WR 11: HABITAR O MUNDO: EXPERIMENTANDO A COMPREENSÃO DO MUNDO COMO UM LUGAR DE SENTIDO
Resumo
WR 11: HABITAR O MUNDO: EXPERIMENTANDO A COMPREENSÃO DO MUNDO COMO UM LUGAR DE SENTIDO Bianca Lopes de Souza Izabela Guedes Linhares Maria das Graças Gouvêa N. Silva RESUMO A partir do conceito heideggeriano de Dasein, a proposta desse workshop é explorar algumas noções fenomenológicas do nosso-lugar-no-mundo, entendendo que esse lugar se co-constitui conosco mesmos à medida que vivemos a própria experiência de mundo. Para tal, propomos a configuração de um campo, visando favorecer o acesso à posição existencial do indivíduo. Escolhemos trabalhar com uma cena de família por tratar-se do contexto mais primário do desenvolvimento humano, desempenhando uma função fundamental no desenvolvimento da personalidade do individuo e no modo como este se situa e interage na sociedade. Palavras-chave: Ser-aí, família, compreensão ontológica PROPOSTA O lugar é uma parte do ser¨. Cassirer (apud AUGRAS) A partir de alguns pressupostos filosóficos preconizados pela Fenomenologia, podemos entender que o mundo, percebido como um todo estruturado e dotado de sentido, não é simplesmente um objeto do pensamento abstrato, mas sim o lugar onde habitamos. No conceito heideggeriano de Dasein – ser-aí – o existir inclui o espaço, como também inclui o mundo. Assim, afirmamos que o sentido de “nosso mundo” se co-constitui conosco mesmos à medida que vivemos a própria experiência de mundo; somos um campo imbricado com o mundo a nossa volta. (HEIDEGGER, 2000, p. 90) Perls entendia que “as emoções são meios de cognições” (PERLS, HEFFERLINE E GOODMAN, 1997 – p.213), e aqui tomamos esta compreensão, num sentido mais amplo, para nos referir à experiência do ¨corpo-como-um-todo-no-mundo-que-é-o-meu¨ como uma cognição, isto é, como uma forma de apreensão de sentido. A este entendimento articulamos algumas noções heideggerianas, podendo afirmar que nossa compreensão do mundo se dá mergulhada numa determinada tonalidade afetiva, que o mundo que vem ao nosso encontro traz consigo um clima, o qual nós percebemos e pelo qual somos permanentemente afetados. Todos nós habitamos um lugar compreendido como corpo, que se movimenta no espaço, que definimos como mundo. E todos estes espaços são experiências de sentido do Ser. Em minha experiência de corpo, torno compreensível a experiência de sentido na relação com o ¨mundo-que-é-o-meu¨, na medida em que as dimensões do espaço são extensões do meu corpo (AUGRAS, 2004) – constituídas na lida e na minha movimentação no mundo. Entendendo que o espaço do mundo é um aberto de possibilidades, que só pode ser compreendido por cada um de nós em função da posição, ou seja, do lugar existencial que cada um ocupa no ¨mundo-que-é-o-seu¨, e que esta posição não é dada por mim, numa atitude solipsista, mas dada no jogo com o mundo, a proposta desse workshop é explorar, através da experimentação (ALVIN, 2009), algumas noções fenomenológicas de nosso lugar no mundo. Para tal, escolhemos focalizar neste trabalho o contexto da família como o campo de sentido a partir do qual construímos algumas de nossas posições no mundo. A proposta do workshop é utilizar bonecos como representantes da família, pretendendo, lúdica e vivencialmente, promover a aproximação dos participantes com suas famílias de origem, de forma a permitir a emergência dessas conexões emocionais, tanto com os membros familiares antecedentes como também com aqueles que vêm depois. Através da atividade experiencial, intentamos proporcionar a tomada de consciência da posição que cada um ocupa no seu sistema familiar, entendendo que a família é o contexto mais primário do desenvolvimento humano e que há muitas maneiras de os membros estabelecerem estes laços afetivos tão significativos, mas que, de uma maneira ou de outra, não se encerram neste contexto apenas, e sim estendem-se para outras relações. Ao trabalhar com bonecos interrelacionados numa cena de família, nossa intenção é configurar um campo que nos permita, através do olhar fenomenológico, acessar o que está se mostrando no que concerne à posição que o indivíduo escolhe para ocupar naquele determinado contexto, e suas implicações em outros contextos de seu espaço vital. Entendemos a família como sendo um sistema composto de várias pessoas interconectadas mutuamente, que se relacionam tanto no espaço, como ao longo do tempo, de um modo peculiar, onde cada indivíduo representa uma variedade de papéis ou funções que se complementam e se entrelaçam. Os papéis assumidos têm inevitavelmente um caráter interrelacional sendo engendrados pelas relações afetivas e sociais estabelecidas entre os membros deste sistema, inseridos numa rede interna de significações. A família desempenha uma função fundamental no desenvolvimento da personalidade do individuo e no modo como este se situa e interage na sociedade. Através da identificação com os primeiros “outros significativos” – mãe, pai e demais membros da família – e das reações destes ao seu comportamento, a criança tem seu primeiro contato com o mundo e aprende a desenvolver os papéis e atitudes essenciais para seu processo básico de socialização. Estes papéis dependem não só de suas características individuais, mas também das expectativas e demandas que existem nos membros mais antigos e sobretudo das posições que estes ocupam neste elenco mesmo antes da chegada desta criança. Isto é, embora pareça paradoxal, o homem constitui sua individualidade e sua maneira de ser-no-mundo a partir do referencial do grupo familiar ao qual ele pertence. Grupo este que também existe num contexto sócio-histórico mais amplo, sendo uma pequena cultura inserida em outra mais ampla, sobre a qual ela exerce tanto um movimento de ação, como de reação. A família exerce ao mesmo tempo a função de perpetuação e de transformação de valores culturais, sociais e morais desta cultura maior. A maior complexidade dos sistemas familiares, no entanto, reside no fato de que é um todo emocional composto de várias partes, estando presente na vida de todos os seres humanos desde o berço até o túmulo (CARTER & McGOLDRICK, 1995). Apoiando-nos em conceitos da teoria de campo (LEWIN, 1965), podemos afirmar que o chamado “espaço vital” de uma pessoa é influenciado, desde os primeiros estágios, tanto pelos fatos sociais como pelas relações que vão sendo estabelecidas. Para uma melhor compreensão do Ser, a pessoa e seu meio devem ser considerados como uma constelação de fatores interdependentes. É a essa totalidade que denominamos “espaço de vida”. E a totalidade de fatos coexistentes que são concebidos como mutuamente correlacionados denominamos de “campo”. (LEWIN, 1965) O campo é a pessoa no seu espaço de vida. Acrescentamos a essa ideia o paradigma holográfico, a partir do qual podemos afirmar que o indivíduo contém (e por isso pode trazer) a informação da totalidade, de como aqueles vínculos familiares que lhe pertencem são organizados na tentativa de se estabelecer uma autorregulação sistêmica. O que nos circunda está inscrito em nós, não só a parte está no todo, mas o todo também está na parte (MORIN,1996). Os sistemas se organizam da maneira como se organizam para que consigam se manter em equilíbrio, ainda que alguma parte tenha uma sobrecarga de sofrimento. Isso "garante" a sobrevivência do sistema, porque o todo é mais importante que a parte. Pode-se dizer que quanto mais “saudável” for uma família (e isso é válido para cada pessoa, “parte”, deste sistema), mais flexibilidade e troca de papéis entre seus membros haverá. Por outro lado, a marca de uma família “neurótica” é a rigidez ou a estereotipia dos papéis sociais que cada pessoa desempenha: o pai “autoritário” e a mãe “permissiva” (ou vive-versa), o filho “inteligente”, a filha “estressada”, o irmão “que não quer nada”, a avó “esclerosada”, e assim por diante. Essa rigidez de papéis, frequentemente, gera alianças simbióticas e pactos “clandestinos”, que dificultam a manutenção da harmonia do sistema. Podendo produzir a "doença", mas sabemos que ela é também apenas uma forma de ajustamento, um jeito que o sistema encontra de preservar a sua vida. Como terapeutas, cabe-nos cuidar para que o indivíduo em sofrimento possa perceber como ele organiza a sua vida sobre o esteio de suas origens e de que maneira carrega essa marca nas relações que vai estabelecendo ao longo da vida. Acreditamos, assim, que lhe seja possível alcançar uma nova autorregulação organísmica, mas satisfatória e com mais produção de saúde. DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE Número de participantes proposto: até 30 participantes. 1- Apresentação inicial da proposta e das coordenadoras (os participantes não se apresentam). 2- Aquecimento - Bonecos espalhados pela sala. Exploração e escolha individual do seu boneco (todos os participantes devem explorar os bonecos, andando pela sala). 3- Após encontrar o seu boneco, cada participante deve se reunir com outros quatro participantes (devem usar os bonecos para estabelecer contato com outros participantes e se escolherem formando um grupo de 5 pessoas). 4- Sentados em roda com seu pequeno grupo, os participantes devem construir uma cena de família. Todos os membros do grupo podem modificar as posições dos bonecos e a cena só estará concluída quando todos concordarem com a forma estabelecida. Assim os bonecos serão movidos até que todos se sintam confortáveis ou até o tempo se esgotar. 5- Uma vez concluída, o grupo todo deverá olhar e cada um, individualmente, deverá registrar por escrito o que seu boneco sente ou diz ou faz na cena criada. Feito isto, o grupo terá um tempo para trocar sobre como foi o processo, o que cada um percebeu sobre a cena criada e o que aquela posição assumida na família expressa de si. 6- Ao final desta troca, o grupo em conjunto deverá escrever uma frase sobre a configuração que foi construída, escolhendo um participante para comentar a síntese de suas experiências, apresentando-as ao grupo todo. 7- Formar uma grande roda com todos os participantes, oferecendo a cada subgrupo um tempo para que exponha suas observações. As coordenadoras fazem suas observações e os comentários finais. BIBLIOGRAFIA ALVIN, M. B. O lugar da experiment-ação no trabalho clínico em Gestalt-terapia. In ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, ANO 9, N.1, P. 36-57, 1° SEMESTRE DE 2009. AUGRAS, M. O ser da compreensão. - Fenomenologia da Situação de Psicodiagnóstico. Rio de Janeiro: Petrópolis, Vozes, 2004. CARTER, B. & McGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. Porto Alegre: Artmed, 1995, 2a ed. FAGAN, J. & SHEPHERD, I.L. (Organizadoras) Gestalt-terapia - teoria, técnicas e aplicações. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, 3a ed. HEIDEGGER, M. – Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Rio de Janeiro: Petrópolis, Vozes, 2000, 9ª ed. HELLINGER, B. & TEN HOVEL, G. Constelações familiares: o reconhecimento das ordens do amor. São Paulo: Cultrix, 2007. LEWIN, K. Teoria de campo em ciência social. Tradução Carolina Martuscelli Bori. São Paulo:Livraria Pioneira Editora, 1965. PERLS, F. S.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. Tradução Fernando Rosa Ribeiro. São Paulo: Summus, 1997. PINCUS, L. & DARE, C. Psicodinâmica da Família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.Publicado
2014-07-29
Edição
Seção
Workshops