MR 1: DESENVOLVIMENTO INFANTIL: DA CONFLUÊNCIA PARA O CONTATO
Resumo
MR 1: DESENVOLVIMENTO INFANTIL: DA CONFLUÊNCIA PARA O CONTATO RESUMO Este trabalho visa discorrer sobre o desenvolvimento infantil, à luz da Gestalt-terapia, como um processo que parte da confluência na direção do contato, através da progressiva formação da fronteira de contato da criança. Para entender esse processo, apresenta-se as interrupções de contato como recursos utilizados pela criança para diferenciar-se de seu meio. Dessa forma, introduz-se a discussão de que o processo de desenvolvimento infantil só é possível através da relação organismo/ambiente. Palavras-chave: Desenvolvimento. Interrupções. Contato. PROPOSTA A noção de desenvolvimento para a Gestalt-terapia está intimamente atrelada à sua visão de ser humano enquanto relacional e integrado. Acredita-se que a partir das relações que a criança estabelece desde o nascimento, seu desenvolvimento parte da dependência total de uma figura cuidadora – confluência – na direção da discriminação e autonomia de suas ações no mundo – possibilidade de contato. Desse ponto de vista, a criança inicia seu ciclo de contato na confluência, que é o estado em que não há fronteira de self (Antony, 2006), não há diferenciação na relação figura-fundo. Nos primeiro anos de vida a confluência é inevitável e confluir é deixar que os outros façam as escolhas e tomem as iniciativas pela criança, que ainda não é capaz de fazê-lo plenamente. Oaklander (2006) destaca que a separação da criança com a mãe/cuidadora ocorre periodicamente, ou seja, ao mesmo tempo em que ela luta para separar-se ela precisa da sensação de unidade com sua mãe/cuidadora, o que lhe confere segurança. Logo, a confluência é necessária para que a criança se sinta segura e confortável o suficiente para começar a confiar na sabedoria de seu organismo e a fazer escolhas congruentes com suas próprias necessidades. Portanto, é a partir da mãe – sua voz, gestos, olhar e toque – que a criança começa a adquirir seu senso de self. Inicialmente, ela vivencia seu corpo na exploração dos próprios movimentos e do ambiente, e, em decorrência da progressiva maturação neuronal e fisiológica, expande a consciência do seu eu no mundo. Do ponto de vista desenvolvimental, o processo primário de constituição do self é a introjeção (Antony, 2006). Ela está diretamente relacionada à internalização de crenças, valores e pensamentos transmitidos no decorrer da moldagem social (Yontef, 1998), que inicia na relação familiar. Segundo Oaklander (2006, p.11) a introjeção pode ser descrita como “uma mensagem que ouvimos sobre nós e que passa a fazer parte de quem somos”. É ante as introjeções que a criança inicia o processo de discriminação entre o hetero e o auto-suporte (Aguiar, 2005). Inicialmente, essa discriminação é reativa – fase em que a criança diz não intempestivamente – e, posteriormente, criativa – fase em que envolve negociação entre as necessidades próprias e do outro (Aguiar, 2003). A capacidade de diferenciação e de formação dessas experiências se dá na medida em que a criança vai ampliando seus recursos internos iniciais para satisfazer suas necessidades físicas, cognitivas, emocionais e sociais. Conforme a criança vai crescendo, ela passa a fazer parte de sistemas sociais diferentes da família, como a escola, por exemplo. Ela começa a se dar conta de que suas necessidades, até então introjetadas, nem sempre são compatíveis com o que o meio espera dela, isso possibilita que a criança comece a questionar e avaliar as introjeções que antes engolia indiscriminadamente. Essas novas vivências e questionamentos levam a novas possibilidades de ajustamentos criativos. No desenvolvimento saudável, a criança utiliza-se de sua energia agressiva para se diferenciar enquanto sujeito. Considerando que o meio seja confirmador de suas necessidades, a criança adquire uma capacidade manipulativa, tornando-se capaz de diferenciar o que é nutritivo do que é tóxico, sendo possível para ela transformar, criar, negociar, aproveitar algo que venha do mundo sem engoli-lo por inteiro, ou seja, ter um maior e próprio repertório de ajustamentos criativos. No entanto, nem sempre o meio é facilitador do desenvolvimento emocional da criança. Nesses casos, a criança lança mão das interrupções no ciclo de contato como “recursos defensivos psíquicos e comportamentais para evitar a perda do amor e da relação com pessoas significativas.” (Antony, 2010, p.82) As interrupções de contato surgem do conflito entre as necessidades individuais e as possibilidades de satisfazê-las no contato com o meio. Isso ocorre porque nem sempre as exigências externas são compatíveis com a auto-regulação individual. A criança pode começar a atribuir ao meio externo algo que é verdadeiramente do self. Ela projeta no mundo exterior partes da sua personalidade que, de acordo com as introjeções de como deve ou não sentir, ser e fazer, não podem ser assumidas como próprias. A retroflexão também aparece com a expansão da consciência. A criança não se sente autorizada a expressar suas necessidades e vontades e, portanto, não consegue propor, discordar ou confrontar o outro. Ela passa a fazer a si mesma o que gostaria que fizessem consigo. Segundo Antony (2006), esse é um momento importante, pois a criança passa a adquirir “o autocontrole, a autoreflexão necessários para uma relação de cuidado e respeito consigo e com o outro.” A deflexão também surge como fuga do aqui-agora para não fazer contato com sentimentos e sensações presentes. É um dos recursos de evitação/interrupção de contato mais utilizado pela criança, que deflete seus desejos, necessidades e sentimentos. Quando sente que não pode dar conta das tensões do mundo adulto, a criança deflete para não fazer contato com a situação que se apresenta. Entendemos que a resposta do meio à luta que a criança imprime por sua separação/discriminação pode ser mais ou menos facilitadora ao auto-suporte. Se a criança estabelecer relações que sejam respeitosas e confirmadoras, é provável que se senta mais segura para sustentar sentimentos e pensamentos próprios, impondo-se diante dos outros e satisfazendo suas necessidades sem precisar lançar mão de tantas interrupções. No entanto, a Gestalt-terapia entende que os ajustamentos feitos pela criança representam a melhor forma possível de estar e agir no aqui-agora. Isso significa dizer que, mesmo que uma interrupção apareça na relação da criança com o mundo, esta pode ser a opção mais saudável encontrada por ela. Portanto, as diferentes combinações entre as categorias de interrupção de contato podem indicar ações congruentes e saudáveis e fazem parte do processo de desenvolvimento. É importante que a criança encontre possibilidade de mover-se no ciclo, criando e destruindo figuras com relativa facilidade e clareza, de maneira balanceada e integrada, sem pular ou avançar pelos estágios de forma rápida, nem ficar fixada ao longo do processo (Wexberg, 2003). REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS AGUIAR, LUCIANA DE M. Crescer com a criança: o ponto de vista singular da terapia gestáltica. Revista Viver Psicologia, Número 128, Ano XII, 2003. _____________________. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. Campinas: Livro Pleno, 2005. ANTONY, S. A criança em desenvolvimento no mundo: um olhar gestáltico. IGT na Rede, Vol. 3, Número 4, 2006. ___________. Um caminho terapêutico na clínica gestáltica. In: Antony, S. (org.). A clínica gestáltica com crianças: caminhos de crescimento. São Paulo: Summus, 2010. OAKLANDER, VIOLET. Hidden Treasure: a map to the child’s inner self. Karnac Books, 2006. WEXBERG, S. A Gestalt developmental model for working with young children. In: Heart of Development. In: The heart of development: Gestalt approaches to working with children, adolescents and their worlds. YONTEF, GARY M. Processo, diálogo e awareness: ensaios em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1998.Publicado
2014-07-29
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Mesas-redondas