TL 09: (RE)PENSANDO O PAPEL DO PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO: CONTRIBUIÇÕES DA GESTALT-TERAPIA
Resumo
TL 09: (RE)PENSANDO O PAPEL DO PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO: CONTRIBUIÇÕES DA GESTALT-TERAPIA Fabrícia Barros de Souza RESUMO As contribuições teóricas e metodológicas da Gestalt-terapia tem permitido a resignificação da atuação do psicólogo em diversos âmbitos, incluindo o da Psicologia Organizacional & do Trabalho, uma vez que nos permite moderar o foco no desempenho e saúde individuais do trabalhador, convocando os processos sociais, organizacionais e interpessoais a assumirem uma posição igualmente importante no processo de compreensão-intervenção. O presente artigo objetiva promover uma discussão/reflexão em torno da teoria e prática da Gestalt-terapia nas organizações de trabalho, entendendo que o papel do psicólogo, independente de seu local de atuação é a afirmação da vida, enquanto potência criativa inerente a todo ser humano. Será proposta, ainda, uma metodologia de atuação diante da demanda de diagnóstico/intervenção organizacional para promoção da saúde dos trabalhadores. Por fim, conclui-se que o desafio que se apresenta ao psicólogo nas organizações é o de fugir de interpretações sobre o desempenho e saúde das pessoas e o funcionamento da organização, para construir sentidos compartilhados que viabilizem a mudança nas relações entre as forças que atuam neste campo, e consequentemente, promovam o funcionamento saudável de todos. Palavras-chave: Gestalt-terapia; Trabalho; Organizações PROPOSTA As contribuições teóricas e metodológicas da Gestalt-terapia tem permitido a resignificação da atuação do psicólogo em diversos âmbitos, incluindo o da Psicologia Organizacional & do Trabalho. De forma geral, as demandas das organizações de trabalho nos convocam, enquanto psicólogos, a tornar figura apenas o resultado do trabalho desempenhado pelo profissional, para avaliá-lo e classificá-lo em categorias previamente estabelecidas, tais como“erro”, “fracasso” e “patologia” (DEJOURS, 1997). A visão de homem e de mundo da Gestalt-terapia, no entanto, pode nos ajudar a moderar o foco no desempenho e saúde individuais, convocando os processos sociais, organizacionais e interpessoais a assumirem uma posição igualmente importante enquanto condicionantes do desempenho e de um funcionamento saudável. O locus de trabalho, a partir desta perspectiva, passa a ser visto como um dos ambientes do campo organismo-ambiente, em constante construção, a partir das influências de cada trabalhador e influenciado por todos eles. Os fenômenos que se processam no espaço de trabalho passam a ser vistos como resultado de um complexa teia de forças inter-relacionadas (YONTEF, 1997). Sendo assim, quando somos convocados a intervir ou tecer considerações sobre o desempenho e/ou as condições de saúde de um trabalhador, devemos ter como pressuposto que tais aspectos se evidenciam em função do campo todo, e que a intervenção sobre qualquer fenômeno, afetará, inevitavelmente, todo o campo. O desempenho, por exemplo, entendido como produto de uma ação, não é determinado apenas pela motivação, habilidades, competências e limites que o trabalhador possui, mas pelas condições de trabalho, pela forma como este é organizado, pelas relações estabelecidas com as outras pessoas e tudo o mais que faz parte de seu espaço vital. Ao considerarmos que há uma dimensão histórica, singular, no trabalho, torna-se possível ir de encontro à lógica limitadora da apreensão da atividade humana, questionando os antigos modelos, e avançando no entendimento de que a gestão do trabalho não é apenas tarefa de um superior na cadeia hierárquica arborescente (ATHAYDE, 2004). Ao contrário, cada trabalhador, no curso de sua atividade, precisa gerir suas capacidades, potencialidades, conhecimentos, afetos - e as demais forças que se apresentem no campo -, frente às situações de trabalho (SCHWARTZ, 2006). Faz-se necessário considerar, ainda, que toda atividade de trabalho está submetida a uma regulação advinda da interação entre as pessoas. E, dessa forma, passa a ser vista também como expressão das relações sociais, remetendo não somente a uma relação individual do trabalhador com os meios materiais e imateriais ou com ele mesmo.(DEJOURS, 1997; 2004). Quando existe a demanda de intervenção em alguma organização, com foco na saúde e segurança ocupacionais, deve-se ter como meta inicial compreender, fenomenologicamente, as relações existentes entre os aspectos individuais, psicossociais e organizacionais que apontem para um desequilíbrio no contexto de trabalho. Além disso, considerando que a organização de um campo é inerente a ele (YONTEF, 1997; ROBINE, 2006), ao analisar tais demandas, deve-se ter em mente que os conhecimentos do psicólogo não produzirão nenhuma mudança “milagrosa” na configuração do campo. Para compreender-transformar qualquer contexto de trabalho, é preciso que o psicólogo esteja autorizado, formal e simbolicamente, a ser mais uma força neste campo, e assumir uma postura respeitosa e humilde quantos aos processos em curso naquela organização, aproximando-se de quem trabalha, consciente de que, quando há “problemas” ou “disfunções” na organização do campo, as soluções também estão presentes na dinâmica do campo (YONTEF, 1997). Considerando o exposto, o presente artigo objetiva promover uma discussão/reflexão em torno da teoria e prática da Gestalt-terapia nas organizações de trabalho, entendendo que o papel do psicólogo, independente de seu local de atuação é a afirmação da vida, enquanto potência criativa inerente a todo ser humano. Além disso, será proposta uma metodologia de atuação diante de uma demanda de diagnóstico/intervenção organizacional para promoção da saúde dos trabalhadores, a partir das contribuições da Gestalt-terapia. Cabe salientar que a metodologia de atuação proposta tem sido desenvolvida em uma organização militar, e deu origem a diversos projetos de intervenção, incluindo ações de prevenção de acidentes aeronáuticos e um projeto de acompanhamento psicológico de militares designados para Missões de Paz da ONU. Diante de uma solicitação de intervenção organizacional, é necessário problematizar a própria demanda. O psicólogo deve se aproximar da organização e de seus trabalhadores, pesquisar sobre os processos organizacionais formais e informais e o arcabouço de normatizações que legitimam os saberes e fazeres cotidianos. Esta etapa pode ser iniciada com visitas à organização, entrevistas com pessoas que ocupem papéis estratégicos naquele ambiente e análise de documentos. Em seguida, deve-se estabelecer que trabalhadores participarão das atividades, e dividi-los em grupos temáticos de discussão, tendo como critério de agregação a natureza da atividade executada. Aos grupos, será então oferecida uma escuta fenomenológica coletiva, com foco na dinâmica prazer-sofrimento no trabalho. Fenomenológica, por fornecer um modelo de compreensão e apreensão do aqui-e-agora por meio de uma linguagem descritiva; advertindo-nos para não reproduzir, na relação com os trabalhadores, de forma acrítica, modelos interpretativos. A escolha por uma escuta coletiva, por sua vez, dá-se a partir da compreensão de que ela pode “favorecer processos de reflexão e de elaboração, que criem uma mobilização entre os trabalhadores, de forma que estes possam alavancar mudanças no trabalho ou em suas relações laborais” (HELOANI & LANCMAN, 2004:82). A ideia é fazer com que eles, como vetores ativos e criativos do campo, assumam áreas de "co-responsabilidade" (ZARIFIAN, 2001) na construção de boas estratégias de enfrentamento do cotidiano, e que estas sejam soluções compartilhadas e façam sentido no campo como um todo. E o assumir áreas de co-responsabilidade só é possível num movimento de engajamento e negociação com a organização do trabalho e com os “outros” das situações, por meio da mobilização da inteligência e da subjetividade de todos (ARAÚJO, 2004) – “tudo é de-um-campo” (YONTEF, 1997:189). Considerando, então, que os problemas enfrentados pela organização e pelos profissionais existem apenas como parte de um campo fenomenologicamente determinado, e têm significado apenas como interação num desses campos, os trabalhadores, durante os encontros, são encorajados a reconstruir o sentido de cada evento cotidiano apresentado, a fim de que possam ampliar suas experiências intrapessoais, interpessoais e grupais. O que se espera é que passem a perceber que a ruptura da rotina e o imprevisto podem ser acontecimentos positivados, por nos possibilitarem pensar, inventar e construir outros modos de vida institucional. Destaca-se que a participação dos trabalhadores nos grupos deve ser voluntária e a quantidade de encontros deve ser negociada com eles e com a liderança da organização. Além da escuta e do encorajamento à reflexão, a utilização de experimentos, propostos a partir do material trazido pelos trabalhadores, constituem importantes ferramentas para o progresso da intervenção. Os experimentos são um importante convite à ação, como forma dos trabalhadores recobrarem/desenvolverem a habilidade de reconhecer necessidades, emoções, e ensaiar diferentes comportamentos em diferentes situações (ZINKER, 2007). Dessa forma, é possível colaborar para afirmar o poder de ação do coletivo de trabalho, instrumentalizando-o para uma ação em equipe, configurada como estratégia de debate e embate frente às situações profissionais. Tal compreensão baseia-se na ideia de que a integração de uma ética de trabalho em equipe, que fomente a cooperação entre os trabalhadores e reconheça a singularidade dos sujeitos, com princípios e valores compartilhados por todos, é o que pode permitir a transformação dos conflitos e descontinuidades cotidianos em positividade e, consequentemente, em saúde. A intervenção é finalizada com a produção de um relatório contendo a descrição do estudo empreendido e recomendações para aqueles responsáveis pelo planejamento do trabalho, tendo como base a noção de que quando os gestores promovem “mudanças sem considerar seus efeitos em todos os aspectos do campo, podem ocorrem interrupções de funcionamento desastrosas, negativas e, provavelmente, evitáveis” (YONTEF, 1997:196). O objetivo, neste caso, é sensibilizar a liderança da organização, do ponto de vista macropolítico, para ações de gerenciamento do risco e aspectos de saúde e segurança ocupacional. Por fim, entendendo que a visão de homem e de mundo em Gesltalt-terapia prevê uma prática profissional que resgate o funcionamento saudável daquele que solicita a intervenção especializada (AGUIAR, 2005), as técnicas que utilizamos precisam ser coerentes com o objetivo que se busca e não uma mera reprodução das práticas clássicas. Por isso, o estabelecimento de uma relação dialógica é um dos grandes diferenciais que um gestalt-terapeuta pode oferecer ao atuar nas organizações de trabalho. Esta concepção permite que todo diálogo aconteça tendo como fundamento o pertencimento a uma relação, cujo objetivo jamais será forjar subjetividades prescritas, e, portanto, “adequadas” aos postos de trabalho. Ao contrário, o esforço deve ser empreendido no sentido de adaptar o trabalho às necessidades, potencialidades e limites de quem trabalha. O desafio que se apresenta ao psicólogo nas organizações, portanto, é o de fugir de interpretações sobre o desempenho e saúde das pessoas e o funcionamento da organização, para construir sentidos compartilhados que viabilizem a mudança nas relações entre as forças que atuam neste campo. O trabalho não pode ser reduzido à sua dimensão conceitual (apreensão de saberes formais), nem àquilo que possui de descritível (prescrições, protocolos); ele é e envolve, uma experiência singular de "encontro" entre estes elementos citados e a historicidade das técnicas e dos sujeitos (SCHWARTZ, 1998). E, se há possibilidade de atuarmos para que esse encontro seja saudável e nutritivo para os trabalhadores, nosso papel, irrefutavelmente, está definido. BIBLIOGRAFIA AGUIAR, L. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. São Paulo: Editora Livro Pleno, 2005. ARAÚJO, A.J.S. A Organização sob a ótica dos eventos e da competência: a visão de Philippe Zarifian. Conceitos, n.10, 2004. ATHAYDE, M. Psicologia e Trabalho: que relações? In: MANCEBO, D. & JACÓ-VILELA, A.M. (orgs.) Psicologia Social: abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. Rio de Janeiro, EdUERJ, 2004. DEJOURS, C. O Fator Humano. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997. ___________. Subjetividade, Trabalho e Ação. Produção, v. 14, n. 3, 2004. HELOANI, R.; LANCMAN, S. Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Em: Revista Produção, v.13, n. 3, 2004. ROBINE, J.M. O self desdobrado: perspectiva de campo em Gestalt-Terapia. São Paulo: SUMMUS, 2006. SCHWARTZ, Y. Os Ingredientes da Competência: um exercício necessário para uma questão insolúvel. Educação & Sociedade, v. 19, n.65, 1998. ______________. Entrevista: Yves Schwartz. In: Trabalho, Educação e Saúde, v. 4, n. 2, 2006. YONTEF, G. Processo, diálogo e awareness. São Paulo: Summus, 1997. ZARIFIAN, P. A. Objetivo Competência. São Paulo: Atlas, 2001. ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.Publicado
2014-09-18
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