Temas-livre 3: Abordagem gestáltica e a busca da boa forma para além da clínica
3.1 Esporte como busca da boa forma: autorregulação organísmica e prática esportiva
Claudia Muniz Vieira
Resumo
O movimento revela a pessoa. O esporte é uma forma especial de movimento.
Quando escolhemos determinada prática esportiva não o fazemos
de forma aleatória. O esporte é mais uma tentativa do organismo
de atender suas necessidades. É a busca do organismo pela autorregulação,
sempre em busca da boa forma.
Proposta
Segundo Navarro, “a única chave para deduzir a psicologia de um
ser vivo é seu comportamento, e seu comportamento é sempre um
movimento.” (1996, p. 15). Esporte é uma forma especial de estar
em movimento, de estar em ação.
Esporte é a atividade física (e também mental) que envolve habilidades e capacidades motoras, tem regras instituídas e competitividade. Por atividade física consideramos qualquer movimento que retire o organismo do estado de repouso e que o leva a desenvolver vigor e agilidade.
O esporte faz parte da vida
de quase todos os habitantes do planeta.
Algumas pessoas simplesmente assistem ao espetáculo esportivo e são
expectadores ou torcedores, mas nem por isso, estão menos envolvidos
com o mundo esportivo. Enquanto um grande número de pessoas pratica atividade
física seja amadoramente ou profissionalmente.
O esporte é um fenômeno social e, como tal, é um assunto de profundo interesse para a Psicologia.
De acordo com De Rose Junior (2000, p. 29), “a relação entre esporte e psicologia começou a ser estabelecida no final do século XIX quando estudos investigavam os aspectos psicofisiologicos da atividade física.” Nos anos oitenta, esta relação era (e ainda é) fortemente marcada por um enfoque cognitivista.
Os estudos desenvolvidos focavam os atletas de alto rendimento e visavam compreender a dinâmica corpo-mente preservando a dicotomia estabelecida por Descartes e buscando dominar o corpo. Isto é, o corpo era considerado como uma máquina que pode ser controlada e “consertada”.
Segundo Vaz, no treinamento para o esporte, o corpo tem de ser visto como um objeto operacionalizável, de forma que as metáforas que o comparam com algum tipo de máquina, antes de procurar facilitar o entendimento de seu mecanismo, confirmam esse desejo de domínio. (1999)
Até então, a psicologia tem “servido” ao esporte no sentido da dominação do corpo enfatizando o atleta de alto rendimento e objetivando a busca de resultados.
Existem poucos estudos direcionados ao atleta amador e as motivações que o fazem escolher determinada prática esportiva num mundo tão vasto de opções esportivas. “Milhões praticam algum tipo de atividade física de modo regular e sistemático, sem pensar em ser um campeão, apenas (e já é o bastante!) para se ‘sentir bem’.” (BARBANTI, 1990, p. 1)
De acordo com a sua base fenomenológica existencial, a Gestalt-terapia tem uma perspectiva unificadora do ser humano. Nega a dicotomia cartesiana e se baseia na observação do todo que não pode ser reduzido meramente a soma de suas partes.
Segundo Ribeiro: O todo é, na realidade, um fato fenomenologico global e é através desta globalidade que os fenômenos podem ser compreendidos, criando ou dando consciência de sua natureza intrínseca. [...] a experiência só chega até nós de modo completo. (1985, p. 70-71)
Partindo deste pressuposto, já não podemos estabelecer divisões e dicotomizar afirmando que o esporte está direcionado para o bem estar físico ou mental. O que se pretende aqui demonstrar é que o esporte tem uma função reguladora na vida das pessoas e que não é escolhido aleatoriamente e sim de acordo com as necessidades do organismo da pessoa. Sendo assim, podemos considerar o esporte como um fenômeno de expressão que aponta para o todo da pessoa. Isto é, não se pode determinar que o esporte visa atender uma necessidade fisica ou psicológica.
A prática esportiva colabora com o organismo na busca da satisfação de suas necessidades, auxiliando-o na adaptação ao meio em que vive.
Mesmo quando praticado em grupo, o esporte é vivido de forma individualizada e, portanto, pode ser uma das muitas maneiras que dispomos para compreendermos as diversas formas de ser da pessoa. Neste sentido, a experiência esportiva é também um fenômeno pessoal e social. Se usarmos o esporte para entender como ele se estrutura na vida de uma determinada pessoa, provavelmente mais conhecimento poderemos obter acerca deste sujeito.
A Gestalt-terapia afirma que estamos sempre buscando a estabilidade em nossas vidas. Sendo assim, podemos pensar o esporte como uma busca dessa estabilidade e, assim, apontar vários conceitos da Gestalt-terapia nesta relação do atleta com o esporte que pratica e/ou assiste.
Para estabilizar-se, o organismo busca uma maneira de lidar com suas necessidades. Segundo Costa, “o organismo apresenta muitas e diferentes necessidades. Toda vez que o organismo tem qualquer tipo de necessidade, seu equilibrio é perturbado e ele vai buscar no meio algo que a satisfaça a fim de retomar seu equilíbrio” (2007, p. 156). Ao escolher uma prática esportiva, o atleta estaria usando o esporte como um modo de satisfazer as necessidades de seu organismo. Uma pessoa que pratica yoga estaria buscando satisfazer sua necessidade organismíca de concentração e meditação? Já uma pessoa que pratica boxe estaria lidando com sua agressividade?
O conhecimento da estrutura
do corpo, suas necessidades e seus recursos potenciais, suas fragilidade e limites,
suas necessidades e sua dinâmica, tudo isso aponta para o modo de ser
e de comportar-se da pessoa. (FEIJÓ, 1998, p. 21)
Não se pode determinar a priori o significado da experiência esportiva
do atleta.
A vivência é individual e somente a pessoa poderá descobrir
o sentido de sua experiência para o todo de sua vida.
Diante das várias necessidades que surjem, o organismo busca regular-se. “Por autorregulação organísmica entende-se o processo de percepção da necessidade dominante, a qual se transforma em uma figura, cuja satisfação o organismo busca na interação com o meio, possibilitando o reinício deste ciclo”. (D’ACRI, 2009)
Muitas vezes, o organismo não pode e/ou não consegue satisfazer diretamente uma neceesidade. O esporte pode ser vivenciado de maneira a suprir uma necessidade que a pessoa não consegue satisfazer de outro modo qualquer.
Partindo do principio que o organismo é extremamente criativo e ajusta-se as mais diversas situações, chegamos ao conceito de ajustamento criativo que é o “processo pelo qual a pessoa mantém sua sobrevivência e seu crescimento, operando eu meio sem cessar ativa e responsavelmente, provendo seu próprio desenvolvimento e suas necessidades físicas e psicossociais”. (MENDONÇA, 2007, p. 21) Praticando esportes o individuo consegue ajustar-se ao meio em que vive e pode de modo criativo suprir suas necessidades.
Bibliografia
COSTA in D’ACRI, G. LIMA, P. & ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo, Editora Summus, 2007
MENDONÇA in D’ACRI, G. LIMA, P. & ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo, Editora Summus, 2007
D’ACRI, G.. Reflexões
sobre o contrato terapêutico como instrumento de
autorregulação do terapeuta. Rev. abordagem gestalt. [online].
jun. 2009,vol.15, no.1 [citado 25 Fevereiro 2010], p. 42-50.
DE ROSE JUNIOR in RUBIO, K. (org) Psicologia do Esporte: Interface, pesquisa e Intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
FEIJO, O. Psicologia para o Esporte: corpo e movimento. Rio de Janeiro: Editora Shape, 1998.
FERREIRA. A.B. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
NAVARRO, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Ed. Summus, 1996.
RIBEIRO, J.P. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. São Paulo, Ed. Summus,1985.
VAZ, A.F. Treinar o corpo,
dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no treinamento
corporal. Cad. CEDES, Campinas, v. 19, n. 48, Aug. 1999. Available from http://www.scielo.br