A
Formação do Gestalt-Terapeuta e a Importância de seu Reconhecimento.
Marcelo Pinheiro
Fevereiro/2006
A Potencialização de um
gestalt-terapeuta é um processo intenso. Passa por um desenvolvimento pessoal
que com freqüência transforma a atitude que a pessoa tem diante de sua
vida. Pode ser comparada a um
sacerdócio, não no sentido de introjeções de dogmas, mas no sentido de que não
é uma teoria que o individuo aprende e passa a utilizar como quem faz uso de
uma chave de fenda. A potencialização de um gestalt-terapeuta é um sacerdócio,
pois passa por um processo de auto construção no qual paradoxalmente a pessoa
aprende a ser ela mesma, isto é, se apropria de sua forma, das suas
características e habilidades desenvolvidas desde o berço para, na relação que
estabelece com seu cliente, ser ele mesmo o instrumento capaz de criar um
contexto apropriado e convidativo para o desenrolar do sublime e belo acontecer
do desenvolvimento humano.
Facilitar o
processo de potencialização de um gestalt-terapeuta é uma tarefa
necessariamente artesanal. Como conciliar este fato com a estruturação de um
curso que possuísse características suficientemente formais para ser
certificado como uma "Especialização em Psicologia Clínica" e que,
além disso, se mantivesse viável economicamente? Este foi o desafio que
enfrentamos no último ano e meio. Um desafio desgastante, porém recompensador.
Um desafio que superamos com sucesso. Hoje nosso curso mantém as
características que consideramos necessárias e bastante adequadas para o
desenvolvimento de um gestalt-terapeuta e é um curso reconhecido pelo CFP.
Ao longo deste
processo tínhamos clareza de nosso objetivo: estarmos adequados aos critérios
exigidos a um curso de especialização, sem abrir mão de aspectos que julgávamos
fundamentais em nossa organização. Para
tanto nos empenhamos em traduzir a estrutura de nosso curso com todas as suas
peculiaridades para uma linguagem e organização compatível com a linguagem
acadêmica. Tarefa árdua e trabalhosa.
Tínhamos
convicção de que o modelo acadêmico mais tradicional não dava conta de nosso
objetivo. O modelo tradicional ainda
tem toda a sua estruturação baseada na crença da possibilidade de ocorrência de
relações instrutivas onde o mestre organiza e transmite o conhecimento para os
alunos que supostamente absorveriam tal conhecimento de acordo com um
cronograma pré-elaborado.
Quais os
problemas deste modelo para nós?
Primeiro, acreditamos que a pessoa só pode enxergar o que está dentro de
seu campo de possibilidades o qual está ligado às suas histórias
pregressas. Isso torna a aquisição do
conhecimento uma construção individual que deve ter sua cronologia acompanhada
e não pré-estabelecida. O segundo ponto, coerente com o que dissemos
anteriormente, é que uma parte muito grande e muito importante do conhecimento
que deve ser desenvolvido ao longo da potencialização de um gestalt-terapeuta
não existe com antecedência. É e só
pode ser construído por cada treinando individualmente, pois envolve suas
características pessoais. Neste sentido
o papel do “professor” é mais de “facilitador” do que de “instrutor”.
Dentre as
características de nosso curso, que acreditamos serem fundamentais para
facilitar o desenvolvimento de um gestalt-terapeuta, podemos citar: a estrutura
de aulas teórico-vivenciais com características parcialmente construídas em
loco, de acordo com as especificidades inerentes ao momento singular de cada
aula. Uma didática na qual os alunos
não ficam como receptáculos passivos do conhecimento e sim como construtores
ativos de seu saber e de suas identidades como terapeutas. Um número reduzido de alunos - atualmente
trabalhamos com 10 alunos por turma. Mantivemos uma elevada carga horária
voltada para a prática supervisionada, que incluem primeiras entrevistas,
atendimentos individuais, atendimento de grupo em co-terapia, além de
atendimentos de casais e famílias em equipe com a presença de um supervisor que
participa do processo.
A experiência de
contextos diferentes de atendimento gera uma situação bastante adequada para
que o treinando construa uma identidade como terapeuta. Estar sozinho com o cliente
individual é bem diferente de viver uma situação de co-terapia onde duas
pessoas vivenciam juntas as peculiaridades de um processo grupal, tendo a
chance de se desenvolver tanto em função da situação do trabalho com o grupo,
como também em função dos aprendizados inerentes a construção da parceria
estabelecida na relação co-terapêutica.
Além, é claro, da possibilidade de troca própria de um trabalho em
dupla. A situação do atendimento familiar, com todas as suas peculiaridades,
também é extremamente enriquecedora, especialmente quando realizado em equipe,
contando com a presença do supervisor que tem a oportunidade de participar e
assistir ao trabalho do treinando ao vivo e a cores ao invés de apenas através
de relatos.
A superação dos
obstáculos normalmente traz consigo uma grande oportunidade de crescimento.
Além de termos conseguido manter o que consideramos um contexto riquíssimo para
a potencialização dos treinandos, o processo de tradução da estrutura do curso
para uma linguagem compatível com o modelo acadêmico nos trouxe também um nível
mais desenvolvido de organização e auxiliou no amadurecimento de nossas
estruturas institucionais. Em outras
palavras, pudemos crescer um pouco mais através deste diálogo estabelecido com
a ABEP (Associação Brasileira de Ensino de
Psicologia) e com o CFP.
A riqueza de uma
abordagem tão consistente precisa ser visível para a coletividade, pois é esta
visibilidade que torna audível a nossa voz. Se nós acreditamos no valor de
nosso discurso, é nossa responsabilidade divulgá-lo. Digo isso não só em função de uma responsabilidade social que
considero de extrema importância, mas também porque o reconhecimento social nos
traz melhores condições de trabalho. As pessoas normalmente procuram o que elas
conhecem e lhes transmite confiança.
Nossa abordagem tem se desenvolvido cada vez mais, ampliando sua
inserção no universo acadêmico, no atendimento clínico e em praticamente todas
as áreas da psicologia. A conquista de
reconhecimento dos centros formadores é um passo muito importante neste
caminho.
Quanto à
responsabilidade social, nós de fato acreditamos que aspectos ligados a valores
estéticos inerentes a gestalt-terapia devem ser divulgados para a construção de
um mundo melhor. Como exemplo o respeito e admiração pelas diferenças
individuais que está ligada a um respeito à sabedoria e ao equilíbrio interno
dos sistemas parece estar fazendo falta em nossa atualidade social. Este discurso talvez pareça piegas, mas
jamais devemos esquecer que quem chega aos nossos consultórios normalmente são
as pessoas que de alguma forma não conseguiram se ajustar a nossa realidade
social e este fato nos traz uma grande responsabilidade, pois lidamos com os
sintomas de desequilíbrio de nossa estrutura social e o que fazemos com isto tem
repercussão importante nos caminhos de nossa sociedade.
Uma abordagem como a Gestalt-terapia,
que busca continuamente uma postura mais humilde e mais rigorosa diante da
"realidade" e desta forma possui um discurso menos assertivo,
naturalmente vai precisar de mais esforço para se fazer compreendida. Se nós acreditamos que temos muito a dizer a
partir do ponto de vista Gestáltico, devemos fazer todo o possível para nos
fazer ouvir.
O fato de um curso de referencial gestáltico estar
entre os primeiros cursos a serem reconhecidos como “Especialização em
Psicologia Clínica” no estado do Rio de Janeiro nos parece um indicador
importante sobre o amadurecimento de nossa abordagem. Acreditamos que desta
forma estamos fazendo uma contribuição significativa para o desenvolvimento da
Gestalt-Terapia, até porque nosso movimento incentivará outros núcleos a
trilhar o mesmo caminho.
Marcelo Pinheiro da Silva