Temas-livre 1: Gestalt e questões da educação
contemporânea.
1.1. Bullying: a violência em perspectiva social
Rachel de Jesus Fernandes de Oliveira
Resumo
O bullying em perspectiva social trata do tema, personagens e impacto do fenômeno
sobre suas vidas. Apoiado na Teoria Organísmica de Goldstein mostra a
escola como um organismo, em suas partes é regido pelas leis da totalidade.
Aposta na crença que a intervenção em um elemento do campo
pode reconfigurá-lo.
Proposta
O estudo tem como objetivo tratar o tema do bullying, retratando sua prevalência,
personagens, diferenças e semelhanças e seu impacto em suas vidas,
de seus familiares e profissionais de educação.
Aposta no conhecimento do tema como ferramenta para a prevenção a partir idéia de que este tipo de manifestação não é restrito a nenhum tipo de instituição, podendo ser observada em qualquer classe social e em várias faixas etárias.
A importância do tema é dada não só por sua estatística, bem como por seu potencial em trazer consequências graves à vida de jovens e crianças em idade escolar, podendo afetá-los por toda a vida e trazer desfechos graves para estes atores sociais e suas famílias.
Esta discussão, através de pesquisa bibliográfica, se dá a partir de um dos principais paradigmas da Psicologia Social, a Teoria Organísmica de Kurt Goldstein, e conhecendo o fenômeno e com base em uma sustentação teórica plausível, do ponto de vista do paradigma anteriormente citado, aponta a possibilidades de prevenção ao fenômeno e intervenção, quando de sua instalação, para que os grupos sociais se tornem refratários à instalação do bullying.
Fundamentada na Teoria Organísmica, por entender a escola como um organismo que, integrado em suas partes, é regido pelas leis da totalidade e por acreditar que, a partir das discussões acerca desta mesma teoria, pode-se pensar em estratégias práticas de combate à violência, principalmente no ambiente escolar, para que esta semente seja levada por estes atores sociais a outros cenários dos quais façam parte.
O principal objetivo é discutir o bullying, palavra inglesa, sem tradução literal para nossa língua (FANTE, 2005), enquanto fenômeno social, seus cenários de possível instalação, seus personagens e suas consequências e impactos prováveis nestes últimos.
O que chama atenção para esta temática é que, em regra, quando ele é publicamente discutido, algo significativo e por vezes dramático, já ocorreu, sem que a maioria dos envolvidos se desse conta, previamente, do acometimento pelo fenômeno.
Contudo, cabe considerar, neste cenário, o impacto sobre a vida daqueles que são por ele afetados como um determinante da diferença entre as manifestações, inerentes a uma determinada etapa do desenvolvimento humano e um fenômeno de graves e, por vezes, dramáticas conseqüências.
Este é um problema
que afeta as nossas escolas, comunidades e toda a
sociedade. Existe violência moral, intimidação ou bullying
em escolas públicas ou particulares, que atendem a alunos de variadas
classes sociais de todos os países.
Além disso, a única forma de evitá-lo é criar espaços para a ampla discussão com pais, professores e alunos e, ainda a orientação particular de casos observados.
I. Bullying: a violência escolar em uma perspectiva social
A palavra bully significa valentão. A expressão bullying não tem tradução literal para a língua portuguesa, mas o comportamento é facilmente reconhecido em pátios e calçadas de qualquer instituição de ensino em todo o país. O comportamento ao qual no referimos é descrito como atos violentos, comportamentos de pressão, opressão, intimidação, gozação, perseguição... que são comuns no dia a dia de alunos (FANTE, 2005).
É fácil imaginar a cena, um pátio ou portão de uma escola qualquer, no horário do recreio ou na saída, os alunos movimentam-se, agitados, em suas correrias cotidianas, comuns às crianças e adolescentes. De repente, um grupo se reúne em torno de uma ‘vítima’ já habitual, ‘chacotam’, ofendem, humilham e por vezes agridem-na até fisicamente. Outros alunos e por vezes funcionários e professores, simplesmente não se posicionam, assistindo a tudo, como se este tipo de atitude fosse normal, brincadeira de criança. Este comportamento pode ser considerado conivente, ou de agressão indireta.
Uma questão de fundamental importância é o entendimento de que este fenômeno social não é prevalente apenas no ambiente escolar, podendo ser observado em outros cenários sociais, como ambiente de trabalho, clubes, academias e/ou associações desportivas, em relacionamentos pessoais de diversas ordens e na própria família (MIDDELTON-MOZ, 2007).
Contudo, neste estudo pretende-se ater especificamente às ocorrências específicas do ambiente escolar.
O fenômeno bullying, implica na existência de três personagens principais: 1) a vítima; 2) o agressor e 3) o espectador.
Pode-se dizer que os personagens se definem por suas diferenças no cenário do fenômeno, mas que as suas semelhanças é que os fazem personagens deste mesmo cenário. Assim, cada um em seu lugar, aproxima-se pela inegável dificuldade de relacionamento, sendo inseguros e sentindo pressão em algum momento.
O bullying pode ser causado por outras crianças e jovens, mas pode estar presente na relação de pais e filhos e entre professor e aluno. Alguns exemplos são aqueles adultos que adotam estes comportamentos com intuito de ofuscar sua própria insegurança, baixa auto-estima, dificuldade de relacionar-se, necessidade de ser aceito pelo grupo.
Discutem-se, na maioria das vezes, as diferenças entre os personagens, mas não podemos deixar de lado as inquietantes semelhanças, que os colocam como membros deste mesmo grupo, como já havia citado anteriormente.
Todos os envolvidos são pessoas com claras dificuldades em relacionar-se socialmente, tem sua auto-estima mal construída, fato que pode ser, nos três casos, fruto de uma educação repressora ou mesmo violenta. Indivíduos que, tendo características semelhantes de personalidade, se diferenciam por sua postura ou reação diante de suas inseguranças em relação ao convívio social, suas pressões e relações de poder que se estabelecem, neste caso, principalmente no ambiente escolar.
Estas semelhanças podem oportunizar comportamentos variáveis e/ou cíclicos, onde os mesmos indivíduos ocupam, em tempos diferentes, posições diversas no cenário, sendo ora agressores, ora observadores ou mesmo vítimas.
Assim, os pais e educadores
devem reforçar a auto-estima e autonomia de
crianças e jovens, evitando culpar as vítimas, afastando a crença
de que algumas delas são “fadadas” a este tipo de acontecimento.
Não se pode, também, vitimizar a criança, sem uma observação
criteriosa dos fatos e do comportamento da própria criança ou
jovem.
Recomenda-se ainda, aos pais, principalmente, uma análise crítica do ambiente familiar, pois modelos violentos podem ser repetidos na escola, bem como, uma educação sem posições claras acerca de limites, pode fazer da criança alguém com baixa tolerância a frustrações, que por seu comportamento inadequado, repleto de manifestações de mimos e birras, atrai para si a antipatia do grupo, por sua própria dificuldade de relacionar-se com este.
II. Bullying e Teoria Organísmica: uma aproximação possível
Vejo na Teoria Organísmica uma proposta teórica que pode nortear projetos com esse fim, oferecendo-lhes sustentação e alguns dos subsídios científicos necessários a sua criação e execução.
Por esta teoria, entende-se que o indivíduo é um todo unificado, como um campo integrado em sentimentos, sensações, emoções, imagens. O corpo e a mente não são entidades separadas, o organismo é uma só unidade, um todo.
Sendo assim, o todo não pode ser compreendido pelo estudo de suas partes isoladamente, pois é regido por leis distintas, que não são das partes. O todo é o próprio princípio regulador.
Para esta teoria o impulso que determina a vida de um organismo é o da tendência à atualização, sendo esta a razão pela qual o organismo existe, o princípio pelo qual ele se move. Em Goldstein a auto-regulação é uma maneira de o organismo interagir com o ambiente, possibilitando sua atualização, a partir de uma relação que respeita sua natureza da melhor forma possível (LIMA, 2009).
É por meio da auto-atualização que a tendência criativa do organismo se explicita, visto que a relação com o meio não é estática, mas em seu dinamismo, exige que respostas novas sejam dadas neste processo de interação constante com o meio.
Pode-se perceber também, aí, a interferência dos conceitos da teoria de Maslow (HALL, 2000), com a sua pirâmide de necessidades. A auto-regulação se dá a partir de necessidades emergentes e não pré-determinadas. Assim, satisfeita uma necessidade, esta deixaria de ser figura, passaria ao fundo e outra emergiria à figura (GOLDSTEIN, apud RIBEIRO, 2007). Partindo dos conceitos da teoria acima apresentada, entendemos um grupo social, como a escola, como um organismo integrado em suas partes, regido pelas leis desta totalidade, podemos usar como pressupostos na caminhada para a construção de estratégias que, interferindo em alguns elementos mais acessíveis deste grupo social, podemos intervir para que o todo se reorganize, ajustando-se ao ambiente, como ele se apresenta.
A intervenção surge, como a possibilidade de adaptação do indivíduo ao meio, que pode se apresentar hostil, além de aprendizagem existencial, de oportunidade de autoconhecimento e auto-regulação. Com o reconhecimento de si mesmo e de seus limites é possível que o indivíduo situe-se nas mais variadas situações de campo, atendendo às suas próprias necessidades, de forma criativa, sem ser invadido e encontrando, em sua realidade, respostas às suas questões e às demandas do meio.
O todo passa então ao rumo da atualização e da satisfação de novas demandas originadas.
Considerações
finais
A possibilidade de que o ambiente seja facilitador à instalação
do fenômeno me desperta na busca da sustentação para a intervenção,
fazendo da Teoria Organísmica uma fonte de alento e “direção
terapêutica”, me apontando o fortalecimento do auto-suporte das
pessoas que circulam neste ambiente como forma de prevenção e
intervenção.
A perspectiva social e fenomenológica adotada na pesquisa me leva à crença de que o ambiente é determinante para a qualidade das relações que nele se estabelecem.
Sendo assim, o uso de conceitos como auto-suporte, autonomia, aqui e agora, relação parte/todo, de grande utilidade para que se tracem, na abordagem gestáltica, estratégias de prevenção e intervenção em casos de violência na escola.
Bibliografia
FANTE, C. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2.ed. (rev.ampl.). Campinas, SP: Verus Editora, 2005.
HALL,C.S.; LINDZEY,G; CAMPBELL,
J.B. Teorias da personalidade
. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
LIMA, P. Criatividade na Gestalt Terapia. Rio de Janeiro, 2009.
MAFFESOLI, M.A. Violência totalitária: ensaio de antropologia política. Rio de Janeiro. Zahar, 1981.
MARRA, C.A.S. Violência
escolar: a percepção dos atores escolares e a
repercussão no cotidiano da escola..São Paulo:Annablume, 2007.
MIDDELTON-MOZ,J.;ZADAWSKI, M.L. Bullying: estratégias de sobrevivência para crianças e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2007.
PERLS, F. A abordagem gestáltica e Testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: LTC.1988.
RIBEIRO, J. P. Gestalt Terapia:
Refazendo um caminho. São Paulo:
Summus, 1895.
___________. O Ciclo do Contato: Temas básicos em abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2007.
__________.Vade - mecum
de Gestalt Terapia: Conceitos básicos. São
Paulo: Summus, 2006.
ROCHA, Pablo de Melo. Bullying e Inteligência emocional: Uma proposta
de intervenção. Universidade Estácio de Sá. Rio
de Janeiro, 2005.