TL 20: ARTE DA POLARIZAÇÃO: O FILME “CISNE NEGRO” SOB A ÓTICA GESTÁLTICA

Autores

  • Patrícia Bessa Silva

Resumo

TL 20: ARTE DA POLARIZAÇÃO: O FILME “CISNE NEGRO” SOB A ÓTICA GESTÁLTICA Patrícia Bessa Silva RESUMO O trabalho se propõe a uma reflexão de cunho teórico, prático e epistemológico acerca da interlocução entre o processo de autoconhecimento e desdobramento de personalidade da personagem principal do filme “Cisne Negro” (2010), de Darren Aronofsky, e o conceito de Polaridades presente na Gestalt-terapia. Visa refletir acerca do movimento árduo, processual e dinâmico de integração de polaridades da personagem, bem como o entendimento desse processo enquanto importante ferramenta terapêutica no trabalho psicoterápico sob um viés gestáltico. Nesse sentido, utilizou-se de uma metodologia de enfoque qualitativo, realizada através de pesquisa bibliográfica na literatura de base da Gestalt-terapia e análise de cenas do filme que mostram o conflito da personagem em meio a aspectos egodistônicos de sua personalidade. Palavras-chave: Polaridades. Cisne Negro. Gestalt-terapia. PROPOSTA O pensamento em opostos sempre esteve presente em nosso cotidiano e na articulação do pensar, desde as línguas antigas mais conhecidas. A arte da polarização está profundamente enraizada no organismo humano e, segundo os pressupostos da Gestalt-terapia, é resultante da “awareness”. Nesse sentido, o processo de diferenciação em opostos é entendido como movimento natural e saudável do organismo, o que permite seu funcionamento adequado e equilíbrio na relação com o mundo (PERLS, 2002). Na Gestalt-terapia a ideia de polaridade foi desenvolvida por Perls (2002) a partir de influencias do conceito de “indiferença criativa” proposto por S. Friedlander. “[...] Friedlander apresenta a teoria de que todo evento está relacionado a um ponto-zero, a partir do qual ocorre uma diferenciação em opostos. Esses opostos apresentam, em seu contexto específico, uma grande afinidade entre si” (Perls, 2002, p. 45). Daí, Perls afirmar que “os opostos passam a existir pela diferenciação de ‘algo não diferenciado’, para o qual eu sugiro o termo ‘pré-diferente’” (2002, p. 50). Perls, Hefferline e Goodman (1997) trazem a idéia de conflito enquanto expressão antagônica de polaridades, em uma perspectiva criativa e como caminho para o crescimento e expansão do self. No entanto, para que assim permaneça, a perspectiva dualista e dicotômica deve ser transcendida e substituída por uma solução que evite a estagnação e cristalização, possibilitando o vir-a-ser. Sendo assim, Perls (2002) sugere que não esqueçamos o ponto da pré-diferença, para não corrermos o risco de cair na estagnação e em dualismos arbitrários e equivocados. Ainda acerca da relação existente entre conflito e polaridades, o autor supracitado discute a ideia de uma personalidade que pode ser cindida na medida em que o sujeito passa a alienar partes de si com a intenção de evitar conflitos com o meio. Nesse sentido, quando o indivíduo busca estar-no-mundo de acordo com os critérios e limites ditados pela sociedade, estes entendidos como “corretos” e aceitáveis, para evitar o conflito com as demandas externas, o individuo aliena partes de sua personalidade. No entanto, a partir do momento em que há uma evitação desses conflitos, cria-se, uma espécie de correspondente interno do mesmo, e este é contrário à própria essência do holismo, que busca a harmonia e paz interior (PERLS, 2002). No filme Cisne Negro (2010) percebe-se que o processo de alienação e tolhimento de vivências, traz a personagem uma série de prejuízos internos e externos: vida social restrita, autoconceito e autoconhecimento pobres, comportamentos bulímicos e de autoflagelo. Nina é uma jovem bailarina de extrema dedicação e disciplina em busca de perfeição e destaque no mundo do balé. Como menina pura, doce e virginal, nunca houve espaço para que vivenciasse sua sexualidade, feminilidade e agressividade, visto que estas questões iam de encontro aos princípios ditados por sua mãe e, consequentemente, introjetados como algo impuro e inaceitável. Nesse sentido, para garantir o equilíbrio na relação com sua mãe e ser coerente com o que conhecia sobre si e o mundo, Nina alienou aspectos egodistônicos de sua personalidade. Sendo assim, a aproximação com a representação do papel do Cisne Negro, simbolizando sexualidade, sedução, rebeldia, liberdade e o mal, despertava desconforto e estranhamento, visto o distanciamento dessas questões com sua realidade. Para Zinker (2007), uma autoimagem patológica, constitui-se de maneira estereotipada, cristalizada e unilateral, onde o indivíduo se permite e reconhece apenas como uma coisa, e nunca como outra. Caracteriza-se por uma awareness pobre, além de autoconhecimento e percepção limitados diante da multiplicidade de forças e sentimentos internos, carecendo, assim, de fluidez e amplitude. O mesmo autor também trás uma relação entre polaridades e conflitos, citando os conflitos saudáveis/criativos e confluentes/improdutivos, como resultantes do modo como as polaridades são manejadas na relação intrapessoal e interpessoal. O primeiro diz respeito a ausência de autoconhecimento e entendimento, transferindo ao outro algo que é de minha responsabilidade. Envolve duas formas de defesa: repressão e projeção. Por outro lado, no segundo tipo de conflito há um processo de autoconscientização e sentido de diferenciação, o que permite um comportamento integrado e adaptativo, visto a pessoa ser capaz de ser suficientemente flexível para responder a uma variedade de situações, baseando em toda infinidade de possibilidade de condutas. (ZINKER, 2007) Perls (2002) cita que as diferentes e opostas emoções e reações diante de um mesmo ato, dependem dos modos de identificação. Esta pode se dar com a consciência ou com os instintos e necessidades organísmicas, este último entendido como natural e sem esforço, enquanto a alienação não o é. Sendo assim, “quanto mais próximo um desejo está das necessidades organísmicas, mas difícil se torna a alienação quando a situação social a exige” (Perls, 2002, p. 221). Daí dizer o quão dispendioso e difícil para o indivíduo ter que alienar impulsos realmente poderosos. Diante disso, Perls (2002) diz que o processo de alienação, a partir de identificações com exigências ideológicas como uma perspectiva “correta”, pode estar de tão modo fixo e cristalizado, que o indivíduo passa a não conceber mais como seu o que foi alienado. Nina, já inteiramente identificada com o Cisne Branco, representado pela pureza, inocência e doçura, necessitava de correspondentes em sua vida que possibilitasse uma aproximação com a representação do Cisne Negro. Sem nenhuma familiaridade com tais vivências, as percebia como algo impuro e reprovador, já que aprioristicamente, não havia nenhuma aproximação com seu repertório de comportamentos, sensações e sentimentos, visto a forma cristalizada que lidava consigo e com o mundo. O decorrer da estória mostra o movimento de Nina em uma tentativa de “mergulho” em um mundo desconhecido e obscuro. Um processo árduo e penoso de imersão em aspectos desconhecidos de sua personalidade, tão intensamente alienados, que passaram a ser percebidos com estranhamento e constituintes de outro “eu”. Nesse sentido, o movimento de integração de polaridades lhe é indiretamente solicitado, pois caso almejasse o papel principal no espetáculo “O Lago dos Cisnes”, interpretando Cisne Branco e Negro, era preciso estar afinada com a representação simbólica de ambos os personagens. Sendo assim, era necessário unir os opostos em uma só atuação, sendo capaz de aglutinar as polaridades e representá-las com maestria. Esse percurso exige-lhe a dissolução de sua relação simbiótica e confluente com a mãe, a partir da quebra de suas próprias regras e abertura a novas experiências para além do mundo do balé. Todo esse processo vem carregado de sentimentos de culpa, angústia e sofrimento, além de episódios de delírio e alucinação, e o que parecem ser sensações de despersonalização e desrealização. Isso se deve principalmente ao fato de Nina não ter auto-apoio suficiente para sustentar os dois polos de sua personalidade e integrá-los de modo harmônico e dinâmico, além da ausência de suporte em seu campo de relações que possa verdadeiramente apoiar seu processo de crescimento pessoal e emocional. Sob um viés gestáltico, podemos pensar nesses aspectos enquanto processo proveniente do embate entre facetas opostas, egodistônicas e desconhecidas de sua personalidade, num movimento de integração de polaridades necessário a um processo de transformação, autoconhecimento e busca de plenitude. Nesse sentido, penso que, enquanto gestalt-terapeutas ,devemos trabalhar junto ao indivíduo na construção do seu auto-suporte, a partir do fortalecimento das fronteiras de contato, do processo de conscientização de suas necessidades e demandas no aqui-e-agora, além de uma boa utilização da energia a favor do self e do fechamento das gestalts inacabadas. É só a partir dessa base sólida que aspectos polares e sombrios da personalidade podem ser reconhecidos, aceitos e finalmente integrados, levando à construção de uma pessoa integral e plena (PERLS, 2002). Sendo assim, a relevância da discussão aqui traçada, se concentra principalmente em uma reflexão acerca do olhar gestáltico sobre a temática das polaridades, tendo como pano de fundo cenas do filme Cisne Negro. Além disso, busco refletir de que forma o gestalt-terapeuta, sob um viés clínico, maneja o processo de alienação e posterior movimento de integração de polaridades do indivíduo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PERLS, F. (1947). Ego, Fome e Agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus, 2002. PERLS, F.S.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. (1951). Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997. ZINKER, J. (1977) O Processo Criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007. YONTEF, G. Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo: Summus,1998.

Publicado

2014-09-18