TL 3: ENCONTRO NO LIMITE DAS POSSIBILIDADES E O DESENVOLVIMENTO DO TERAPEUTA A PARTIR DO ATENDIMENTO A UM PACIENTE EM ESTADO TERMINAL

Autores

  • Nilo Sergio Esteves da Costa
  • Luciana Loyola Madeira Soares

Resumo

TL 03: ENCONTRO NO LIMITE DAS POSSIBILIDADES E O DESENVOLVIMENTO DO TERAPEUTA A PARTIR DO ATENDIMENTO A UM PACIENTE EM ESTADO TERMINAL Nilo Sergio Esteves da Costa Luciana Loyola Madeira Soares RESUMO Os autores fazem uma reflexão sobre as possibilidades terapêuticas criativas no atendimento a um paciente terminal, apesar das adversidades, em um encontro humano e ético, utilizando a abordagem da gestalt-terapia. Nosso propósito é trazer um estudo do caso conduzido por um gestalt-terapeuta iniciante, em que ficam em evidência os dados e cuidados que marcaram o processo de construção da relação terapêutica e o aprendizado profissional que daí emergiu. Palavras chave: paciente terminal, gestalt-terapia, limites e possibilidades da existência. PROPOSTA Esta é uma reflexão sobre as possibilidades terapêuticas no limite físico da existência, através do atendimento a José - um homem de 45 anos que encontrava-se no limite de suas possibilidades de dar continuidade a seus projetos devido ao acentuado e progressivo enfraquecimento que o acometiam decorrentes da recidiva de um câncer primário de pulmão. Com este trabalho pretendemos propor uma reflexão sobre a mútua construção entre terapeuta e cliente através de uma relação que se estabelece em condições adversas para ambos e sem os contornos convencionais de uma psicoterapia que cotidianamente praticamos em nossa lida profissional. Enfatizamos o quanto a Gestalt-terapia, por sua aposta na potência criadora do ser humano, em sua capacidade de fazer escolhas, e de responsabilizar-se pela construção dos diversos caminhos que o ser percorre em sua existência, tornou-se suportiva teórica e tecnicamente na experiência que inaugurou nossa prática como psicoterapeutas. De acordo com Juliano (1999): "Relação terapêutica: estar em terapia, relacionando-se com o terapeuta, constitui o maior de todos os experimentos. Eleger alguém para ouvir histórias e queixas que foram guardadas com tanto cuidado e por tanto tempo é um ato radical de escolha. O início do processo é um monólogo que se torna, com o passar do tempo, um diálogo.”. Ao sermos procurados pela esposa de José para fazer o atendimento a ele, a doença avançava velozmente, e os médicos já não haviam definido que nenhuma intervenção química ou cirúrgica traria qualquer esperança de cura ou tratamento; tudo o que podia ser feito era para unicamente abrandar o sofrimento causado pela dor lancinante que lhe acometia permanentemente. Como o tumor tomava a musculatura e ramificações nervosas de um dos braços, fora necessário submetê-lo a cirurgia que mutilou importante extensão de tecido da região de ombro e pescoço, o que ocasionou deformidade anatômica com significativo desconforto postural. Ele não tinha conhecimento de sua condição terminal – ou pelo menos, não demonstrava ter esta noção; ainda fazia planos e projetos de arquitetura – sua profissão - para o apartamento que estava em reformas. José, que sempre fora descrente de ajuda psicológica, neste momento pediu à esposa (ela fazia psicoterapia já havia muitos anos) que buscasse um terapeuta. Queria conversar com alguém sobre sua vida – somente isso. Não buscava explicar nada a si mesmo ou a qualquer pessoa. Este foi para nós um sinal importante: pelo fato de ser portador de uma doença grave e terminal isso não significa que seu tema seja esse. Como terapeutas, aprendemos humildemente a perceber seus sinais e seguir com ele segundo suas possibilidades e as intenções que expressava para os momentos terapêuticos. Castro e Souza (2012) nos indicam a atitude terapêutica que mais se aplica à situação que vivíamos com José: ...o terapeuta deve estar sempre atento àquilo que emerge no aqui-agora, observar e identificar a presença dos mecanismos de contato, considerar os dados comportamentais que emergem como fenômenos apresentados pelo paciente, tudo aquilo que emerge como vivido, pois este é diferente para cada um; há uma maneira individualizada como cada um significa o diagnóstico/adoecimento e estas significações representam a forma como o indivíduo percebe a si e o mundo ao seu redor. Dessa forma, o psicoterapeuta possibilita ao paciente a consciência de sua nova condição e limitações, a hierarquização de suas necessidades, o ajustamento criativo ao meio, de sorte a manter com este um contato mais nutritivo. Em acréscimo, examina os sintomas e formas de contato que emergem nesse contexto de hospitalização, inter-relacionando-os, na busca de compreender o sentido dos mesmos. Para isso, é necessário conhecer a história de vida do indivíduo, seu momento e sua maneira de estar no mundo. Desde nosso primeiro contato nosso sentimento é de estar indo de encontro ao desconhecido, mesmo tendo sido prevenido pela esposa que se tratava de homem de difícil convivência. Demos preferência para o que pudesse brotar entre nós a partir do Encontro, que poderia ou não confirmar o que ela já havia nos informado. Decidimo-nos por apresentar nossa mais ampla disponibilidade, de modo que, José estivesse inteiramente livre para utilizar o espaço relacional como bem quisesse e pudesse. Por outro lado, se não víamos no cliente um genérico paciente terminal, também não pretendíamos tornamo-nos genéricos aplicadores da abordagem que aprendíamos na Especialização em Gestalt-terapia. Isso garantiu-nos abertura também para o que no terapeuta pudesse emergir, das possibilidades menos às mais confortáveis. Feijoo (2008) nos aponta caminho para o encontro nos limites das possibilidades entre terapeuta e cliente: “Para atuar clinicamente, o psicólogo deve ater-se ao estudo da condição própria do existir humano: a angústia, através da qual pode o homem emergir em sua singularidade e, assim, não se perder no geral.”. Registramos também nossa sensação de desafio. Remen (1998) nutriu-nos com sua sensibilidade para o inusitado, com sua experiência com pacientes portadores de sofrimentos intensos: "Quando ouvimos, oferecemos com nossa atenção uma oportunidade para a integridade. Nossa atenção cria um santuário para as partes sem lar que existem dentro de outra pessoa. As que foram negadas, desprezadas, desvalorizadas por ela mesma e pelos outros.”. Tivemos que lidar com sua condição debilitada, atendendo-o deitado, abatido, apenas balbuciando, o que nos fez esforçar para entender suas palavras, pois devido à doença sua fala estava cansada, pausada e não muito clara. Esforço dele e nosso. Para fundamentar nossas intervenções recorremos a Hycner (1995): "Entrar realmente no mundo do outro, com aceitação, cria um tipo de vínculo muito especial que não se compara a nenhuma outra coisa que eu conheça.". Por sua condição não convencional, pelas limitações de várias ordens que encontramos ao atender José, e pela temática da morte permear nossos diálogos, buscamos apoio na humildade de quem não conhece e quer conhecer, dispondo-nos a trabalhar no limite de suas e nossas possibilidades. Entendemos que somente oferecendo-nos no máximo de nossa sensibilidade é que poderíamos atendê-lo num momento tão especial de sua existência. Segundo Remen (1998): "A objetividade é incompleta. Com uma postura objetiva ninguém pode recorrer às suas forças humanas, ninguém pode chorar, aceitar consolo, encontrar sentido ou rezar. Quem fica impassível não é capaz de realmente compreender a vida ao seu redor.”. Vivenciamos a própria gênese da ética da Gestalt-terapia ao estar na presença da diferença das experiências naquele momento da vida de José e da nossa. O trabalho com ele nos permitiu confirmar vivencialmente o que aprendemos em nossa formação como gestalt-terapeutas: não há como tecer expectativas e projetos para o outro. Entendemos também que frustração é o que emerge quando desrespeitamos o outro em sua condição de ser ativo, potente e criativo, fazendo as escolhas possíveis para cada momento de sua existência e responsabilizando-se por elas. Percebemos também que morte e vida são temas integrados, e que não há uma regra para trabalhar com pessoas que estão em fase terminal de uma grave, incurável e, sobretudo, muito sofrida doença. Diante de situações-limite como esta, nós terapeutas deparamo-nos com o despirmo-nos de toda onipotência que nossa profissão enseja, como W. Ribeiro (1998) indica. José queria fazer uma revisão existencial, poucas despedidas e muitas confirmações de quem tinha sido e que ainda se orgulhava de ser. Não tinha a intenção de mudar nada. Aliás, daí sobrevém nova lição para os terapeutas iniciantes: nem sempre as pessoas querem fazer terapia para mudar! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTRO, E. S. A. e SOUZA, A. M. Cuidando da pessoa com câncer: contribuições da Gestalt-terapia. Disponível em: IGT na Rede, vol. 9, n°16, 2012. FEIJOO, A. M. L. C. A filosofia da existência e os fundamentos da clínica psicológica. Disponível em: Revista Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol.8, n°2, 2008. HYCNER, R. De pessoa a pessoa. Psicoterapia dialógica. São Paulo: Summus editorial, 1995. JULIANO, J. C. A arte de restaurar histórias. O diálogo criativo no caminho pessoal. São Paulo: Summus editorial, 1999. REMEN, R. N. Histórias que curam. Conversas sábias ao pé do fogão. São Paulo: Ágora, 1998. RIBEIRO, W. F. R. Existência e Essência. Desafios teóricos e práticos das psicoterapias relacionais. São Paulo: Summus editorial, 1998.

Publicado

2014-09-18