Tema-livre 4: Aplicações dos pressupostos gestálticos: possibilidades no âmbito acadêmico.
4.1 Psicoterapia de curta duração na Gestalt-terapia aplicada no contexto acadêmico da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Laura Helena Sant’Anna da Silva
Resumo
O trabalho apresenta uma intervenção de psicoterapia de curto prazo na Gestalt-terapia realizada num contexto acadêmico. Tem como suporte a visão de homem concebida na Gestalt-terapia e o conceito de saúde e doença. Alguns pontos da atuação de curto prazo são enfatizados para o sucesso do processo.
Proposta
“Tempo é apenas
uma relação, não um processo. O processo é a própria
vida se fazendo, se construindo”.
( Ribeiro, 1999, p. 36).
Esse trabalho tem como objetivo relatar a experiência de uma intervenção psicoterapêutica de curta duração na abordagem Gestáltica num contexto institucional. Iniciada no ano de 2008 pela Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis (PREAE), e também pela Gerência de Recursos Humanos (GRH) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O trabalho aponta antes de tudo uma necessidade de promover reflexões sobre o tema ainda tão pouco discutido na Gestalt Terapia, além de retratar a possibilidade de um trabalho de curta duração num contexto acadêmico.
O trabalho realiza-se no Campus do Pantanal /CPAN da Universidade de Mato Grosso do Sul (UFMS), situado na cidade de Corumbá. Para melhor compreensão sobre o tema, é necessária uma breve exposição do contexto acadêmico.
Nosso campus é uma extensão da UFMS, onde a reitoria situa-se na cidade de Campo Grande-MS, o CPAN é o segundo maior campus da UFMS, oferecendo 12 cursos de graduação, com 124 servidores, sendo 82 docentes e 42 técnico-administrativos e 1.438 acadêmicos regularmente matriculados.
A minha atividade no campus é oferecer acompanhamento psicológico a essa população acadêmica e servidores. A escolha pela intervenção de curta duração se explica por dois motivos: a presença de apenas uma Psicóloga no Campus e o segundo motivo dá-se pela quantidade de pessoas que tenho para intervir. Há atualmente três Psicólogas que atuam no contexto acadêmico da UFMS, eu no CPAN em Corumbá, outra no Campus de Três lagoas (CPTL) e a terceira na Cidade Universitária em Campo Grande.
Após situar o contexto desse trabalho, é válido relatar como fui delimitando a minha atuação. Recordo-me do meu primeiro atendimento na instituição, na qual fui solicitada por um docente para uma conversa com uma aluna que estava em sua sala em prantos. Pedi ao professor que verificasse com a aluna se ela desejava falar comigo, esta me procurou chorando muito. Percebi que naquele momento ela precisava do meu suporte, da minha presença, assim o fiz. Após esse encontro tivemos outros, tentando ampliar a queixa trazida inicialmente. O trabalho com a acadêmica foi um atendimento de urgência e após algumas poucas sessões ela já apresentava uma grande melhora. A partir dessa experiência fui buscando o meu espaço dentro de uma terapia de curta duração de abordagem Gestáltica. Outros casos semelhantes a esse foram surgindo, onde uma atitude mais ativa e participativa do terapeuta fazia-se necessária. Essas intervenções enriqueceram-me muito, emergindo um sentimento de busca e adequação em minha atuação.
A minha necessidade de promover um atendimento de qualidade na instituição ao qual faço parte impulsiona-me a buscar leituras sobre o tema e experiências semelhantes à supramencionada. Confesso que encontro dificuldades em tal busca, como bem destaca Pinto (2009 p. 12) “as peculiaridades da Gestalt Terapia de Curta duração não estão ainda suficientemente desenvolvidas”... “a base da maioria dos estudos sobre terapia de curta duração que temos acesso no Brasil é a Psicanálise”. O que é compreensível, uma vez que a Psicoterapia Breve teve os seus precursores atuantes nesta abordagem.
No Brasil, sobre a Terapia de Curta duração na Gestalt Terapias, têm como destaque os autores como Jorge Ponciano e Ênio Brito.
Para o entendimento da
temática proposta abordarei de forma sucinta alguns conceitos da Gestalt
Terapia.
A Gestalt Terapia é uma abordagem de cunho fenomenológico, existencial
e humanista. Tendo suas origens no Existencialismo, na Psicologia da Gestalt,
no Holismo de Smuts, na teoria Organimísca de Kut Goldestein, na Fenomenologia,
na Teoria de Campo de Kurt Lewin, no Humanismo, na Psicanálise e no Taoísmo.
Enquanto terapia experiencial a Gestalt terapia enfatiza o como o indivíduo vivencia o sintoma, para ela muito mais do que explicar os motivos desencadeantes da queixa, o importante é entender o sintoma dentro do contexto do cliente. Sobre essa visão holística na Gestalt Terapia, encontramos no livro Gestalt Terapia de Perls, Hefferline e Goodman, considerado pelos Gestaltistas um dos livros mais importantes da Gestalt Terapia, a seguinte citação: ”Uma das contribuições da Gestalt Terapia refere-se à visão holística do homem, o qual é concebido como ser bio-psicossocial, sempre em interação com seu meio, isto é, leva-se em conta não apenas o que ocorre com a pessoa em sua totalidade, mas também o contexto no qual isto ocorre” (1997, pág. 10).
Para compreender a construção
do sintoma, é necessário citarmos o conceito de auto-regulação
organismíca, conceito oriundo da Teoria Organísmica de Kurt Goldestein.
De acordo com esta visão o organismo sempre tende para saúde,
para uma forma criativa de existir. Sobre isto Fritz escreve: “O homem
parece nascer com um sentido de equilíbrio social e psicológico
tão acurado quanto seu sentido de equilíbrio físico”
(1998, p. 41).
Estamos a todo tempo em contato, em constantes trocas, recebendo estímulos
que são reconhecidos como nutritivos ou tóxicos para a manutenção
do equilíbrio. Essa alternância entre figura e fundo vai diferenciar
a saúde da doença, assim, falhas nesse processo perturbarão
a recíproca troca entre homem e meio.
Sendo uma abordagem de essência Humanista a Gestalt Terapia enxerga o homem como suficientemente capaz de se criar e se reinventar na interação com o meio, essa capacidade de auto-atualizar é cristalizada num estado de doença. Assim, a neurose expressa uma impossibilidade do individuo encontrar equilíbrio satisfatório entre ele e o mundo que o cerca, trata-se de uma tentativa falha diante de uma necessidade urgente, como ressaltado por Fritz: “... sua neurose é uma manobra defensiva para protegê-lo contra a ameaça de ser barrado por um mundo esmagador,... “trata-se de sua técnica mais efetiva para manter o equilíbrio e o sentido de auto-regulação” ( 1998. pag. 45). Desta forma, o sintoma é visto também como um ajustamento criativo é o melhor que o indivíduo pôde fazer naquele momento.
Diante disso, o objetivo principal da terapia é ajudar recuperação da forma autêntica e dinâmica do ser, ampliando a consciência sobre os impedimentos e a falta de contato acerca das verdadeiras e dominantes necessidades. Uma das formas de promover tal objetivo é através da terapia de curto prazo, que tem como finalidade: “oferecer ao cliente a possibilidade de vivenciar uma situação especial em um contexto relacional de aceitação e confiabilidade, no qual ele possa chegar a uma formulação pessoal do conflito e re-estruturar sua vivência frente a uma situação emocional antes dolorosa” (Pinto 2009, p. 51). Apoiada nessa abordagem, que acredito ser possível o trabalho de curto prazo.
Desta forma, as peculiaridades
da atuação de curta duração, como por exemplo, o
tempo mais curto, a postura do terapeuta, planejamento da terapia, o trabalho
no foco, o contrato e o fim da terapia tornam-se estruturantes para o processo,
pontos estes que me proponho analisar cuidadosamente na apresentação
do trabalho. Quando alguém me procura buscando atendimento psicológico,
uma das primeiras coisas que faço é explicar sobre o tipo de intervenção
realizada, a abordagem adotada, as entrevistas, o tempo de duração
da terapia, a importância do comprometimento e a participação
do cliente no processo. Assim, verifico se a pessoa deseja este tipo de terapia,
acho importante esse momento. Como já mencionado foi no ano de 2008 que
o acompanhamento psicológico teve início no Campus do Pantanal
(CPAN), tendo sido atendidos mais de 90 pessoas incluindo acadêmicos,
servidores e funcionários terceirizados. O presente trabalho tem apresentado
grande relevância para a população- alvo, promovendo bem-
estar e qualidade de vida. Ribeiro (1999), ressalta a importância do olhar
humano do terapeuta como provocador de mudanças, ele diz:
“Psicoterapia breve, psicoterapia focal, psicoterapia emergencial, o nome
não importa: estamos falando de Humanismo na psicoterapia de curta duração,
no qual o psicoterapeuta tem um papel decisivo, não porque tem poder,
faz e desfaz, mas porque está inteiro na relação, está
sensibilizado pela totalidade do cliente, está atento aos sinais que
recebe, persegue caminhos que o cliente apresenta. Para estar nesta posição
ele não precisa de tempo cronológico, mas de tempo existencial”
(p. 36).
Tempos depois do fim do
atendimento, algumas pessoas me procuram e contam-me sobre os ganhos obtidos
no processo terapêutico, formaturas, pós-graduação,
empregos, concursos públicos, são alguns exemplos. É inevitável
a sensação de que se poderia fazer mais na terapia, concordo com
Pinto (2009) quando diz: “... na psicoterapia de curta duração,
terapeuta e cliente terminam o trabalho com a incompletude explicitada”(
p. 14)
Desta forma, o trabalho desenvolvido na instituição citada, tem
contribuído para um contato mais amoroso, mais livre e autêntico
diante da vida. Isto demonstra a importância do trabalho fazendo com que
reflexões e algumas inquietações estejam sempre presentes.
Referências Bibliográficas
Buber, MArtin. Eu e Tu. São Paulo: Cortez& Moraes, 1979.
Perls, Frederick S.; Hefeferline, Ralph; Goodman, Paul. Gestalt Terapia. São Paulo: Summus, 1997.
Perls, Frederick. A abordagem Gestáltica e testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1997.
_____, Gestalt Terapia explicada. São Paulo: Summus, 1997.
Pinto, Ênio Brito. Psicoterapia de Curta Duração na Terapia.Abordagem Gestáltica, elementos para a prática clínica. São Paulo: Summus, 2009.
Polster, Erving; Polster, Mirian. Gestalt Terapia integrada. Belo Horizonte: Interlivros, 1979
Ribeiro, Jorge Ponciano. Gestalt Terapia de Curta duração. São Paulo: Summus,1999.
Yontef, Gary. Processo, diálogo e awareness: ensaios em Gestalt Terapia. São Paulo: Summus, 1998.