Tema-livre 12: Adolescência e Virtualidade: Configurações da identidade na contemporaneidade.

 

Priscila Pires Alves

 

Resumo

O trabalho tem como objetivoproblematizar os dilemas da adolescência na contemporaneidade, a partir da correlação com os fundamentos da abordagem gestáltica, refletir sobre as possibilidades e impasses que o jovem encontra na contemporaneidade para configurar o seu vir-a-ser.

 

Proposta

Ao contextualizarmos a realidade contemporânea, identificamos como marco significante, mudanças nos modos de produção material simbólica da sociedade, engendrados notadamente pela revolução na tecnologia da informação gerando uma nova arquitetura no tecido social e, por consequência impactando o comportamento das pessoas e da sociedade.
Fenômeno contemporâneo, o advento da Information Technology penetra as dobras sociais influenciando cada vez mais as formas de relacionamento entre os sujeitos, produzindo assim configurações da subjetividade arregimentadas pela pela lógica digital. A criação de um novo espaço de valores e representações dependentes dos recursos tecnológicos respaldam a disseminação de uma cultura igitalizada que estabelece por conseguinte, uma nova configuração das relações do homem com o seu contexto.

A introdução dos complexos “teleinfocomputotrônicos” como acessórios inseparáveis da condição do ser-no-mundo têm produzido uma realidade onde a virtualidade ganha espaço e novos modos de comunicação e linguagem constituem um vasto campo a se explorado e compreendido.

Assim, o propósito de nosso trabalho é o de problematizar os efeitos da realidade digital na constituição da identidade dos jovens na atualidade a partir da investigação da escrita digital como campo de contato dos adolescentes contemporâneos.

Através da abordagem gestáltica buscou-se compreender os limites e possibilidades dessas configurações no processo de tornar-se do jovem contemporâneo.

As transformações tecnológicas são o vetor cada vez mais decisivo nos rearranjos do contexto social, uma vez que as inovações tecnológicas alteram as estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais da existência humana. Encontramos um fluxo intermitente de mudanças cujo escopo se traduz pelos valores produzidos e que denominaremos “sociedade da informação”.

Aqui, a lógica da informação representa os sistemas interativos de comunicação e informação onde novas relações sociais são elaboradas por intermédio do desenvolvimento de uma cultura tecnológica.

Na esfera da produção da circulação e do consumo de bens simbólicos, a oferta cultural de insumos teleinfocomputotrônicos irrompe como objeto de desejo na relações entre mídias e receptores demarcando modos de organização das relações e trocas interpessoais absolutamente idiossincráticos, e produzindo alterações nos padrões de comportamento das pessoas.

A introdução do computador como elemento de mediação nas relações inter-humanas funda um novo espaço de interação e troca, bem como configura um novo status para realidade: a virtualidade. É o espaço virtual, o campo que inaugura a possibilidade de novas trocas e relações inter-humanas redefinindo os elementos figurais que referendam a constituição da identidade.

A realidade digital assentada no vetor eletrônico-informático, insere as pessoas em um ambiente em que a possibilidade de contato através da tela do computador ganha contexto. Assim, com o suporte material do computador, as relações se fundam e se confirmam através dos “espaços textuais públicos” com afirma Chartier (2002), onde os fóruns de discussão, salas de bate papo, blogs, e programas de trocas de mensagens que permitem bate-papos em tempo real, com uma linguagem simplificada e rápida, tornam-se os principais ambientes para o estabelecimento das trocas entre as pessoas e das relações inter-pessoais.

Essa configuração gera novos paradigmas para se pensar o processo de tornar-se na adolescência, uma vez que os valores sociais preconizados por um determinado grupo cultural em uma determinada época atingem diretamente o ser adolescente que encontra-se em um processo de aquisições e transformações para sua inscrição social como ser adulto.

A concentração de uma vida high tec, coloca os complexos teleinfocomputotrônicos como elementos intercessores da vida do jovem na atualidade, pois através dos jogos interativos, da internet, sites de relacionamento, orkut entre outros, o jovem funda sua rede de relações e assimila os valores vigentes na sociedade.

A adolescência consiste num processo do desenvolvimento humano cuja necessidade de experimentação torna-se uma necessidade dominante. A experiência de novas relações, novos contatos, assimilação de novos valores, enfim, todos esses aspectos constituem-se como elementos fundamentais na construção de sua identidade nesse processo de transição. Assim, como se estabelecem as redes de relação numa realidade predominantemente marcada pelos insumos tecnológicos mediadores das trocas humanas?

A internet hoje, tornou-se um acessório indispensável criando espaços de interlocução e interconexão entre pessoas que se comunicam, trocam informações em um mundo sem barreiras e sem fronteiras. Nesse contexto, o jovem encontra uma motivação para realizar suas experimentações no mundo através de uma realidade que se apresenta configurada por novos signos e conceitos referentes ao tempo, espaço e ao próprio movimento, pois as trocas que passa a estabelecer com o mundo estão dimensionadas pela tela e pela rede.

É nesse contexto que o adolescente ensaia importantes aspectos de seu desenvolvimento na transição para vida adulta. No entanto, cabe-nos questionar em que sentido a assimilação desses novos modos de ser e estar-no-mundo tem sido funcionais à configuração da identidade.

Em nosso trabalho, buscamos através das narrativas do adolescente a partir desse contato com a realidade digital, compreender como se processa o tornar-se adolescente e pudemos verificar que as possibilidades de experimentação estão presentes nessa configuração, mas apresentam uma realidade nova a ser explorada quanto aos ensaios do jovem sobre o seu ser.

Na fala de um adolescente, identificamos claramente seus conflitos identitários mas ao mesmo tempo uma grande dificuldade de abrir suas possibilidades de contato numa dimensão que não seja a da tela. Como podemos verificar na fala de um jovem: Eu atualmente estou namorando no fake do orkut. Mas no off não estou namorando. A grande vantagem é que não tem problema se meu namorado tem outra namorada no seu modo off, porque estamos no fake o que dá para realizar legal a relação. (...) Por que eu gosto do fake? Ah! Fala sério! Posso ser o que quiser.

É interessante observar o quanto a realidade digital cria possibilidades e códigos de experimentação que dão a segurança para que o jovem experiencie formas de ser que não se coadunam com o seu real que seria o funcionamento no modo off.

Atentemos para o seguinte fato: off em inglês significa desligado e fake significa falso, algo que não é verdadeiro. No modo fake não há o confronto autêntico pois o que se cria é um personagem com características que não revelam os meus limites e possibilidades, oculta-se o que está no off que representaria a dimensão do autêntico self que se manifesta nas fronteiras de contato nas relações com seus limites e possibilidades. Assim, o que se questiona é o fato da experiência de tornar-se, estar atravessada por falsos selves onde o jovem acaba vivendo a experiência de uma realidade paralela e encapsuladora, alienante do si mesmo.

O fake representa um modo do jovem estabelecer seus contatos sem os confrontos dialéticos dos encontros eu-mundo.
Caracteriza-se por uma cristalização em um ISSO, de acordo com a perspectiva de Buber, que desterritorializa o indivíduo.
O modo off nesse contexto, caraceriza-se por um afastamento do eu em suas dimensões paradoxais e polarizantes, que constituem a possibilidade da tomada do si mesmo de uma forma integradora com preconizada pela abordagem gestáltica.
O modo pelo qual a introdução da Sociedade da Informação domina nossas vidas, geram repercussões em diferentes esferas do viver humano e no caso dos adolescentes é importante se observar se a mediação telemática não produziria subjetividades encapsuladas, virtuais, ou dito de outro modo, fakes que afastariam do contato autêntico o eu do si-mesmo, fato este crucial em se tratando da passagem que caracteriza a adolescência.
Criar e reinventar os modos de relacionamento são características inerentes as habilidades criadoras do homem, consistem em dispositivos que facultam seu ajustamento criador ao mundo. No entanto, no momento em que este modo de relação passa a ser o denominador dos processos de tornar-se do jovem, é fundamental que nos perguntemos sobre como essa realidade virtual invade nossas vidas e nos desapropria de nós mesmos, se não estabelecermos também aí nossas fronteiras de contato.

Bauman (2005), nos fala da liquidez das relações na contemporaneidade, da evanescência com que os laços se constituem e se dissolvem impedindo que as referências sólidas e necessárias para a construção de nossa identidade se estabeleçam. Na virtualidade os espaços são rarefeitos e como tal, o que se constrói nesse campo também se torna volátil. Relações se tornam obsoletas.

Nesse campo, o apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras, orientam as decisões de inserir ou deletar as pessoas em suas vidas a partir dos critérios de satisfação ou insatisfação decorrentes desse modo de se elacionar.Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, os jovens vão buscando encontrar os modos de relacionamento e inserção no mundo ideal, abrindo novos campos de interação via redes telemáticas.

Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se.

Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pela paixão, fidelidade, compromisso, caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis.

A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas a distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão.

Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”.

As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se.

Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer com clareza se querem sair ou permanecer nela. Podemos pensar os conflitos que emergem no adolescente ao se deparar com essa realidade, uma vez que o imperativo do fechamento da identidiade é uma realidade inexorável em sua existência.

Não é de se estranhar que nos defrontamos hoje com jovens que movimentam-se em várias direções, entram e saem de relações, experimentam e vivenciam situações intensas e furtivas com a esperança mantida às custas de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada.

É fundamental que possamos pensar nos dispositivos de integração dessas dimensões que compõem a existência humana contemporânea sem perder de vista o foco ao qual nos propomos na abordagem gestáltica: favorecer que cada vez mais o indivíduo ao ampliar sua consciência sobre o si mesmo, possa fazer escolhas congruentes e consistentes para sua existência.

Talvez estejamos nos deparando, mais do que nunca, com a necessidade de realizar ajustamentos criativos e funcionais a essa realidade que se nos apresenta para o trabalho com os nossos jovens na contemporaneidade sem negar a experiência que o modo fake produz mas também valorizando a necessidade de turn on o modo off.

Bibliografia

BAUMAN, Zygmund. Amor líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

BUBER, Martin. Eu e TU. Moraes:São Paulo, 1979.

BUBER, Martin.Do dialógo e do dialógico. Perspectiva : São Paulo, 1982.

CHARTIER, R. Formas e sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação. Mercado das Letras: Campinas, 2003.

HYCNER, R. De pessoa a pessoa. São Paulo: Summus, 1999.

NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. O campo da pesquisa qualitativa e o método de explicitação do discurso subjacente.
Psicologia: reflexão e Crítica. Porto Alegre, 2007.