TL 13: GESTALT CANGURU: O CICLO DE VINCULAÇÃO ENTRE PAIS E BEBÊS PREMATUROS
Resumo
TL 13: GESTALT CANGURU: O CICLO DE VINCULAÇÃO ENTRE PAIS E BEBÊS PREMATUROS Cybelle Olivier de Araújo RESUMO No Brasil, as afecções perinatais são a principal causa de mortalidade infantil, dado que estimulou o estabelecimento do Método Canguru pelo Ministério da Saúde. O objetivo deste trabalho é apresentar a atuação de psicólogos gestaltistas em unidades que utilizem o Método Canguru pelo viés do Ciclo do Contato, seguindo como guia o módulo 2 do Manual Técnico de treinamento, que trata dos aspectos Psicoafetivos da internação de bebês prematuros. Esta marca o início de uma grande gestalt que caminha, num movimento de tomada de contato, rumo à vinculação afetiva entre pais e bebê, peculiar nas unidades neonatais. O papel do Serviço de Psicologia de olhar gestáltico é intervir favorecendo a saúde e bem estar de todos na unidade, entendendo-a como um todo que, se saudável, oferecerá aos pacientes espaço para que cada um se construa de forma criativa. Palavras-chave: Humanização, Contato, Método Canguru PROPOSTA De acordo com o Ministério da Saúde (2002), em todo o mundo, nascem anualmente 20 milhões de crianças prematuras e com baixo peso. Um terço delas morre antes de completar 1 ano de idade. No Brasil, o número elevado de nascimento de bebês de baixo peso (inferior a 2500g) consiste numa importante questão de saúde pública, contribuindo para a alta taxa de mortalidade infantil no país, cuja principal e mais frequente causa são as afecções perinatais. Por isso, o atendimento perinatal tem sido um dos focos principais do Ministério da Saúde, que implementa em 05/07/2000 o Método Canguru (ou, Norma de Atenção Humanizada do Recém Nascido de Baixo Peso), lançado pela Portaria no 693, como parte do Programa de Humanização do Pré Natal e Nascimento. O objetivo deste trabalho consiste em apresentar a atuação de psicólogos em unidades que utilizem o Método Canguru, utilizando o referencial teórico e técnico da Gestalt Terapia (GT) pelo viés do Ciclo do Contato, sendo atravessado também pela vivência da autora enquanto Psicóloga atuante em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), cujo funcionamento multidisciplinar inclui as diretrizes do método Canguru, apesar de não implementá-lo inteiramente. Para tal, é utilizado como guia o módulo 2 do Manual Técnico do Método Canguru, que trata dos aspectos Psicoafetivos a serem considerados no atendimento a famílias cujos pequeninos novos membros nascem prematuros. O campo da unidade neonatal é muito rico em aspectos que podem ser pensados pelo viés da GT. Por isso, proponho como recorde (ou, Figura) deste trabalho o desenvolvimento da vinculação afetiva entre pais e filhos. Inicialmente é necessário colocar que a atuação de um Gestalt Terapeuta em unidades de neonatologia requer pensamento holístico. Trata-se de ver a criança não só como unidade, mas dentro do campo total da UTIN, incluindo os pais, a unidade familiar nuclear e ampliada, os membros da equipe, os processos de trabalho, etc. A UTIN é uma Gestalt total, um campo no qual a nova existência está inserida e que contém muitos outros campos e subcampos. Todos estes precisam ser conhecido em todas as suas partes e inter relações, tendo em mente que qualquer intervenção feita, seja com o bebê, pais, família ampliada ou equipe, modifica o todo, alterando as condições de existência da criança. O Ministério da Saúde (2002) aponta a já reconhecida importância de uma relação estável entre pais e criança durante os primeiros anos de vida, uma vez que as relações parentais modelam todo o padrão de interação social futuro. Em Gestalt Terapia sabemos que o sujeito equivale ao contato que realiza: eu sou o contato que faço. A forma como o sujeito bloqueia ou permite o contato é a forma que encontra de manter seu próprio senso de si, conforme destaca Yonteff (1998). Existir é contatar, experimentar. Estamos em contato o tempo todo, seja ele funcional, pleno, reduzido, incompleto, etc. Se não há contato não há existência humana. Não há como não estar em contato quando há existência. Por isso, a vinculação pais/filho configura-se como de extrema importância, garantindo que os pais ofereçam ao filho uma experiência contínua de cuidados que justifique sua existência. No entanto, quando a vida começa diferente, como é o caso dos bebês em unidades neonatais, a inserção da criança no ambiente hospitalar pode afetar gravemente o contato pais/filho, impondo uma distância entre eles, que é colocada tanto pelas condições físicas do campo da UTI, quanto pelo estado emocional dos pais, que passam por uma perda temporária do auto suporte. Por questões didáticas considerei o Ciclo do Contato conforme descrito por Perls, Hefferline e Goodman (1997): Pré contato, Processo de Contato, Contato Final e Pós-contato. A chegada dos pais na unidade neonatal marca o início de um grande ciclo de contato deles para com a criança, que vem a configurar a vinculação entre pais e filhos ao longo de toda a internação. Sua chegada marca o início da fase de pré-contato, a partir do qual iniciam uma série de vivências dentro da UTIN que trazem dados específicos à awareness do casal, facilitando a organização do fundo de sua experiência, o que permite emergir uma figura de criança que os pais possam tomar como seu filho. Ao longo da internação, o casal assimila a experiência no seu ritmo, experimentando a relação com a criança, o que permite que descubram o bebê real e os pais reais, que só existem um em relação ao outro. Pais e bebês passam a se experimentar e descobrir seus próprios contornos e fronteiras na relação de cuidado, passando pelo Processo de Contato. Quando a vinculação afetiva já está melhor configurada, uma das experiências mais ricas que pais e criança podem ter na unidade neonatal é a Posição do Canguru. Ela se baseia no valor que o contato pele a pele tem, consistindo em colocar a criança no colo de um dos pais como se fosse um bebê canguru na bolsa de sua mamãe canguru. A pele é a fronteira de contato mais concreta que o ser humano poderá encontrar. Assim, podemos ver como as experiências de contato físico com o bebê, as trocas que são feitas através da pele, contribuem enormemente para a formação do Self na criança e da parentalidade nos pais. A criança tem a oportunidade de experimentar o apoio, que ainda não é auto suporte, mas que já dá a ela uma dimensão de quem é enquanto ser existente e único, incentivando-a a buscar e encontrar recursos próprios para sua melhora. Quanto aos pais, a posição do Canguru oferta uma vivência de potência ante ao fato de não poderem dispensar à criança todos os cuidados técnicos realizados pela equipe. Eles têm a oportunidade de descobrir momentos de intimidade com os bebês, vivenciando concretamente o fato de que podem fazer por seus filhos algo que mais ninguém pode. Em termos de fases do ciclo de contato, pode-se dizer que o momento da Posição do Canguru equivale à fase de Contato Final. Em qualquer unidade neonatal que utilize a posição do Canguru, pode-se observar com bastante clareza como tanto pais quanto crianças apresentam as sensações de relaxamento e satisfação típicas desta fase. É o momento no qual os pais mais aprendem sobre o filho. É normalmente após as primeiras experiências com o Canguru que observamos nos pais e na criança os maiores avanços em direção à recuperação integral de ambos, o que nos diz muito do valor transformador da experiência, tão caro em GT. A grande Gestalt de contato com o bebê na unidade neonatal passa à sua fase de Pós contato quando a alta se aproxima. Os pais já encontram uma significação para sua experiência na UTIN, já tendo assimilado para si boa parte de quem é seu filho e já se sentindo pais daquela criança real. Nessa fase, os pais precisam começar a se afastar da figura da criança doente e internada, inserida no campo do hospital e que precisa de cuidados especiais, para conseguir permitir emergir a figura da família feliz e saudável que está prestes a ir para casa. É importante que a equipe técnica passe a delegar mais os cuidados do bebê para os pais, proporcionando a experiência de que podem cuidar do seu filho sem apoio de uma equipe técnica. O ideal é que, ao sair da unidade neonatal, esta grande Gestalt que é a internação seja concluída. Obviamente que não podemos esperar que isso ocorra em todos os casos, uma vez que nossa intervenção baseia-se no respeito ao paciente e às suas próprias escolhas. O trabalho da equipe de Psicologia passa por verificar como os pais e filhos transitam pelas fases do ciclo, permitindo ou evitando contato. Essa avaliação nos permite intervir de forma a estimular a fluência do contato dentro das possibilidades do casal e do bebê. Além do mais, todas estas fases descritas são apenas um arcabouço teórico e didático. Elas podem se apresentar de forma embaralhada ou avançar e retroceder em velocidades das mais variadas, tudo dependendo das condições que se apresentam aos bebês e aos casais a cada agora da internação, que é permeada de inúmeros acontecimentos imprevisíveis e, muitas vezes, súbitos demais. Por isso, considero que o ciclo do contato também ocorre inúmeras vezes em escalas menores ao longo da internação. Vejo a aproximação dos pais de seus filhos a partir de uma série de gestalten que se abrem e fecham ao longo dos dias, tornando-se cada vez mais amplas. A cada ciclo que se abre e fecha os pais assimilam mais daquele campo e do bebê, tornando seu contato com a situação cada vez mais ampliado e ampliando também a própria noção de si enquanto organismo capaz de enfrentar a situação. É coerente finalizar dizendo que o mais importante papel do Serviço de Psicologia que funciona pela perspectiva gestáltica na unidade neonatal é garantir que suas intervenções (com quem sejam realizadas) favoreçam a saúde e bem estar de todos na unidade, sendo fundamental que o Psicólogo esteja o mais presente possível na unidade, sempre se focando em ações que garantam a sensação de continuidade do acompanhamento, o que evita uma experiência fragmentada e, portanto, mais sofrida para todos. Nos é muito importante entender que quando a unidade como um todo funciona de forma saudável, conseguimos oferecer aos nossos temporários moradores um clima acolhedor e respeitoso que deixa espaço para que cada um se desenvolva e se construa à sua maneira e de forma criativa. BIBLIOGRAFIA MINISTÉRIO DA SAÚDE. Atenção humanizada ao recém nascido de baixo peso: método mãe canguru: manual técnico.Brasília: Ministério da saúde, 2002. MOREIRA, M. B. L.; BRAGA, N. de A.; MORSH, D. S. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal.Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-Terapia.São Paulo: Summus, 1997. PERLS, Frederick Solomon. Ego, Fome e Agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud.São Paulo: Summus, 2002. YONTEFF, Gary M. Processo, Diálogo e Awareness: ensaios em Gestalt Terapia.São Paulo: Summus, 1998. FREITAS, Joanneliese de Lucas; STROIEK, Nutty Nadir; BOTIN, Débora;Gestal-Terapia e o Diálogo Psicológico no Hospital: uma Reflexão.Revista Abordagem Gestáltica, Goiânia, v.16, n.2, p. 141-147, 2010. RODRIGUES, Jane. Importância do Contato, da Auto Regulação Organísmica e da Relação de Casais no Início da Vida e na Formação de Identidade. IGT na rede, Rio de Janeiro, v.3, n.5, 2006.Publicado
2014-09-18
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