Tema-Livre 16: Gestalt-terapia contra a violência infantil: Como construir bonitos corações sem violencia?

 

Margarete da Silva de Araujo

 

Resumo

O trabalho mostra os tipos de violência usados contra crianças, como educação em tempos distantes, e atualmente. Mostra ainda que a Gestalt-terapia pode ser usada como medida sócio-educativa a partir da interação social, pois a abordagem gestáltica é calcada na relação sujeito x meio ambiente, indivíduo x sociedade.

 

Proposta

A proposta deste trabalho étrazer a luz discussões para o surgimento de novos meios, e ou novas ferramentas a serem construídas com a ajuda da Gestalt-terapia com objetivo de conscientizar de que a violência contra a criança de hoje pode causar danos psicossociais no adulto de amanhã.


Como construir bonitos corações sem violência?

Violência é conceituada como atos praticados contra outrem com intenção de ofender, geralmente são praticados por pessoas que representam figuras de poder ou autoridades que laçam mão da força ou de ameaças, estas que podem ser agressão física ou psicológica causando de imediato, ou a longo prazo lesões graves, morte, e transtornos no desenvolvimento biopsicossocial quando se tratar de crianças em fase de desenvolvimento.

A violência praticada contra crianças às vezes é difícil ser identificada por ela ser feita de diferentes maneiras que aparentemente não são vistas como violência, por não apresentar os fatores que normalmente a caracterizam, como por exemplo, os castigos físicos aqueles que nos contaram nossos pais e avós, que eram meios de se educar e ensinar as crianças, lembrando alguns deles como a palmatória que deixou marcas dolorosas na alma, como nos relatou uma cliente de nome Beth, em uma sessão, os quartos escuros, para aquelas crianças ganhavam o codinome capeta que queria dizer aquele que perturbava os juízos dos professores.

Outro meio também usado na época eram caroços de milho sobre os quais os capetas ficavam ajoelhados. Tinha também as jarrinhas da tia, aquelas crianças que não levavam desaforo para casa e a tia as colocava em cada ponta do quadro para que elas aprendessem a respeitar; o chapéu com orelhas de burro e não param por aí os meios “educativos. Atualmente os métodos usados por alguns educadores são diferentes, a criança capeta ou não, é “convidada” a ir ao quadro fazer um exercício, ou se apresentar frente à turma para ler seus trabalhos, quando ela não consegue por vergonha, medo de se expor ou por não saber fazer, recebe risos de deboches, que quase sempre acabam virando motivos de chacota durante dias, e isso para a criança passa ser um inferno. Também os apelidos atormentam as “vítimas” como, por exemplo, a criança gordinha passa a ser identificada como rolha de poço, tanto como outra que é de estrutura magra e vira ripa, ou vara de bambu. Assim a criança é violentada, desrespeitada, exposta ao ridículo.

A pedagoga Cléo Fantes estudiosa do fenômeno “bullyng” que trata da violência infantil praticada em casa, nas escolas ou nas instituições explica que bullyng é uma palavra de origem inglesa usada para designar violência física ou psicológica, intencionais com o propósito amedrontar ou agredir indivíduos incapazes de se defenderem. As brincadeiras em família como “vem cá meu gordinho” também fazem parte do rol de fatores da violência.

Há pouco tempo em um trabalho de assessoria nos deparamos com uma cena dramática. A professora que já não é mais a tia das crianças decidiu onde cada um dos alunos iria morar quando crescer, como se ela já estivesse prevendo o futuro cada um deles, ela dividiu o grupo em três fileiras, a primeira ficava a direita da porta era a mansão, aí ficavam duas fileiras de cadeiras onde sentavam as crianças inteligentes com boas notas, a segunda fileira era conhecida como os apartamentos de luxo, tinham duas fileiras de cadeiras onde sentavam crianças que eram consideradas dentro da média e a última classe residencial era a favela, composta de três fileiras de cadeiras que iam ate o final da sala, aí sentavam crianças de todo o tipo “capetas”, medíocres, preguiçosas, coitadinhas, crianças de comunidades mais carentes, cujas mães têm de sair para trabalhar, não tendo assim quem as ajude nas tarefas da escola e nem na sua organização pessoal, que na opinião da professora estavam sendo estimuladas daquela forma para que procurassem estudar mais para ter o direito de morar mais tarde no apartamento de luxo ou quem sabe em uma mansão daquelas da porta de entrada da sala de aula.

 

A Violência mostra a sua cara

Em 2000 mais um fato, desta vez em um abrigo para meninas, onde algumas são filhas de pais condenados, ou filhas de pais que não quiseram ou não puderam assumir os frutos. Isto por que suas mães são mulheres condenadas que cumprem penas em instituições aprisionais do estado do Rio de Janeiro. As meninas que lá estavam, estudavam em uma escola municipal próxima pela manhã e à tarde. O atendimento psicológico as sextas feiras a partir de 13 horas. As vésperas do dia das mães aconteceu um fenômeno que despertou curiosidade. As meninas do turno manhã chegaram dizendo que tinham tarefa para fazer, correram para a sala de estudos e de lá saíram na hora do lanche, felizes com as tarefas prontas. Soubemos que a tarefa que mobilizava tanto as meninas era desenhar um coração que deveria ser decorado e entregue no dia das mães de presente. Todas também empolgadas com exceção de X que estava aborrecida, ela tirou os tênis e cada pé de tênis era jogado ao chão e chutado para debaixo da mesa, atirou também a mochila sobre a mesa e bateu na colega que empurrou a mochila para outro lado da mesa. A sala se transformou num caos e logo apareceram torcedoras para ambas. Eram tapas empurrões, puxões de cabelos, chutes, proferidos tão rápidos que mal se teve tempo de chegar onde elas estavam mais ou menos quatro metros de distancia. A senhora responsável, veio da cozinha atender aos gritos, mostrando sua autoridade também aos gritos de confirmação ou de afirmação ao que eram ou seriam as meninas quando crescessem. Depois de uns safanões e sacudidelas X foi mandada para o castigo, já conhecido que era sentar na escadaria com pouquíssima claridade que dá acesso a cozinha, até a hora do jantar.

Quando o clima de “paz” tinha sido restabelecido perguntou-se a ela o que acontecera na escola para ela estar tão chateada.
- "Eu não sei fazer o coração que a professora mandou eu fazer".Ufa! Respiro de alivio. Perguntou-se ela ao menos tinha tentado fazer o coração, respondeu que sim, mas ele saíra torto e a turma riu, até a professora. Mais eu não sei, gritou X.
- Então vamos fazer juntas um coração? Insistiu-se várias vezes explicando a X que ninguém nasce sabendo construir um coração e que com certeza ela seria capaz sim de fazer um coração bem bonito até que ela aceitou. Pedimos para que X pudesse sair do castigo, pois a terapeuta trabalharia com ela.

Quando as habilidades para assimilar mudanças são inadequadas e o processo é fixo, a energia fica separada da awareness e o comportamento fica desconectado da necessidade (Zinker,2001).

Começamos a desenhar corações. Os primeiros deles era de se lamentar, mas X recebia os estímulos, forças, do tipo viu como você é capaz! Está ficando bonito. Vamos fazer outros. Lá pelo quarto ou quinto coração, X achou que já sabia fazer. Aí veio a segunda fase, decorar o coração que seria dado a sua mãe. Perguntou X. - Só pode pintar? A pergunta lhe foi devolvida. Você acha que só pode pintar? O que você gostaria de fazer?

A resposta foi - Vou enfeitar ele todo, e assim fez colocou fitas, paetês, purpurina, e o coração ficou bonito, lembrando que X tinha só seis anos e desde um ano e meio vive no abrigo. - Tia eu não sei como vou entregar o presente da minha mãe, ela ta na prisão porque não vale nada igual minha vó que não quis ficar comigo. Foi notado que o discurso, ou a “ralha” da diretora da casa direcionada freqüentemente as meninas são de palavras que desqualificam mais ainda os pais das meninas ao mesmo tempo em que afirma como será o amanhã de cada uma delas O que fica claro quando X repete o discurso da diretora.

Este relato nos mostra como a Gestalt-Terapia pode contribuir para a educação e socialização das crianças, atuando no sentido de levá-las a descobrir que podem fazer sim, as tarefas por mais difíceis que elas pareçam, pois uma vez que a tarefa fica pronta, cresce no pensamento a idéia de que eu posso, eu sou capaz, auto confiança é resgatada. O que faz aumentar a auto- estima possibilitando a abertura de novas redes. Observou-se os conceitos da gestalt atuando como: retroflexão, projeção, egotismo,confluência, processo, experiência, contato e awareness. O processo de contato de X aconteceu pelo excitamento na fronteira de contato, que emprestou energia para formação de uma figura objeto, mais nítido e simples, se aproximando dela, aliviando-a, transpondo os obstáculos, alterando a realidade e finalmente transformando a situação inacabada em uma realidade nova, levando a superar obstáculos, manipulando e alterando a realidade, daí uma nova awareness. (Gestalt-Terapia,1997 p208). A criança deve sempre ser convidada a experienciar, isso desperta o interesse ao mesmo tempo em que eleva a auto-estima. A Gestalt-terapia pode ser usada juntamente com outras formas de socialização que pode ser a educação, o diálogo ou a interação social. Pois a abordagem gestáltica é calcada na relação sujeito x meio ambiente, ou seja, indivíduo atuando, realizando trocas nas relações sociais.

A sociedade brasileira preocupada com o aumento da violência praticada contra crianças lá em 1990 criou O Estatuto da Criança que foi determinado pela lei 8.069/90, onde diz em seu artigo 3º que a criança goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurando a ela oportunidades e as facilidades para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Isto significa dizer que devemos facilitar a vida de nossas crianças oportunizando-as e assegurando seus direitos de desenvolvimento pleno garantindo também sua liberdade e dignidade, mas para que isto aconteça é preciso pensar em novos métodos de socialização e educação onde não se inclua violência.

A disciplina é essencial para que a criança apreenda as regras sociais, ela ajuda no desenvolvimento da aprendizagem e controle do próprio corpo.

Cléo Fantes em seu livro de 2005, Fenômeno bullying como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz propõe um programa de Educar para a Paz, ela acredita que é possível estimular crianças através do diálogo a resgatar valores como tolerância, solidariedade entre outros que estão sendo perdidos, para que gerações futuras sejam mais pacíficas


Conclusão

A violência infantil qualquer que seja a sua face oculta ou não, doméstica ou sócio institucional é da responsabilidade de todos. A grande onda de violência que se apresenta no momento nos diz que é hora de se compreender que a criança de hoje é o adulto de amanhã, fazer uso da frase de Pitágoras e dos ensinamentos tirados do legado que Fritz Perls e outros teóricos da gestal-terapia.


Bibliografia

Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069 de 13 de julho de 1990.

Fante, C. Fenômeno bullying como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz.

FROMM, Erich. Análise do Homem. 10ª.Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1972. Verus Editora. Campinas São Paulo. 2005.

Perls,F.Hefferline,R.Goodman,P. Gestalt-Terapia.2ª.Ed.S Paulo:Summus,1997.

Zinker,J.C. A Busca da Elegância em Psicoterapia. S Paulo: Summus, 2001.