walking-on-Eggshells . Acesso em junho de 2012. MEDEIROS, L.; VASCONCELLOS.J.H. A ferida que não fecha: Tratando adultos vítimas de abuso sexual na infância. II Congresso de Gestalt terapia do Estado do RJ (2008). Disponível em: http://www.igt.psc.br/ojs2/index.php/cengtb/article/view/183/427. Acesso em junho de 2012. PINTO,E.B. Psicoterapia de curta duração na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2009. POLSTER.E; POLSTER. M. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001. SANTOS.F.E; ADES,T. Borderline: Criança interrompida, adulto borderline. Editora Isis, 2012. SILVEIRA,T.M. (2007) Caminhando na corda bamba. Disponível em www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=414&article=48&mode=pdf. Acesso em: maio de 2012. YONTEF, G. M. Processo, Diálogo e Awareness: Ensaios em Gestalt terapia. São Paulo: Summus, 1998.Publicado
2014-09-18
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