Mini curso 1: Atitudes e recursos terapêuticos no acompanhamento de mulheres com disfunções sexuais – uma abordagem gestáltica

Carla Alegria

 

Resumo

O curso aborda a sexualidade como expressão do contato, busca relações entre ciclo de contato e ciclo de resposta sexual assim como, menciona os
distúrbios na fronteira de contato observados em pessoas com disfunções sexuais.
Destaca atitudes e recursos terapêuticos adotados com propósito de ampliar awareness e intensificar contato.

 

Proposta

Objetivo: o objetivo do minicurso é subsidiar os Gestalt-Terapeutas, com uma compreensão contextual das disfunções sexuais femininas. Sugerem-se atitudes e recursos terapêuticos relevantes a serem adotados no acompanhamento das clientes, tendo como pano de fundo o referencial gestáltico.

 

Fundamentação teórica

A experiência com mulheres com disfunções sexuais revela que estas convivem, solitariamente, com um sentimento de vergonha e inadequação pessoal, ao se sentirem diferentes das outras por terem dificuldades sexuais.
Durante o trabalho terapêutico, observa-se muita ansiedade para obterem a cura dos sintomas, especialmente dispareunia e vaginismo.
Constata-se uma incapacidade na discriminação do ponto do ciclo de resposta sexual que a dificuldade se apresenta. As referidas confundem, falta de excitação com dificuldade de obterem orgasmo e falta de desejo com dificuldade de excitação sexual.

 

Definição das Disfunções Sexuais

As disfunções sexuais femininas são definidas como desordem psicossomática e caracterizadas segundo Kaplan (1983) em três fazes:

• Desejo: nesta fase há a motivação (emoção, sentimento) que provoca a vontade de procurar a atividade sexual.
• Excitação: Nesta fase há a estimulação sexual com uma resposta fisiológica de lubrificação
• Orgasmo: é o ápice da fase de excitação com correspondente resposta
psicológica e fisiológica.

 

Segundo o DSM – III Manual Diagnóstico de transtornos Mentais (1989) as disfunções sexuais são descritas como:
• Transtorno de desejo sexual hipoativo: Deficiência (ou ausência) persistente de recorrente de fantasias ou desejo de ter atividade sexual;
• Transtorno de aversão sexual: Extrema aversão ou esquiva persistente ou recorrente de todo (ou quase todo) contato sexual genital com um parceiro sexual;
• Transtorno de excitação sexual feminina: Fracasso persistente ou recorrente para adquirir ou manter uma resposta de excitação sexual de lubrificação e turgescência até a consumação da atividade sexual;
• Transtorno do orgasmo feminino: Atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo após uma fase normal de excitação sexual;
• Dispareunia (não devido a uma condição médica geral): Dor genital recorrente ou persistente associada com o intercurso sexual em homem ou mulher;
• Vaginismo (não devido a uma condição médica geral): Espasmo involuntário, recorrente ou persistente da musculatura do terço inferior da vagina, que interfere no intercurso sexual.

 

Ciclo de Contato e Ciclo de Resposta Sexual

Convém assinalar a estreita correlação entre o ciclo de resposta sexual e o conceito de ciclo de contato da Gestalt-terapia definido por Zinker (2007) como: sensação, awareness, mobilização de energia, ação e contato.

As fases de desejo e excitação dependem de uma evolução no ciclo de contato partindo da sensação à mobilização de energia.

A fase final do ciclo de resposta sexual definida como orgasmo, compreende ação e o contato.

As interrupções nas etapas do ciclo de contato do comportamento sexual desencadeiam as disfunções sexuais. Pode-se inferir que na dificuldade de obter desejo e excitação (muitas vezes confundidas entre si) está presente uma interrupção entre sensação e awareness/mobilização de energia.

• Quando há um bloqueio no desenvolvimento da excitação, apresenta-se a interrupção entre mobilização de energia e ação.

• No comprometimento da capacidade orgástica, há uma interrupção entre ação e contato.

 

Fronteiras de Contato e seu Funcionamento no Comportamento Sexual Feminino

• Diminuição do desejo sexual: Pessoas com dificuldade de sentirem desejo apresentam uma alienação em relação a sua sexualidade. A possibilidade de experimentar qualquer indício de desejo revela-se de forma ameaçadora, o que provoca retraimento da fronteira através de um comportamento de evitação do contato com fantasias, lembranças ou sensações que promovam uma aproximação do erotismo.

• Falta de excitação sexual: Nesses casos, percebe-se que o processo de
retraimento e rigidez da fronteira acontece com a proximidade física do outro.
As pessoas evitam o contato físico por anteciparem a angústia gerada pelo
toque.

• Anorgasmia: As mulheres com dificuldade de atingir o orgasmo movem-se em direção ao outro, estendem-se para contactar o outro, mas retraem-se antes que possam sentir a ansiedade daquilo que experimentam como sensação de se perder no outro.

• Dispareunia: Observa-se em mulheres que apresentam dispareunia uma
dificuldade de conterem a mobilidade excessivamente elástica de suas
fronteiras. Abrem-se às experiências físicas e afetivas para as quais não estão emocionalmente organizadas, desenvolvendo a dispareunia como recurso auto-regulador.

• Vaginismo: Percebe-se que as mulheres com vaginismo carregam histórias com forte carga emocional de invasão. Quando estão interagindo sexualmente retraem-se na tentativa de frear o sentimento de invasão. Esse processo culmina na contração involuntária da vagina, impedindo o coito.

 

Abordagem Terapêutica do Sintoma

A disfunção sexual é entendida como parte de um processo de auto-regulação organísmica. Considera-se este sintoma como uma expressão da possibilidade de interação da pessoa com o mundo que se revela através de um retraimento na fronteira quando a mesma entra em contato com a mais íntima interação humana na vida adulta, o encontro afetivo-sexual.

O eixo central da terapia não está focado na busca do funcionamento normal da resposta sexual, nem dirigido para resultados específicos, mas na compreensão do sentido do sintoma na organização do funcionamento da pessoa como um todo.

O êxito da terapia orientada sob esta ótica é reafirmado por Juliano (1999; p. 38) nos seguintes termos: “Se não soubermos essas respostas, estaremos perdendo um tempo valioso tentando “combater” o inimigo... Levantando defesas ainda mais altas”.
Oferecem-se condições para a pessoa de obter uma compreensão melhor de si mesma podendo redimensionar sua forma de estar consigo mesma e assim reorientar suas relações no mundo.

As posturas e ações terapêuticas aqui adotadas são fundamentadas na concepção de cura descrita por Perls, Hefferline e Goodman (1997) e Yontef (1998) ao não referirem-se à cura como um produto acabado, mas como o desenvolvimento da capacidade da própria pessoa de construir a
Awareness necessária para a resolução de seus problemas.

Observa-se durante o processo terapêutico a presença de sentimentos como: raiva reprimida, culpa, inveja, exclusão e vergonha. A condição para o crescimento pessoal é aproximar-se desses sentimentos num nível em que seja possível, a cada momento, conectá-los e no seu tempo, integrá-los.

As dores emocionais dos conflitos nos quais estão envolvidos esses sentimentos podem aparecer na dinâmica da relação terapeuta-cliente através de resistência e desesperança, entre outras formas.
Pretende-se até aqui evidenciar o foco da terapia nas experiências e emoções da pessoa em todas as dimensões da sua existência e não apenas no sexo.

O foco na sexualidade deve acontecer quando se acolhem os sofrimentos trazidos pelas dificuldades da cliente e na promoção do contato com o corpo através de técnicas que possam fazer com que seu corpo seja reconhecido, tocado e sentido como fonte de prazer.

Recursos de facilitação do contato com os sentimentos e sensações sexuais:

• Fantasias: Especialmente importante de serem estimuladas em mulheres com dificuldade de ter desejo sexual.
• Banhos com variações de textura e cheiro: indispensável às pessoas que
apresentam dificuldade de excitação.
• Relaxamento: Indicado em todas as manifestações de disfunção sexual.
• Massagem: Aplicada nos casos de dificuldade de excitação e anorgasmia.
• Exercício Kegel: Importante nos casos de anorgasmia, dispareumia e
vaginismo.
• Focalização Sensorial: Possibilitam descobertas de pequenas sensações de prazer do corpo que muitas vezes estavam à margem do contato.
• Dessensibilização sistemática: amplamente utilizada nos casos de dispareumia e vaginismo.

 

Emprego das técnicas

O emprego dessas e outras técnicas é apoiado no princípio da Gestalt-terapia segundo o qual a fronteira-de-contato é incensamente mutável. Em cada experiência pode haver a possibilidade de se reconfigurar os limites do contato com o corpo tornando as fronteiras mais flexíveis e permeáveis.

Trabalha-se com a noção de experimento como tão bem comenta Juliano (1999, p. 43): “A intenção do experimento é sempre a de enfatizar, apontar e sublinhar o que está presente no momento.”

Em consonância com essa proposta, as tarefas são sugeridas de forma graduada considerando o nível de awareness e os limites de contato que indicam o suporte que o cliente possui no momento para a realização dessa tarefa.

 

Considerações finais

Acredita-se que o êxito da terapia com clientes com disfunções sexuais reside na possibilidade de não estreitar-se o olhar para o sintoma e temas de associação direta como, suas primeiras experiências sexuais, conceitos e história da família em relação ao sexo.

A disfunção sexual é um sintoma que indica um arranjo pessoal que a pessoa conferiu às suas experiências emocionais, nos vários contextos e dimensões de sua existência.

A administração das técnicas desarticuladas de um trabalho, no qual a pessoa possa resignificar sua história, integrando sentimento de amor, raiva, culpa e vergonha, pode ter bom aproveitamento nos casos em que as disfunções apresentam-se como expressões de conflitos vividos em etapas tardias do desenvolvimento da personalidade.

O manejo de técnicas largamente utilizadas com objetivo de produzir mudança de comportamento é incorporado nesta abordagem como recurso de intensificação do contato e ampliação de awareness.

A disponibilidade do terapeuta de confiar no processo e na potencialidade de crescimento da cliente desapegando-se da busca de resultados avaliados em respostas sexuais normais é condição para que a mudança ocorra em seu tempo, e se apresente na capacidade da pessoa alargar suas fronteiras para possibilidades novas de troca com o mundo, além de experimentar a sexualidade com mais vivacidade, fluidez e espontaneidade.

 

Referência bibliográfica

ABDO, C.N.H – Sexualidade humana e seus transtornos. São Paulo: Ed. Lemos, 2000.

Associação Psiquiátrica Americana (APA) – Manual diagnóstico e estatística de transtornos mentais (ASM-III). São Paulo: Ed. Manole, 1989.

JULIANO, J.C. A arte de restaurar histórias: libertando o dia logo. São Paulo: Ed. Summus, 1999.
KAPLAN, H.S. O desejo sexual e novos conceitos e técnicas da terapia do sexo. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1983.

PEREL, E. Sexo no cativeiro . Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2007.

PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

YONTEF, G.M. Processo, diálogo e awareness. São Paulo: Ed. Summus, 1998.

ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Ed. Summus, 2007.