TL 11: O CORAÇÃO NA FRONTEIRA DE CONTATO: SOBRE OS DESAFIOS DE UM GESTALT TERAPEUTA EM INÍCIO DE CARREIRA
Resumo
TL 11: O CORAÇÃO NA FRONTEIRA DE CONTATO: SOBRE OS DESAFIOS DE UM GESTALT TERAPEUTA EM INÍCIO DE CARREIRA Lívia Maria Bione da Silva PROPOSTA O presente trabalho objetiva discutir as principais dificuldades vividas por um gestalt terapeuta no início de sua carreira. Dúvidas, inseguranças e medos que, aparentemente, invariavelmente, surgem são observados à luz dos conceitos da abordagem gestáltica. Ao longo do trabalho, autores e obras que fundamentam o campo da Gestalt são referidos como meio possível de compreensão para tais afetos e os estudos da própria fonte representam meio e forma de contato e entendimento. O pontapé inicial desse estudo se dá a partir de Arnold Baisser com A Teoria Paradoxal da Mudança, um conteúdo amplamente trabalhado no campo da Gestalt. Segundo Baisser, é quando nos apropriamos do que já somos, quando aceitamos o que temos e vivemos que podemos experimentar uma forma de integração diferenciada. A psicoterapia é, então, considerada como um processo possível para que a pessoa se torne aquilo que já é. Paradoxal é a idéia de que uma mudança pode ser promovida quando o sujeito se enxerga, se percebe e se aceita como ele é, como já era e não pelo que pode tornar-se. Nesse sentido, Baisser colabora apresentando ao jovem gestalt terapeuta a importância de se observar, se enxergar e aceitar as competências próprias dele nesse momento de sua vida profissional. Podemos entender, inclusive, que Baisser contribui chamando atenção para aceitação do que se é, em plenitude e limitação, como ser total, autêntico e de possibilidade. Outro importante conceito a ser considerado nesse trabalho é o conceito de self na teoria da gestalt O self não deveria, nessa ótica, ser visto como instância ou estrutura psíquica, não é parte do corpo humano e não é o próprio corpo. O self seria uma espécie de consciência pessoal “sutil” que inclui minhas percepções físicas, orgânicas, a noção que tenho de mim, do mundo e do outro, do que é minha responsabilidade e do que não é minha responsabilidade. O self não é somente a forma como me percebo no mundo e como percebo o mundo mais como eu interajo com o mundo. Dessa forma, o self é comumente visto como sistema de ajustamentos criativos no meio, como o sistema de contatos a qualquer momento, ou mais especificamente, como a própria fronteira de contato em ação. Self é integração, dissociação, responsabilidade, identidade, necessidades vitais, contato, retraimento, sentido... E muitas outras coisas. Segundo Latner “” self é nossa maneira particular de estarmos envolvidos em qualquer processo, nosso modo de expressão individual em nosso contato com o meio [...] Ele é o agente de contato com o presente, que permite nosso ajustamento criador” ((Latner apud Ginger e Ginger, 1995, p. 127). Um grande desafio do jovem gestalt terapeuta seria observar seu self, esse self conceitual mas, para além disso, conhecer seu próprio self, sua própria dinâmica interior. O self do jovem psicoterapeuta são todas as suas perguntas, angústias, é presença na ausência e ausência na presença; inclui suas leituras, escutas, falas e seu silêncio. Inclusive e, principalmente, talvez, sua insegurança. Self não é constituído exclusivamente de “bons afetos”,”boas virtudes”. Self é construção, é crescimento possível quando permitimos contato, quando abrimos nossas fronteiras. O grande desafio do gestalt terapeuta iniciante seria se trabalhar para não enrijecer, não paralisar e dificultar sua dinâmica de contato com o mundo. Uma terceira referência nesse projeto é a obra de Martin Buber. Talvez, o que, efetivamente, diferencie Buber seja o fato de sua obra ser a sua vida, em outras palavras, dele acreditar que suas atitudes devem estar diretamente ligadas ao seu posicionamento teórico; seu entendimento de que sua reflexão deve estar intimamente ligada à suas ações. Nesse sentido, é possível entender Buber como um exemplo do verdadeiro vínculo de responsabilidade entre reflexão e ação, práxis e logos. Isso parece ter sido real e pode ser reforçado a partir de Marcel: “Fiquei profundamente impressionado desde o início com a grandeza autêntica de tal homem que me parecia realmente comparável aos grandes patriarcas do antigo testamento. A disponibilidade do outro lhe fora inspirada desde a juventude pela vida das comunidades hassídicas”. (2001 apud BUBER, 2001, p. 15) Esse “fundo” que constitui Buber está claramente presente em seu trabalho que, ao longo dos tempos, tem sido referido por muitos como a Filosofia do Encontro ou, ainda como a Ontologia da Relação. Em Buber, relação é algo que está para além do encontro e, é nessa relação, que teríamos a oportunidade de interagirmos com o mundo a partir, principalmente, do que Buber convenciona chamar de palavras-princípio: a relação Eu-Tu e a relação Eu-Isso. Buber entende a existência de qualidades de relação que se diferenciariam, em seus aspectos, das relações Eu-Tu e Eu-Isso, que são escolhidas por Buber como atitudes que fundamentam essencialmente a vida do homem no mundo, fundamentam um modo de existir. Em Buber, as palavras princípio Eu-Tu e Eu-Isso são duas possibilidades do Eu revelar-se como humano onde o Eu do Eu-Tu é diferente do Eu do Eu-Isso. Não existem dois Eus e sim uma dupla possibilidade de existir como homem; há dois mundos, duas relações. Para Buber, a relação Eu-Tu é ato essencial do homem, atitude de encontro entre dois parceiros na reciprocidade e confirmação mútua. A palavra princípio Eu-Tu só poderá ser proferida pelo ser em sua totalidade pois provém de vínculo natural. Já a palavra princípio Eu-Isso é entendida por Buber, assim como Eu-Tu, como indispensável para a existência humana, mas não pode sustentar o inter-humano, o outro não é encontrado como outro em sua alteridade. A palavra princípio Eu-Isso não seria jamais proferida pelo ser em sua totalidade. Buber melhor esclarece sua diferenciação das palavras princípio Eu-Tu e Eu-Isso: ““O mundo como experiência diz respeito à palavra-princípio Eu-Isso. A palavra-princípio Eu-Tu fundamenta o mundo da relação”” (2001, p. 55). Pudemos discutir as dificuldades vividas pelo gestalt terapeuta iniciante no que diz respeito a vivência da qualidade de relação proposta por Buber como Eu-Tu, na proposta de promoção de um Encontro, com E maíusculo. Muitas vezes preocupados em ser assertivos, em apresentar uma intervenção vista como perfeita e adequada, em movimentos de onipotência, esse jovem psicoterapeuta pode tornar esse contato muito mais próximo da relação Eu-Isso do que de uma relação Eu-Tu. O trabalho segue discutindo alicerces básicos que fundamentam a prática, norteadores necessários para a condução de um processo terapêutico ético e verdadeiro e, principalmente, a importância do contato íntegro do psicoterapeuta consigo, com o seu coração tornando sua presença e disponibilidade na relação mais autênticos. BIBLIOGRAFIA Buber, Martin. Eu e Tu / Martin Buber: tradução do alemão, introdução e notas por Newton Aquiles Von Zuben. São Paulo: Centauro, 2001. Beisser, Arnold. Teoria Paradoxal da Mudança, em Gestalt Terapia: Teoria Técnicas e Aplicações. (Fagan, J. & Shepherd, I. orgs.) - Zahar Editores, Rio de Janeiro. PERLS, F.S. Escarafunchando Fritz - Dentro e fora da Lata de Lixo. 2ª. edição. São Paulo: Summus, 1979 PERLS, F.S., GOODMAN, P., HEFFERLINE, R. Gestalt-terapia, tradução: Fernando ROSA RIBEIRO, São Paulo: Summus, 1997. POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt Terapia Integrada. Belo Horizonte: Interlivros. Silveira, T. M. In: G. D’Acri; P. Lima & S. Orgler (Orgs.). Dicionário de gestalt-terapia: gestaltês. São Paulo: Summus.Publicado
2014-09-18
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