PACIENTES FORA DE POSSIBILIDADES
TERAPÊUTICAS ATUAIS: UMA ABORDAGEM ESTRATÉGICA.
MONICA
APARECIDA DE OLIVEIRA PINHEIRO
UNIVERSIDADE
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO
DE PSICOLOGIA
CURSO
DE PSICOLOGIA
PACIENTES
FORA DE POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS ATUAIS: UMA ABORDAGEM ESTRATÉGICA
POR
MONICA APARECIDA DE OLIVEIRA PINHEIRO
RIO DE JANEIRO
Resumo
O
presente trabalho consiste numa dissertação
teórica, a qual se fará através de um trabalho de pesquisa bibliográfica
sobre pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais tendo como abordagem
terapêutica a psicoterapia estratégica. Abordar-se-á mais especificamente o
trabalho com pacientes portadores de câncer,
em estágio avançado da doença.
O
trabalho se estenderá também aos familiares por se considerar serem estes de
grande relevância já que também sofrem o impacto da possibilidade da perda de
um ente querido com as conseqüentes
influências psicológicas e emocionais decorrentes do processo de luto.
A
equipe multidisciplinar também será
tema de discussão na presente
dissertação, considerando o impacto emocional produzido pelo trabalho
com pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais, onde estes
profissionais se encontram permanentemente em contato com as vivências da
doença e da morte. Serão também abordados os modos de relação que se estabelecem entre profissionais de saúde,
pacientes e seus familiares, tratando assim, dos diversos aspectos que envolvem
as vivências do adoecer, tratamento e
hospitalização de pacientes oncológicos fora de possibilidades terapêuticas
atuais.
SUMÁRIO
Introdução
07
1 A Psicoterapia Estratégica: Fundamentos
Teóricos e Modos de Intervenção Junto
ao Cliente 08
1.1
O Modelo SCORE
08
1.2
O Modelo VAKOG
11
1.3
Categorias
Intrapsíquicas 16
1.4
O Pacing e o
Leading 20
1.5
O Diamante de
Erickson 20
1.6 Os Cinco Níveis Lógicos 22
2 O Paciente Hospitalizado 25
2.1 Manifestações Psíquicas e Comportamentais do
Paciente Hospitalizado 27
2.1.1 Culpa 27
2.1.2 Negação
27
2.1.3 Raiva 28
2.1.4 Fantasias 28
2.1.5 Frustração 28
2.1.6 Impotência 28
2.1.7 Insegurança 29
2.1.8 Fracasso 29
2.1.9 Regressão 29
2.1.10 Dependência 29
2.1.11 Conformismo 29
2.1.12 Projeção 30
2.1.13 Isolamento 30
2.1.14 Desamparo 30
2.1.15 Pânico 30
2.1.16 Desconfiança 30
2.1.17 Despessoalização 31
2.1.18 Esperança
31
2.1.19 Ambigüidade 31
2.1.20
Hospitalismo Positivo 31
2.1.21
Hospitalismo Negativo 32
2.1.22 Estresse Psicorgânico
32
2.1.23 Agitação psicomotora 32
2.1.24 Agressividade 32
2.1.25 Medo Real 32
2.1.26 Medo Fantasmático 33
2.1.27 Comportamento Fóbico 33
2.1.28 Sensação de Punição 33
2.1.29 Sensação de Abandono 33
2.1.30 Limitação de atividades
34
2.1.31 Conflitos Quanto à Privacidade
34
2.1.32 Privação da Liberdade
34
2.1.33 Perda da Autonomia 34
2.1.34 Esquema Corporal Modificado
34
2.2 Conflitos na Área da Sexualidade
35
3 Descobrindo-se Frente a Possibilidade da
Morte: Algumas Considerações a
Respeito38
3.1 A Criança e a Morte 41
3.2 As Fases do Luto 44
3.2.1 Negação 44
3.2.2 Revolta 45
3.2.3 Barganha 46
3.2.4 Depressão 47
3.2.5 Aceitação 48
3.3 Aspectos psicológicos associados ao Câncer e
ao Luto 48
3.3.1 Respostas Psicológicas aos Sintomas Físicos
51
3.3.1.1
Dor 51
3.3.1.2
Anorexia 53
3.3.1.3
Falta de Ar 53
3.3.1.4
Fraqueza 53
3.3.1.5
Tédio 54
3.3.1.6
Paralisia 54
3.3.1.7
Mudança de Personalidade 54
4 O Paciente Fora de Possibilidades
Terapêuticas Atuais, Seus Familiares e
a Equipe de Saúde 57
4.1 A
Família da Criança Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais 60
4.2 A Criança Fora de Possibilidades
Terapêuticas Atuais e a Equipe de Saúde 63
4.3 A Comunicação entre Paciente e
Familiares 64
4.4 A Comunicação entre Equipe e Paciente 65
5 O Pesar 67
5.1 Os Profissionais de Saúde: O Contato com o
Adoecer e a Morte 74
6 A
Hipnose como Tratamento e Melhoria da Qualidade de Vida dos Pacientes Oncológicos 77
6.1
A Hipnose no
Tratamento do Câncer 77
6.2
A Hipnose no
Controle da Dor 81
7 Conclusão
86
8 Referências
Bibliográficas 90
Introdução
A
escolha pela temática sobre os pacientes fora de possibilidades terapêuticas
atuais, se fez por despertar grande interesse e motivação para o estudo e
aprofundamento de conhecimentos nesta área de atuação.
Outro
fator que mobilizou a execução deste trabalho foi o desejo de a partir de uma maior compreensão, e assim, tendo mais
recursos e ferramentas eficazes para a intervenção com os pacientes e seus
familiares, proporcionar-lhes meios para lidarem com a presença da
possibilidade da morte, mobilizando os próprios recursos interiores que
possuem, de forma a reduzir a sua angústia e sofrimento, amenizando o impacto
causado pela doença, e melhorando a qualidade de vida destas pessoas.
Esta
temática, pode então ser considerada de grande interesse para todos aqueles que
trabalham nesta área, além de possuir grande relevância social já que grande
número de pessoas se encontram na situação de pacientes fora de possibilidades terapêuticas
atuais, e assim, sendo grande a demanda de profissionais capacitados para uma
atuação mais qualificada e humana junto a estes pacientes.
O
trabalho tem como objetivo a produção de conhecimento, e consequentemente, proporcionar meios para uma intervenção mais
qualificada e eficaz junto aos pacientes fora de possibilidades terapêuticas
atuais e seus familiares, contribuindo desta forma com todos aqueles que se
dedicam ao trabalho com estes pacientes.
Considerando-se
os aspectos supracitados, o capítulo 1 trata dos fundamentos teóricos da
psicoterapia estratégica, citando alguns modelos de intervenção. O capítulo
2 faz uma descrição das manifestações
psíquicas do paciente hospitalizado. O capítulo 3 traça algumas considerações a
respeito da confirmação do diagnóstico do câncer e dos aspectos psicológicos
associados à doença e ao luto, tratando inclusive do conceito de morte na
infância. O capítulo 4 aborda o relacionamento que se estabelece entre o paciente, seus familiares e a equipe
de saúde e dos ruídos que podem surgir na comunicação entre eles. O capítulo
5 disserta sobre o pesar, incluindo os
profissionais de saúde, que se encontram em constante contato com a vivência da
morte. O capítulo 6 explana sobre a hipnose no tratamento dos pacientes
oncológicos e como ela pode auxiliar no controle do câncer e da dor.
Finalizando, seguem a conclusão e a referência bibliográfica deste trabalho.
Capítulo 1
Psicoterapia Estratégica:
Referenciais Teóricos e
Modos de Intervenção Junto ao
Cliente
O
terapeuta estratégico pode adotar diversos referenciais epistemológicos para
trabalhar com o seu cliente, desde que tenha conhecimento teórico e saiba como
utilizar as técnicas. Isto fornece a
ele mais recursos, variedades de
intervenções a serem utilizadas a fim de auxiliar o seu paciente, tornando o
processo terapêutico mais efetivo, produzindo os efeitos desejados em menor
tempo.
Na
terapia estratégica podem ocorrer atendimentos individuais, familiares e de
casal, assim como podem ser atendidas pessoas de diferentes faixas etárias.
Mesmo em atendimentos individuais, o terapeuta pode fazer o genograma, a fim de
se ter um conhecimento do contexto familiar daquele cliente e convocar a
família ou parte dela a fim de ser atendida em uma ou mais sessões familiares,
caso avalie ser necessário.
Como
cada cliente tem as suas idiossincrasias e é único, e a terapia deve ser feita
especificamente para aquele cliente. Repetir sempre as mesmas intervenções com
os diferentes clientes, certamente resultará no fracasso terapêutico com alguns
deles, já que uns responderão e outros não a uma mesma intervenção.
Desta
forma, quando o terapeuta tem variados recursos técnicos, ele possui maior
flexibilidade, e caso o cliente não responda a uma intervenção, por exemplo da
Gestalt, ele pode utilizar alguma outra técnica de Psicodrama ou da Programação Neurolinguística, que será
enfatizada neste trabalho.
1.1
O Modelo SCORE
O
modelo SCORE é uma técnica fundamentada na PNL (Programação Neurolinguística),
cujos teóricos são Richard Bandler e John Grinder. Quando se utiliza este
modelo, o terapeuta analisa cinco aspectos:
S = sintomas
C = causas
O = objetivos
R = recursos
E = efeitos
Sintomas
São as queixas que o cliente traz para o terapeuta a fim de que sejam
trabalhadas, e também as percepções do terapeuta, que pode identificar sintomas
não percebidos pelo próprio cliente. Este pode trazer como queixas ansiedade,
insegurança e tristeza. O terapeuta então, traça estratégias a fim de solucionar
o problema, ou se for o caso de algo que não possa ser mudado como a amputação
de um braço em decorrência do câncer ósseo, fornecer meios que permitam ao
cliente lidar com esta situação com o mínimo de sofrimento psíquico.
Causas
São as crenças que o cliente tem e também as do terapeuta relativas aos
fatores que podem ter originado os sintomas, e que estão contribuindo para a
sua manutenção. Podem ser consideradas
como causas da ansiedade a vivência da doença, o tratamento (que é bastante
invasivo no caso do câncer) e o medo da morte. Também inclui-se nas crenças do
terapeuta as técnicas, teorias e sistemas que serão por ele utilizados como
forma de tratamento, a partir do que ele acredita ser a causa dos sintomas e os
meios mais eficazes para o seu tratamento.
Objetivos (outcome)
Referem-se às metas que se deseja alcançar com o processo terapêutico.
Estas, devem ser sempre estabelecidas numa relação de co-responsabilidade entre
terapeuta e cliente, cada um assumindo responsabilidades a fim de se alcançar os objetivos propostos.
Os
objetivos devem ser estabelecidos na forma positiva. Ao invés de “Eu não
quero ficar ansiosa”, estabelecer como meta “Eu desejo ficar calma”.. Quando você pega um
táxi, o que você diz para o motorista? “Eu não quero ir para Copacabana” ou “
Eu quero ir para Barra da Tijuca” ?
Na
terapia, cliente e terapeuta precisam
saber aonde querem ir
Recursos Estado Atual Estado Desejado Obstáculos
Outra consideração
importante é que os objetivos devem ser bem especificados pelo cliente. No
exemplo supracitado é preciso definir o que é ficar calma (um dos objetivos),
assim como o que é estar ansiosa.
Estado
Atual |
Estado
Desejado |
Ansiosa:
está sem paciência, agredindo verbalmente os familiares Insegura: não consegue colocar a própria vontade,
fazendo o que os médicos e familiares pedem, mesmo contrariada Triste: chora diversas vezes |
Calma:
tratar os familiares de forma mais educada, polida. Segura:
poder expressar a sua opinião, respeitando a própria vontade e fazendo o que
deseja Alegre:
sentir-se mais aliviada, poder sorrir |
Recursos
Aquilo
que o cliente traz consigo e pode auxiliá-lo. São os potenciais do cliente, os
recursos que ele tem e utiliza como benefício, meio de lidar com a situação.
É
interessante que um determinado sintoma pode funcionar como recurso. Um
paciente oncológico, com medo de passar mal e ninguém perceber, pode utilizar
como recurso dormir com a luz acesa. Neste caso, o terapeuta, se avaliar que é
necessário intervir, deverá fazê-lo com muito cuidado, pois ao deixar de utilizar este recurso o
paciente pode não mais conseguir dormir (ou acordar várias vezes durante a
noite), se ainda tiver a crença de que pode passar mal e não ser socorrido, ou
desenvolver um outro recurso que seja prejudicial a ele como beber para
dormir. Caso não traga prejuízos ao
paciente, não há necessidade do
terapeuta intervir (afinal, o que há de
mal em dormir com a luz acesa? A não ser que o sono esteja sendo prejudicado e
consequentemente a saúde do cliente)[1].
Efeitos
São as
conseqüências decorrentes de se atingir os objetivos. É preciso que seja
analisado e discutido os efeitos da mudança na vida do próprio cliente e
daqueles que lhe estão próximos como os familiares, respeitando-se a ecologia.
O sistema de vida da pessoa é visto como um ecossistema, os vários aspectos
estão interligados e a alteração em um deles pode trazer interferências em
outro(s). O fato de uma esposa submissa, que tem dificuldades de se colocar,
começar a fazê-lo e não mais atender aos pedidos do marido prontamente, pode
trazer como conseqüência desta mudança o marido pensar que ela não gosta mais
dele, por achar que ela não está lhe dando atenção, advindo problemas na relação conjugal. É importante
que o terapeuta esteja atento a estes
fatores.
1.2 O Modelo VAKOG
Este
modelo é também fundamentado na PNL e toma como foco de observação,
análise e trabalho, as modalidades da
percepção . Algumas pessoas utilizam preferencialmente o canal visual, outras
usam mais o canal auditivo. Baseadas nestes canais constroem os seus mapas, a sua
representação do mundo. O terapeuta, conhecendo a modalidade preferencial do
cliente, isto é, a sua representação interna da realidade (VAKOG), poderá
intervir mais efetivamente, auxiliando-o. Para alguém que é visual, é melhor
utilizar expressões como: “Esclareça
um pouco mais para mim esta questão”, ou “Você consegue visualizar outras alternativas, que sejam melhores, para lidar com
esta situação?”. Desta forma, o terapeuta fala a linguagem do cliente, e
intervém mais eficazmente pois esta é a representação de mundo do cliente, produzindo efeito maior do que se dissesse: “Você consegue perceber outras alternativas, que sejam
melhores para lidar com esta situação?”,
que seria mais indicada para um cinestésico.
As
iniciais de VAKOG representam as cinco modalidades de percepção:
V =
visão
A =
audição
K =
cinestesia
O =
olfato
G =
gustação
Dependendo
do canal preferencialmente utilizado pelo cliente, este é classificado em
visual, auditivo, cinestésico, olfativo ou gustativo. O uso dos predicados (adjetivos,
advérbios e verbos), será diferente conforme
a modalidade preferencialmente utilizada.
O visual utiliza predicados como:
olhar, imagem, foco, imaginação, insight, cena, branco, visualizar,
perspectiva, luminosidade, reflexo, esclarecer, examinar, olho, foco,
antever, ilusão, ilustrar, observar,
revelar, prever, ver, mostrar, pesquisar, visão, obscuro, escuro, colorir,
...
As
frases típicas são aquelas que envolvem expressões visuais como:
Vejo ou veja o que você
quer dizer.
Temos os mesmos pontos de
vista.
Vemos da mesma forma ou com
os mesmos olhos.
Mostre-me o que quer dizer
com isso.
Depois, você vai olhar para
trás e rir.
Isso vai lançar uma luz
sobre o assunto.
Isso dá um colorido
diferente a questão ou ao seu ponto de vista.
Sem sombra de dúvida.
Tenho uma visão um tanto
obscura a esse respeito.
O futuro parece brilhante.
A solução explodiu diante
de meus olhos.
Com os olhos da mente.
Isto é um colírio para meus
olhos.
Como você vê isso?
Veja bem o que você vai
dizer.
O auditivo utiliza predicados como:
dizer, falar, ouvir, sotaque, ritmo, alto, tom, ressoar, som, monótono, surdo,
tocar, perguntar, audível, claro, discutir, proclamar, comentar, escutar,
gritar, perder a voz, vocal, silêncio, dissonante, harmonioso, agudo,
silencioso, mudo, barulhento, ...
As
frases típicas são aquelas que envolvem expressões auditivas como:
Estar na mesma sintonia.
Viver em harmonia.
Isto é grego para mim.
Fazer ouvidos de pescador.
Isso é música para meus
ouvidos.
Palavra por palavra.
Segure sua língua.
Outra maneira de falar.
Em alto e bom som.
Como isso soa para você?
Escute o que vou dizer.
Qual a sua opinião sobre o
que estou falando?
O cinestésico utiliza predicados como: contato, manusear,
tocar, empurrar, esfregar, sólido, quente, frio, áspero, macio, duro, mole,
agarrar, pressão, sentir, sensitivo,
estresse, tangível, tensão, concreto, suave, pegar, sofrer, pesado, apreender,
equilibrar, refrescante, prazeroso, ...
As
frases típicas são aquelas que envolvem expressões cinestésicas, sensações
corporais como:
Vou entrar em contato com
você.
Consegui captar a idéia.
Posso sentir nos ossos.
Ele tem um coração quente.
Ele é uma pessoa fria.
Ela é casca grossa.
Segure-se.
Isto tem uma base sólida.
Uma discussão acalorada.
Pôr o dedo na ferida.
Como você se sente em
relação ao assunto.
O olfativo utiliza predicados
como: cheiroso, aromático, fresco,
defumado, passado.
As
frases típicas são aquelas que envolvem expressões aromáticas como:
Isso cheira mal.
O gustativo utiliza predicados
como: azedo, saboroso, amargo, salgado, suculento, doce
As
frases típicas são aquelas que envolvam expressões gustativas como:
Um comentário ácido.
Uma pessoa doce.
Uma pessoa amarga.
Uma pessoa sem sal
Modalidades
|
Submodalidades
|
Visão
|
Bidimensional
/ tridimensional longe
/ perto grande
/ pequeno brilhante
/ opaco associado
/ dissociado |
Audição |
mono /
estéreo alto /
baixo grave
/ agudo claro
/ confuso |
Cinestésico |
forte
/ fraco localização
(acima, abaixo, na frente, atrás, ...) movimento
(rápido, lento, uniforme, ...) |
Olfato |
agradável desagradável forte
/ fraco |
Gustação |
Acre Doce Amargo Ácido |
É importante salientar que o que cada
pessoa possui as suas particularidades, as suas idiossincrasias e o que para
uma pessoa é considerado um bom volume para se escutar música, para uma outra pessoa
pode ser considerado alto, desagradável. Tome-se com exemplo uma mãe pedindo
para o seu filho adolescente abaixar o
volume do som. Um outro exemplo, é a temperatura do ambiente, que pode estar
agradável para uma pessoa, e a outra pede para diminuir o ar condicionado
porque está sentindo frio.
Observação
do Processo Visual em PNL
Vc Vl Ac Al K Di
Vc
= Visual construindo
Ac
= Auditivo construindo
K =
Sensação
Vl
= Visual lembrando
Al
= Auditivo lembrando
Di
= Diálogo interno
Exercício para Ajudar a Calibrar
Visual, Auditivo, Olfativo e Cinestésico
Bem,
agora vamos fazer um pequeno exercício.
Escolha um objeto
que você gosta (flores, fruta, bombom, pedaço de torta, ...) Imagine este objeto
Pense,
em que local onde você poderia estar recebendo de presente este objeto? (buquê
de flores, uma fruta, caixa de bombom, pedaço de torta, ...)
Sente-se
numa posição confortável e feche os olhos.
Imagine-se
então neste lugar. Procure perceber as pessoas, os objetos presentes neste
ambiente. Observe as cores deste deste local , se ele é claro, escuro.
Perceba
também os sons deste ambiente, talvez o
som de um pássaro, da água do mar, do
vento. Sinta o cheiro deste ambiente,
se é forte, fraco, agradável.
Imagine-se
agora recebendo este objeto quer você escolheu.
Observe
bem a cor deste objeto (fruta, caixa de bombom, pedaço de torta, ...)
Você
pode ver diferenças de cores / tonalidades entre as flores? Olhe bem. (nesta
fruta, entre os bombons, pedaço de torta, ...)
Agora
toque este objeto, sinta-o com suas mãos.
(a fruta, o bombom, o pedaço de torta,
...) . Perceba a consistência a
maciez.
(Caso o
cliente tenha escolhido algo comestível, pode-se pedir para que ele sinta o
gosto deste objeto, se é doce, salgado ou ácido)
Agora, abra os seus olhos.
Avaliação
Me
descreva tudo que você percebeu desde o momento em que mandei fechar os olhos
até agora. (Aqui também devem ser observado os predicados utilizados na
descrição.)
Descreveu
espontaneamente ? Em que ordem? (na ordem sugerida?)
Percepção
auditiva ? Percepção visual? Percepção cinestésica ?
Descreveu
por solicitação?
Percepção
auditiva ? Percepção visual? Percepção cinestésica ?
1.3
Categorias Intrapsíquicas
Este é
um modelo de avaliação, cujo teórico responsável é J. Zeig. O autor utilizou,
entre outras coisas, o VAKOG da Programação
Neurolingüística na construção deste modelo. O quadro que segue (Bauer, S., 1998, p.91), serve como
orientação para o conhecimento e trabalho com estas categorias, consistindo em
mais um recurso técnico que pode
ser utilizado pelo terapeuta.
CATEGORIAS INTRAPSÍQUICAS
|
A)
Fazendo Uso da Percepção e da Atenção |
(
) Interno:
voltado para dentro, preocupado com seus próprios problemas, sentimentos, sensações, não olha para
fora; ( ) Externo: observa tudo à sua volta, quer estar
bem ao olhar o outro, sabe sobre os outros. |
(
) Focalizado:
olhar sempre fixado a uma só coisa; (
) Difuso:
desloca o olhar o tempo todo. |
(
) Visual:
observa, usando palavras como: “Eu vejo, observo , olho,...” Usa os seguintes predicados: olhar, imagem, foco, imaginação,
insight, cena, branco, visualizar, perspectiva, luminosidade (brilho,
apagado), reflexo, esclarecer, examinar, olho, foco, antever, ilusão, ilustrar, observar, revelar,
prever, ver, mostrar, pesquisar, visão, olhar, obscuro, escuro, colorir,... ( ) Auditivo: presta atenção a música e aos sons
que desagradam. Fala: “Isto soa, ouça aqui, ...” Usa os seguintes predicados: dizer, falar,
ouvir, sotaque, ritmo, alto, tom, ressoar, som, monótono, surdo, tocar,
perguntar, audível, claro, discutir, proclamar, comentar, escutar, gritar,
perder a voz, vocal, silêncio, dissonante, harmonioso, agudo, silencioso,
mudo, barulhento, ... ( ) Cinestésico: corporal, tátil. Fala de sensações: “Eu sinto, eu percebo,
...” Usa os seguintes predicados: contato,
manusear, tocar, empurrar, esfregar, sólido, quente, frio, áspero, macio,
duro, mole, agarrar, pressão, sentir,
sensitivo, estresse, tangível, tensão, concreto, suave, pegar, sofrer,
pesado, apreender, equilibrar, refrescante, prazeroso, ... |
B) Processo de Elaboração |
( ) Linear: metódico, segue uma seqüência linear,
organizado, faz as coisas em seqüência lógica (1,2,3, ...) ( ) Mosaico: elaboração diversificada, vai ao
meio, volta ao princípio, depois vai ao final. Entremeia coisas num
determinado assunto. |
( ) Ampliador: positivo (exagera para o lado positivo); “... A hipnose é uma grande experiência,
fantástica ” negativo: (exagera para o lado negativo); “ ... este seu
problema ... que lhe traz tanta dor ... pode ser enfocado de uma maneira
sublime ... ) ( ) Redutor: qualifica de forma redutiva, menos
emoção. Olha um elefante e vê um
rato. Faz-se um transe mais circunspecto: “... E você pode reparar em certas
coisas que te interessam ...” |
Desequilíbrio: Observar qual das categorias acima
está mais desequilibrada. Utilize-a, levando-o ao equilíbrio. |
C) Categorias Interpessoais – Sociais |
Estrutura familiar: ( ) Filho mais Velho: protetor, dominante. ( ) Filho do Meio: rebelde, adaptativo, artístico,
comunicativo. ( ) Filho mais Novo: requer proteção, obediente,
conciliador. |
Região: ( ) Urbano: vive o presente, linguagem urbana. ( ) Rural: orientado para o futuro, plantas,
animais, tempo. |
( ) Intrapunitivo: minha culpa. ( ) Extrapunitivo: a culpa é do outro. |
( ) Absorvente: lua, aqueles que imitam, sugam energia, conhecimento.
Pensamento. ( ) Radiante: sol, doador. |
( ) Audaciosos: aventureiro, impulsivo, curioso,
explorador, vai à luta. ( ) Autoprotetor. necessita ir devagar, ponderado,
cauteloso. |
( ) Em estresse: agitado, gosta de muitas novidades:
esportes, dança, música. ( ) Em homeostase: calmo, gosta de comodidade, faz uma
coisa de cada vez. |
( ) Dominante (one
up): domina, comanda ( ) Submisso (one
down): submisso,
prefere ser comandado |
1.4 O Pacing e o Leading
Milton Erickson, sempre dava o passo do
tamanho que o cliente podia acompanhar, sempre respeitando seu tempo e as suas
habilidades. Caso desse um passo maior que o cliente podia dar, logo voltava,
dando um passo do tamanho que ele pudesse acompanhar. O pacing é você ir
acompanhando o cliente, o que pode ser feito através do espelhamento (ou
modelagem). Caso o cliente esteja com as pernas cruzadas, o terapeuta poderá
cruzar também as suas, estabelecendo um melhor rapport com ele.
O Pacing pode ser
feito a nível verbal, com o terapeuta utilizando palavras e expressões que
foram utilizadas pelo cliente, ou não verbal, falando ou respirando no mesmo
ritmo do cliente, e ainda espelhando a posição do cliente, cruzando os braços
caso este esteja com os braços nesta mesma posição.
O terapeuta também
pode fazer o espelhamento cruzado, que consiste em modular o cliente sem fazer
os mesmos gestos ou adotar as mesmas posições. Em um espelhamento cruzado, o
terapeuta pode espelhar a respiração de um cliente, falando ou fazendo algum
movimento no mesmo ritmo de sua respiração.
Pouco a pouco, ele pode ir fazendo com
que o cliente o siga (leading). Caso ele descruze as pernas ou se incline um pouco para frente e o cliente
o seguir, fazendo o mesmo, ou algo semelhante, o leading foi estabelecido. O
terapeuta, então poderá guiar o cliente e fazer intervenções mais eficazes, às
quais o cliente responderá, pois estará responsivo ao terapeuta. Caso o cliente
esteja bastante ansioso, respirando de forma acelerada o terapeuta pode começar
a falar mais pausadamente e o cliente diminuirá o ritmo de sua respiração. Isto
trará mudanças na fisiologia do cliente, fazendo com que ele vá relaxando.
1.5
O Diamante de Erickson
O Diamante de Erickson é um metamodelo
de psicoterapia, que nos propõe alguns modos de construir uma terapia
específica para cada cliente, respeitando as suas idiossincrasias e
especificidades. Sofia Bauer (2000, p.99) nos apresenta o metamodelo adaptado
por Jeffrey Zeig, que será também abordado neste trabalho. Inicialmente faremos uma representação
gráfica do Diamante, fazendo a seguir a discussão de seus pontos
Objetivo
Embrulhar
para Presente
Processamento
Posição do Terapeuta
Para
J. Zeig, a posição do terapeuta pode influenciar mais do que as técnicas no
resultado do tratamento (Bauer, op. cit. p. 105). Cada terapeuta tem uma
maneira , um estilo pessoal de trabalhar. Isto porque cada um tem um tipo de
lente, coração, músculos e chapéu. Para melhor compreensão destes aspectos,
observe as considerações abaixo.
Lente
Refere-se
à percepção do terapeuta. Como o terapeuta percebe o mundo, a si mesmo, o seu
paciente e os sintomas que ele traz
Coração
Representam
as emoções do terapeuta. Que tipos de emoções o terapeuta traz consigo? Como
estabelece relações afetivas com seus familiares, amigos e
clientes?
Músculos
Simbolizam
a força, os recursos que o terapeuta tem (referenciais epistemológicos,
técnicas, padrões de ação).
Chapéu
Está
relacionado às relações sociais do terapeuta. As experiências sociais por que
passou, o conhecimento das diversas culturas, como reaje e lida com as diversas
situações que podem surgir numa relação interpessoal.
Posição do Cliente
Idem a
do terapeuta, entretanto, relacionadas ao cliente
Objetivo
O
objetivo se refere ao outcome, ao que se define como meta. A terapia pode ter
vários objetivos. Na terapia ericksoniana, há alguns objetivos genéricos que
são os dois Rs - responsividade e recursos. Incluem oferecer novas informações
e recusos ao paciente, que antes não estavam à sua disposição. Cabe ressaltar
os três Ms da terapia de Milton Erickson - motivar, metaforizar e mover.
Embrulhar para Presente (Gift Wrapping)
Este
método de empacotar, de embrulhar para presente, pode se dar através das várias
técnicas disponíveis ao terapeuta (uma metáfora, uma confrontação de crenças
disfuncionais, ressignificação, interpretação ...)
Tailoring
O
terapeuta deve avaliar e decidir como
fazer a terapia sob medida para o cliente levando em consideração sua história
de vida, as categorias intrapsíquicas em que se enquadra e outros aspectos.
Processamento
O
terapeuta deve responder à seguinte pergunta: “Como vou dar e apresentar a
terapia sob medida e embrulhada para presente?” (Bauer, op. cit, p. 105) A
partir de então ele formulará o processo terapêutico, escolhendo as
intervenções a serem feitas e como serem feitas a fim de se alcançar o(s)
objetivo(s) proposto(s)
1.6
Os Cinco Níveis Lógicos
O
terapeuta estratégico pode fazer uma avaliação através do padrão dos níveis
lógicos para distinguir em que níveis estão as questões trazidas pelo cliente.
Uma vez que isto seja determinado isto, ele faz uso de suas habilidades de modelagem de PNL para
determinar mais especificamente que experiência subjetiva precisa de ajuste.
Os
cinco níveis lógicos se classificam em:
Nível Lógico de Identidade
Está associado
ao Sistema Nervoso Autônomo e Psiconeuroimunológico. Refere-se às crenças a
respeito de si mesmo. As intervenções do terapeuta neste nível lógico afetam
o auto-conceito e a auto-estima do
cliente. Nele está a resposta à pergunta "QUEM SOU EU?".
Nível Lógico de Crenças e Valores
Está associado ao Sistema Nervoso Autônomo e Psiconeuroimunológico.
Refere-se a autopercepção, às crenças a respeito do mundo. Intervenções neste
nível afetam a motivação e a permissão ao afetar as razões porque fazemos isto.
Responde à pergunta "POR QUE EU FAÇO ISTO?"
Nível Lógico de Estratégias
Está
associado ao Sistema Nervoso Cortical. Refere-se às habilidades, às estratégias
utilizadas para realizar algo. Intervenções do terapeuta neste nível lógico
afetam as ações comportamentais através de um mapa mental, uma habilidade ou
uma estratégia. Responde à pergunta "COMO EU FAÇO ISTO?"
Nível Lógico de Comportamento
Está
associado ao Sistema Nervoso Comportamental. Refere-se ao comportamento.
Intervenções do terapeuta neste nível Os esforços de comunicar-se ou mudar
neste nível afetam as ações específicas empreendidas dentro do ambiente.
Responde à pergunta "O QUE EU FAÇO?"
Nível Lógico de Ambiente
Está
associado ao Sistema Nervoso Periférico. Refere-se ao ambiente. Intervenções do
terapeuta neste nível afetam os limites externos dentro dos quais a pessoa tem
que viver e reagir. Responde às perguntas "ONDE e/ou QUANDO e/ou COM QUEM
EU FAÇO ISTO?"
Os
níveis lógicos podem ser “descobertos” pelos padrões de linguagem do paciente.
Então, observando o quadro que segue, se um paciente estiver falando sobre a
sua doença, usará as seguintes expressões, dependendo do nível lógico que o
paciente estiver focalizando:
NÍVEL LÓGICO |
AFIRMAÇÃO |
Identidade
Crenças
e Valores Estratégias
Comportamento
Ambiente |
"Eu
sou doente." "Câncer
é uma doença fatal." “Como
direi para minha família que estou com câncer "Seguirei
o tratamento fielmente." "No
hospital, não posso receber visitas a todo momento, como gostaria ." |
Assim, a PNL e demais referenciais teóricos a serem utilizados pelo
terapeuta em muito pode contribuir para o paciente fora de possibilidades
terapêuticas atuais, que se encontra em contato com a vivência de doença,
tratamento e hospitalização, muitas
vezes passando por processos psíquicos como a despersonalização ou perda da
identidade e regressão. Ocorre também a estruturação de defesas psíquicas por
parte destes pacientes e seus familiares como recursos, a fim de conseguirem lidar
com esta situação que mobiliza intensas emoções naqueles que passam por estas
vivências.
Capítulo 2
O Paciente Hospitalizado
O
paciente, ao ser hospitalizado, sofre uma ruptura na sua história e na sua
forma habitual de vida, vivenciando um momento caracterizado por um estado de
crise, o qual é agravado pelo processo de hospitalização, na medida em que este
interfere diretamente sobre o estado emocional daquele ser.
A
angustia desencadeada pela doença e pelo confronto com a possibilidade da morte
iminente, faz com que o ser possa se tornar psicologicamente mais frágil,
podendo resultar como conseqüência depressão e outras desordens psíquicas.
Soma-se a isto alguns fatores que envolvem a internação e o contexto hospitalar:
o paciente é retirado do meio sociocultural em que vive, sendo afastado
daqueles que ama e que geram a ele conforto e segurança. O sentimento de
solidão e desamparo é freqüente neste momento.
O
ambiente estressante, completamente estranho, cuja rotina difere da que está
habituado, e cheias de normas a seguir, restringe a liberdade do paciente, que
fica limitado a um corredor de enfermaria, e em casos mais graves, a um leito
hospitalar.
O
paciente também tem sua autonomia limitada pelo tratamento e pelas condutas
terapêuticas invasivas que lhe são prescritas, na maioria das vezes, sem que
ele tenha participado da decisão médica. Muitas vezes, nem mesmo lhe é
informado como serão os exames a que será submetido, acentuando o medo, a
insegurança e a ansiedade geradas pelo adoecer.
No
contexto hospitalar o paciente também participa direta ou indiretamente do
sofrimento alheio, além de ficar sujeito a experiências auditivas e olfativas
assustadoras e traumáticas, sendo exposto a estímulos como gritos de dor (física
e psíquica), cheiros de éter, excrementos e secreções de seu próprio corpo
e de outros pacientes.
Principalmente
no caso de doenças como o câncer que provocam acentuado emagrecimento, e cujo
tratamento quimioterápico produz como um dos efeitos a queda de cabelo; o
paciente pode apresentar uma alteração da sua imagem corporal e
conseqüentemente de sua identidade. Saliente-se que em alguns casos há
necessidade de se fazer cirurgias, com o paciente sentindo-se muitas vezes
mutilado. Tudo isto interfere no
psiquismo do paciente, podendo acarretar diminuição da auto-estima em
decorrência da modificação da autoimagem.
O
trabalho do psicólogo no hospital é bastante diverso e requer deste
profissional a habilidade para realizar os atendimentos em macas, no leito
hospitalar e nas enfermarias de diferentes especialidades, como é o caso de um
hospital geral. Este trabalho, freqüentemente, é realizado sem a menor
privacidade para o paciente, já que nas enfermarias isto nem sempre é possível,
sendo a arquitetura hospitalar
normalmente organizada de forma
a que os leitos sejam dispostos um próximo ao outro, havendo poucos
hospitais que disponham de um quarto no qual fique um único paciente.
Além
da falta de privacidade, o atendimento é muitas vezes realizado conjuntamente
com procedimentos terapêuticos e rotinas hospitalares, sofrendo interrupções.
Isto requer uma reformulação do profissional de psicologia, no tocante a sua
forma de atuação, já que o ambiente físico em que será realizado o atendimento
pressupõe privacidade, tranqüilidade e silêncio. Para pacientes com
dificuldades de expor suas emoções, com caracteríticas esquizóides ou
paranóides, este tipo de ambiente pode oferecer dificuldades ao atendimento,
servindo como um obstáculo para que o paciente possa falar livremente.
A
atuação psicoterápica voltada a pacientes hospitalares requer uma intervenção
imediata em relação à dor do paciente, com um grau de alívio tão rápido quanto
possível [Angerami-Camon (org), 2000, p.130]. Neste sentido técnicas que produzem
efeitos rápidos e eficazes, como hipnose, exercícios respiratórios e mesmo
massagens como shiatsu podem ser utilizadas em benefício ao paciente trazendo
alívio para as tensões.
As
enfermarias individuais podem facilitar o trabalho do psicólogo pela
privacidade e tranqüilidade que proporcionam, entretanto, são quase sempre
espaços iatrogênicos, desencadeando sentimentos de solidão, desamparo e
depressão. As enfermarias coletivas podem garantir aos pacientes a troca, o
relacionamento interpessoal e a vivência comparativa da situação de doença e
tratamento.
O
trabalho do psicólogo deve também envolver a família dos pacientes e enfatizar
a crise diante da morte e da perda, mobilizando recursos que lhes permitam
lidar da melhor forma possível com a situação em que se encontram. “Nessa
medida, a atuação deve se direcionar em um nível de apoio, atenção,
compreensão, suporte ao tratamento, clarificação dos sentimentos,
esclarecimentos sobre a doença e fortalecimento dos vínculos pessoais e
familiares.” (Angerami-Camon op. cit., p.136). A formação de grupos também pode
ser benéfica no sentido de permitir um espaço de reflexão e a expressão de
sentimentos daqueles que se encontram sob um processo de luto.
A
atuação do psicólogo deve levar em consideração alguns aspectos como:
·
Avaliação do grau de comprometimento emocional causado
pela doença, tratamento e internação;
·
Favorecer a expressão de emoções e sentimentos por
parte do paciente;
·
Fazer com que a doença e o tratamento sejam
compreendidos pelo paciente e favorecendo a sua participação ativa no processo;
·
Atuar em relação à humanização do tratamento,
minimizando as práticas agressivas, através do preparo para exames, cirurgias e
incentivo às visitas;
·
Fornecer apoio psicológico aos familiares dos
pacientes favorecendo a participação familiar no processo da doença;
·
Estimular a interdisciplinaridade e a troca de
informações entre os diversos profissionais (Angerami-Camon op. cit., p.152)
Acrescente-se
a importância do profissional de psicologia conotar positivamente a situação.
Isto pode parecer estranho e o leitor pode se perguntar: o que há de positivo
na doença ? Como exemplo podemos intervir no discurso de que está sendo difícil
suportar todo este sofrimento, dizendo que
esta pessoa está demonstrando uma força interior enorme, uma grande
capacidade para lidar com as situações adversas que talvez ela própria
desconhecesse.
2.1
Manifestações Psíquicas e Comportamentais do Paciente Hospitalizado
2.1.1
Culpa
Observa-se nas manifestações de depressão reativa e na
Depressão Maior, sendo importante distinguir-se se o paciente atribui a culpa à
causalidade interna ou externa, ou seja, se coloca sobre si a culpa pelo fato
de estar doente ou sobre o mundo. É importante também estar atento ao tempo que
esta está perdurando e se é de natureza mórbida ou reparadora.
2.1.2 Negação
Mecanismo de defesa que caracteriza-se pela não
inclusão, negação de afetos ameaçadores ao indivíduo. É importante avaliar a magnitude
e a utilidade deste mecanismo frente à crise do adoecer. Caso o paciente se
recuse a fazer o tratamento por achar que não está doente, está sendo
prejudicial. No entanto, se durante a fase de exames, o paciente se mostra
esperançoso, acreditando que os exames não constatarão nenhuma anomalia grave,
serve para protegê-lo, amenizando o impacto emocional e dando-lhe tempo de se
preparar caso o câncer seja constatado,
funcionando de forma benéfica.
2.1.3
Raiva
Manifestação psíquica que visa proteger o indivíduo da
situação tida como ameaçadora e invasiva imposta pela hospitalização e
tratamento, em que o paciente se relaciona de forma ativa com o outro, porém desorganizada.
2.1.4
Fantasias
Demonstram a capacidade criativa do indivíduo,
indicando formas de trabalho mental. Podem estar estruturadas com dados da
realidade ou não, com comprometimento do juízo de realidade. No indivíduo
hospitalizado podem estar relacionadas à expectativa diante do desconhecido
como exames e outros procedimentos, em que o paciente projeta no futuro e
estabelece formas de reagir e lidar, administrando a ansiedade.
As fantasias consideradas mórbidas também estão
relacionadas ao adoecer, entretanto caracterizam-se por estarem as elaborações
associadas ao processo de doença,
internação e tratamento sempre com características destrutivas e/ou
ameaçadoras.
2.1.5
Frustração
Reação normal diante das perdas. No paciente
hospitalizado decorre do tratamento e projetos de vida comprometidos pela perda
da saúde e pelas recidivas da doença.
Pode estar associada a estados depressivos ou à fase
de luto da revolta. Neste caso o paciente mostra uma postura ativa, mobilizada
pela raiva.
2.1.6
Impotência
Condição
frente à impossibilidade de reação à situação vivenciada pela pessoa (no caso
de doença e hospitalização). É
acompanhada de auto-estima rebaixada e sentimento de menos-valia. Assim como a fantasia, pode haver discrepância em
relação aos dados da realidade, ou seja, entre a impotência e a magnitude do
evento.
2.1.7
Insegurança
Sensação de perda de referências, como as familiares,
podendo estar presente em estados ansiosos, relacionados à situação de doença e
hospitalização ou oriunda de processos neuróticos, onde não haja fundamentos
reais para a insegurança.
2.1.8
Fracasso
Aponta a insatisfação, sendo esta dirigida a si
próprio, com rebaixamento da
auto-estima e sentimentos de menos valia, podendo indicar estado
depressivo.
2.1.9
Regressão
Caracteriza o aspecto comportamental de retorno a uma
forma de se relacionar com o meio, relacionado à maturidade emocional. É
importante observar se esta é circunstancial a algum evento ou procedimento
terapêutico ou se indica comprometimento das funções psíquicas. O paciente
adota uma postura infantil frente à sua doença, tornando-se dependente e
exigindo bastante atenção, convertendo-se, sua enfermidade, no centro das
atenções.
2.1.10
Dependência
Indica busca de fortalecimento do ego através de uma
identificação projetiva com um outro (equipe de profissionais, família, alguém
muito querido e em quem confia) considerado potente, o qual o paciente julga
capaz de resolver as situações adversas da doença e tratamento, delegando-lhe
esta função, assumindo uma postura passiva, não reflexiva e sem implicação com
a situação que está vivenciando.
2.1.11 Conformismo
Comportamento caracterizado pela passsividade, falta
de questionamento e resignação frente à doença e hospitalização, podendo ser
seguido de depressão. Esta aparente adaptação pode estar mascarando dúvidas,
medos e fantasias mórbidas, gerando desconforto psíquico.
2.1.12 Projeção
Mecanismo de defesa do eu, onde o paciente coloca
(projeta) no outro conteúdos internos próprios que não consegue integrar na
consciência e reconhecer como seu.
2.1.13
Isolamento
Forma de retirada, retraimento do indivíduo, do
convívio social. A hospitalização pode acabar favorecendo o isolamento por
condutas de tratamento como internações em Unidade de Isolamento e UTI. As
seqüelas a nível de esquema corporal que ocasionam a exclusão do paciente do
convívio social, assumindo a condição de doente, aquele que está próximo da
morte, prejudicando as trocas afetivas.
2.1.14
Desamparo
Caracteriza-se pela perda de referenciais significativos
na vida do indivíduo, como rotina de vida, hábitos pessoais, perda da
autonomia, necessitando, o paciente, se reorganizar e ajustar o seu modo de
vida à situação de doença. A rotina hospitalar, com horários rígidos e
distanciamento de vínculos significativos para o paciente, pode ocasionar um
quadro de depressão reativa de natureza ambiental no paciente.
2.1.15
Pânico
Estado psicológico onde prevalece respostas impulsivas
frente à situação ameaçadora, com utilização de mecanismos de defesa insatisfatórios
para administração da angústia, podendo chegar a um comportamento de fuga
hospitalar, frente ao descontrole sobre a situação de hospitalização e
tratamento. Deve-se avaliar a necessidade de recursos, sejam estes
medicamentosos ou não para diminuição da
ansiedade que o paciente apresenta.
2.1.16
Desconfiança
Manifestação psíquica relacionada à tentativa de
manter o controle ativo frente à situação ameaçadora. Pode relacionar-se à
situação nova, desconhecida e nunca experienciada, como é comum nas internações
hospitalares.
2.1.17
Despessoalização
Manifestação psíquica decorrente da hospitalização,
que implica perda de referenciais, e no qual o paciente é destituído de sua
condição de pessoa, com suas particularidades e singularidades. Ele é
destituído de seus objetos pessoais, de seus hábitos, tendo que se ajustar às regras do hospital. A intensidade
da manifestação pode variar de acordo com a idade, tempo de internação e
flexibilidade da instituição hospitalar. Pode levar ao rebaixamento da
auto-estima, adaptação exagerada ao ambiente, além de ansiedade e insegurança.
2.1.18
Esperança
Caracteriza-se pela permanência de projeto de vida e
expectativas frente a esta. É importante observar a relação entre esperança e viabilidade de concretização do
projeto, e a reação frente a possibilidade de não-realização do desejo; estando
também atento se a esperança é
acompanhada por dados de realidade ou se estes são suplantados em favor do
alívio que isto causa ao paciente e familiares, o que pode levar a uma frustração pela impossibilidade de
realização do projeto.
2.1.19
Ambigüidade
Caracterizada pelo duplo sentido ou conflito de opção,
onde a interpretação dada apresenta duplo significado, gerando dúvida,
incerteza e angústia. A comunicação que se estabelece na internação
freqüentemente apresenta tal característica. A
situação de tratamento também é geradora de ansiedade. Como exemplo
podemos citar a mastectomia, onde a paciente encontra-se frente a um dilema de
opção entre a retirada da mama e a evolução do câncer. Nos dois casos as perdas
subjacentes à opção são angustiantes, podendo gerar sentimento de ambigüidade.
2.1.20
Hospitalismo Positivo
Ocorre quando há adaptação à internação e à rotina
hospitalar, substituindo aspectos carentes do indivíduo, de maneira a reforçar
a sua auto-estima nos vínculos estabelecidos com a equipe de profissionais em
detrimento dos vínculos familiares e dos grupos sociais nos quais está inserido.
É importante observar que em virtude da situação sócio
econômica de nosso país, o hospital pode representar um “serviço de hotelaria”,
oferecendo alimentação, local para dormir em condições melhores do que muitos
pacientes estão acostumados a ter, além da atenção e cuidados que levam o
paciente a preferir ficar hospitalizado.
2.1.21
Hospitalismo Negativo
Esta manifestação tem em seu bojo a questão do
desamparo, atingindo de forma aguda a estrutura da personalidade, podendo
contribuir para a manutenção de estados depressivos. É importante ressaltar que
o longo período de permanência no hospital ou as freqüentes internações agravam
o hospitalismo, podendo o paciente desenvolver atitude de rejeição
hospitalar.
2.1.22
Estresse Psicorgânico
Decorrente de exigência física ou psicológica com
alteração em ambas as esferas do indivíduo, comumente observado no
pós-operatório e pós quimioterapia, entre outros, assim como em alterações do
ciclo circadiano e perdas abruptas sofridas pelo paciente.
2.1.23
Agitação psicomotora
Comportamento onde há ocorrência de movimentos
involuntários e fora do controle do indivíduo, podendo ser resultantes de
alterações orgânicas ou psíquicas, indicando alterações psicopatológicas ou
neurológicas.
2.1.24
Agressividade
Manifestação da pulsão agressiva que pode ser
autodirigida (com comportamentos de automutilação, autodepreciação) ou
heterodirigida, podendo a agressão ser física ou verbal.
2.1.25
Medo Real
Emoção ligada a um evento do mundo interno que afeta a
auto-estima, ou ao mundo externo,
estando o medo sujeito ao Juízo de Realidade. A vivência da possibilidade da
morte é um exemplo de medo que ocorre na hospitalização, sendo importante
identificar os mecanismos adaptativos
utilizados pelo paciente, se há paralisação ou movimento de autopreservação.
2.1.26
Medo Fantasmático
Difere do medo real por não estar sujeito ao Juízo de
Realidade, não havendo identificação clara do objeto ameaçador, sendo este
indiferenciado, desencadeando mecanismos primitivos de enfrentamento, sendo a
ansiedade de característica psicótica, intensa e confusional.
2.1.27
Comportamento Fóbico
Caracteriza-se por um comportamento de evitação ou
fuga da situação, objeto ou ser
ameaçador que desencadeia ansiedade incontrolável e temor intenso. De
acordo com Helmchen (1979), o temor é reconhecido intelectualmente como
“impróprio, exagerado, não fundamentado e se acompanha de resistência interna
que se lhe opõe. A consciência (insight) do caráter mórbido pode ser total,
parcial ou temporária. As fobias podem induzir a determinados atos, as chamadas
condutas de fuga.”
2.1.28
Sensação de Punição
Pode ocorrer relacionada a doença, percebida como um castigo,
havendo a prevalência de auto-referência, susceptível de elaboração em caso de
depressão reativa ou, em caso de
Depressão Maior, estando relacionada a uma forma específica de
auto-referência não susceptível à intelectualização e a dados de realidade.
2.1.29
Sensação de Abandono
Característica do desamparo, podendo ser esta real,
por distanciamento de familiares ou da equipe de saúde, em razão da dificuldade
de comunicação e troca afetiva com o paciente, afetando a auto-estima e a
aderência ao tratamento.
2.1.30
Limitação de atividades
Pode ser ocasionada pela doença ou tratamento, havendo
déficit de locomoção, postural e de comunicação, podendo levar a uma
passividade frente à hospitalização, ao tratamento e à vida.
2.1.31
Conflitos Quanto à Privacidade
Alteração na condição de intimidade, podendo ser
devido à despessoalização decorrente da internação ou relacionada à história de
vida, com perda da sensação de particularidade e acompanhada de sensação de
invasão.
2.1.32
Privação da Liberdade
Ocorre em decorrência da hospitalização e a imersão em
regras e rotinas as quais o indivíduo necessita seguir e não pode transpor sem
estar sujeito a sanções da instituição.
2.1.33
Perda da Autonomia
A vivência da situação de doença, hospitalização e tratamento acarretam a perda do controle
sobre o destino da pessoa, perda esta
que pode ser percebida como total ou parcial. Isto pode ser acentuado pela
postura, muitas vezes adotada pela equipe de saúde, de não incluir o paciente
na tomada de decisões em relação aos procedimentos que serão adotados durante o
tratamento, tornando-se o paciente uma figura passiva.
Além disto há, entre outros fatores que contribuem
para a perda da autonomia: o fato do paciente não escolher o horário de
alimentação, sendo este previamente determinado pela instituição
hospitalar. É importante que se tenha
bem nítida a compreensão dos limites e possibilidades impostos pelo adoecer, a forma de elaboração da doença pelo
paciente e a flexibilidade da equipe de saúde e família, que devem estimular no
paciente a autonomia e a condição de agente de sua própria vida.
2.1.34
Esquema Corporal Modificado
Alteração concreta no corpo do indivíduo, na qual está
implicada a consciência corporal e a representação psíquica do corpo. Pode
ocorrer nas cirurgias mutilatórias e ostomias. A perda dos cabelos, devido à
quimioterapia, o inchaço e o aumento de peso provocados pelos esteróides,
embora os pacientes soubessem que era este o tratamento necessário para o combate
ao câncer e preservação da saúde, são muito lastimados pelos que passam por
este processo.
É importante observar e intervir na elaboração do luto
decorrente da perda ou alteração ocasionada pela doença e tratamento,
auxiliando na reconstrução do corpo modificado, avaliando sua influência na auto-estima e viabilizando o retorno
da vida diária. (Angerami-Camon, op.cit.,
p.43-50)
2.2
Conflitos na Área da Sexualidade
Podem ser pregressos ou posteriores à situação de
hospitalização, doença e tratamento. Relacionam-se a questão da identidade
sexual, para a condição de ser e estar no mundo, busca de prazer e vínculos
significativos com o parceiro afetivo-sexual e amoroso.
O paciente colonstomizado (retirada do intestino) pode
achar que sua companheira sentirá nojo por estar bem visível no saco de coleta
os seus excrementos, dificultando o relacionamento afetivo-sexual. Averil Stedeford (op. cit, p.62) relata em seu
livro, o seguinte caso:
Jean e Ken tiveram de enfrentar este
problema. Jean descobriu que, quando Ken começou a não coordenar os movimentos,
ela cuidou dele como se fosse um enorme bebê. Mostrou-se-lhe de um modo
maternal ou como de uma enfermeira, em vez de como esposa. A mãe dele também
agia da mesma maneira; sentava-se ao lado de sua cama e segurava a sua mão.
Dentro de si mesmo, ele ainda sentia-se um homem. Sua face com barba e sua voz
eram de um homem, e ele queria saber por que não obtinha mais as reações que
estava acostumado a obter de sua esposa. Isto fez com que ele ficasse muito
deprimido, mas nada disse achando que devia agradecer o cuidado de quem estava
recebendo. Quando me encontrei com Ken e Jean, ele pôde falar sobre isto e ela
compreendeu, porque se deu conta que estava desempenhando, em parte, o papel de
enfermeira, a fim de ficar emocionalmente isolada. Foi a sua maneira de lutar
contra a mágoa pela perda do marido como ele era. Mas não o tinha perdido tão
completamente como pensava. Jean havia parado de despir-se no quarto onde ele
podia vê-la, pensando que isto só lhe causaria frustração, pois o lembrava de
que ele não podia mais manter relações como estava acostumado. Ken, nessa
ocasião, presumiu que ele tinha deixado de
amá-lo e nunca perguntou porque ela tinha mudado sua maneira de ser. Quando
este mal-entendido se tornou claro, ela voltou a dar-lhe o seu ‘show’ todas as
manhãs e noites, para o mútuo prazer. O reconhecimento de que cada um ainda
queria e admirava o outro, foi importante para a auto-estima de ambos.
A mulher mastectomizada pode considerar-se menos
mulher por não ter mais o seio, zona erógena e objeto de prazer sexual para ela e seu parceiro, achando que será
menos atraente pare ele, e que será rejeitada. Pode sentir culpa caso o parceiro
permaneça ao seu lado, achando que ele
merecia estar com “uma mulher completa” e que ao seu lado está sendo privado de
prazeres sexuais, além de sobrecarregado por ter de cuidar dela.
Maguire et al
(1978 apud Angerami-Camon op. cit) fizeram o acompanhamento de mulheres
mastectomizadas e sob controle de doenças benignas no seio, acompanhando-as por
pelo menos um ano após procedimento cirúrgico. A pesquisa mostrou que vinte e
cinco por cento das mulheres sofreram de ansiedade e angústia, numa intensidade
variando de moderada à grave, necessitando de
acompanhamento psiquiátrico, incluindo-se três que estavam gravemente deprimidas e tentaram suicídio.
Foram também avaliadas as dificuldades sexuais
daquelas que tinham uma vida sexual
regular e agradável antes da cirurgia. Trinta e três por cento desenvolveram
problemas sexuais e quase um terço dos casais não mais mantiveram relações
sexuais após a mastectomia.
Estas reações podem estar relacionadas em alguns casos
com o conhecimento de que a cirurgia
foi realizada devido a um câncer, mas em sua maioria estão diretamente relacionadas ao efeito mutilador da
cirurgia. As pacientes apresentam dificuldades de se olharem no espelho e
certificavam-se de que seus maridos também não viram as suas cicatrizes. A mastectomia torna-se mais
difícil para aquelas que possuem um casamento instável e sentem-se inseguras,
considerando que precisam manter-se sexualmente atrativas para ter a afeição de seus
maridos.
Alguns casais se ajustam muito bem a experiência da
operação. Para estas pacientes é importante a ajuda da equipe de saúde e
principalmente de seus maridos. Estes devem
auxiliá-las a olharem a cicatriz, assim como compartilharem a sua
preocupação em relação à reconstrução da mama e envolvê-las em atenção e
carinhos, e reiniciarem a vida sexual logo após a operação. Isto faz com que
se sintam amadas, atraentes e desejadas
por seus maridos, favorecendo uma boa autoimagem e preservando a auto-estima.
Desta forma, sentem-se mulheres exatamente como as outras. Quando o parceiro
age naturalmente, mostrando que a ama e
a deseja e que a mastectomia não faz diferença para ele, ela reage melhor pois
se para ele está tudo é mais fácil
estar tudo bem para ela.
O processo de hospitalização, desta forma, pode trazer
diversas conseqüências para o paciente, e a equipe de saúde deve estar atenta
não só aos aspectos orgânicos, mas também aos psicológicos apresentados pelo
paciente, acionando, quando necessário, o psicólogo a fim de que faça uma
avaliação e intervenha, a fim de auxiliar o paciente.
A situação torna-se mais crítica quando a internação
se faz em decorrência de uma doença mais grave, como é o caso do câncer. Há uma grande preocupação e angústia por
parte do paciente, dos seus familiares e amigos diante do diagnóstico, pois este implica em tratamento prolongado,
invasivo e na possibilidade da morte daquele que desenvolveu a doença.
Capítulo 3
Descobrindo-se Frente a Possibilidade da
Morte: Algumas Considerações a Respeito.
A possibilidade
da morte, de não mais existir, é ignorada pelas pessoas, permanecendo a nível inconsciente até que
se torne bem presente como no caso de doenças como a AIDS e o câncer. O fato de
não falarmos a respeito da morte, sendo este um tema tabu em nossa sociedade, e
de não nos darmos conta de que isto ocorrerá conosco em algum momento, é uma
defesa, um recurso para não entrarmos em contato com tão dolorosa realidade.
O
diagnóstico de câncer pode trazer para aquele que o recebe um sentimento de
impotência diante da doença além da sensação de a que a morte é iminente. A representação social do
câncer, envolve as crenças de que esta é uma doença incurável, de que é
o início do fim, que a morte logo virá. Soma-se ao medo da morte, o medo do
próprio tratamento, que pode ser percebido como doloroso, sofrido e cuja
eficácia é questionada, podendo não produzir a cura, apenas retardando o
partir.
O
câncer, então, pode trazer ao paciente e familiares uma grande carga de
ansiedade, relacionados não só à gravidade da doença, mas ao ajustamento que
ela requer pelo tratamento invasivo, traumático, além das limitações que pode
provocar no paciente (caso o tumor esteja nos ossos, acarretará dores e dificuldades de locomoção).
Geralmente,
no caso de um paciente muito ansioso, para quem o tratamento com ansiolíticos
produz pouco efeito, a história fornecida contém antecedentes de insegurança
oriundos de experiências traumáticas de separação ou perda que o deixaram em
constante vigília por se sentirem ameaçados. Isto por si só gera ansiedade,
sendo esta acentuada diante de uma
doença tão ameaçadora como o câncer.
Esses
pacientes podem ter suportado previamente experiências dolorosas como a perda de um ente querido utilizando como recurso
a negação ou outras defesas, ao invés de encarar a realidade e elaborar o luto
e os sentimentos que ele invoca.
Os
efeitos calmantes da morfina e diamorfina podem reduzir as crises de temor nos
pacientes que utilizam esta medicação para a dor. Uma pequena dose de diazepan
ou clobazam pode auxiliar, embora haja
pacientes que prefiram manter-se lúcidos e lutar contra o medo com seus
próprios recursos ou ajuda de um amigo.
A
ameaça de separação dos entes queridos produz grande ansiedade – a angústia da
separação - e estimula no paciente o
impulso de apegar-se a eles. Embora os adultos sejam menos dependentes do que
as crianças, formam vínculos muito fortes, e em períodos de crise desejam estar
em contato constante com aqueles que amam. A presença de um parente ou de
alguém que ama, traz tranqüilidade ao paciente. Desta forma, tanto pacientes
quanto parentes ficam mais tranqüilos do que se estivessem separados.
O medo
relacionado ao processo de morrer, de como se dará a morte, causa muito mais sofrimento do que a morte
propriamente dita. Caso tenha em suas
lembranças a morte de alguém próximo que tenha se dado em circunstâncias
dolorosas ou assustadoras, pode acreditar que a sua morte se dará em
circunstâncias semelhantes.
Principalmente
no caso de doenças como o câncer, em que se vê o sofrimento que a doença e o
tratamento trazem, o temor pode ser intensificado por achar que passará pelas
mesmas dificuldades e sofrimentos das outras pessoas que desenvolveram a
doença.
Cabe
ao terapeuta fornecer uma escuta e intervir na crença de que padecerá os mesmos
sofrimentos, mostrando que ele é uma outra pessoa, e que cada pessoa reage de
uma forma diferente ao tratamento e que mesmo pessoas com o mesmo tipo de
distúrbio, a evolução do quadro se dá de forma diferente. Há relatos de pessoas
que mesmo tendo ocorrido metástase do
tumor, ficaram completamente restabelecidas do câncer.
Outro
medo que pode surgir nos pacientes oncológicos é o da dor que o câncer pode
provocar. Alguns pacientes ficam surpresos ao saber que uma grande porcentagem
dos pacientes oncológicos em estado avançado não experimentam nenhum tipo de
sofrimento. No caso de pacientes que sentem muita dor, a qual não é tratada
satisfatoriamente, ou não tem respondido ao tratamento analgésico, mesmo que a
dor tenha sido controlada por algum tempo, podem associar a aproximação da
morte a uma piora da dor. Eles temem que o sofrimento seja tão insuportável que
percam o controle. Apesar de preferirem continuar conscientes, a maioria opta
por se livrar da dor e aceitam utilizar drogas que possam torná-los sonolentos
ou um pouco confusos.
Além
disto, o paciente pode ficar com receio de perder controle sobre a sua própria
vida. A sensação da perda do controle pode ser decorrente do afastamento, da
perda, do trabalho em função da doença. Uma
mãe ou pai pode ficar sem condições de cuidar de seus filhos, e as
demais atividades com as quais estava habituado, vão se perdendo.
Neste
momento é importante o apoio e a compreensão de amigos e familiares, a fim de
que preservem a sua auto-estima. Deve-se permitir e mesmo incentivar ao
paciente tomar decisão por si mesmo,
para que mantenha a sua autonomia e senso de poder. Mesmo quando a
doença impõe várias restrições, o paciente pode escolher o que comer, o que
vestir, quando tomar banho, o programa de TV que quer assistir. Há inúmeras
possibilidades de escolha.
Mais
assustador e constrangedor para o paciente é perder o controle das funções
corporais e mentais. Sentem-se envergonhados por urinarem ou evacuarem na cama
e necessitarem ser limpos e trocados por alguém. Os mais independentes são
os maiores afetados, sentindo-se
totalmente impotentes. Sofrimento ainda maior é a sensação de insanidade
iminente. A demência precoce e as alucinações assustam o paciente que teme ficar
louco.
Ocorre
ainda no paciente o medo da morte súbita. Isto ocorre geralmente nos primeiros
estágios da doença, mesmo que o médico diga que o câncer foi detectado na fase
inicial e há grandes possibilidades de cura. Isto está relacionado a um estado
de ansiedade do paciente e pode provocar insônia difícil de ser tratada com sedativos. O paciente
pode pensar que morrerá à noite, quando há poucas pessoas por perto e a piora
pode não ser notada. Desta forma poderá passar a noite acordado e dormir durante
o dia.
O
paciente cujo câncer provoca deformações, odores ruins ou mudanças marcantes na aparência pode se
recusar a ver os familiares e amigos, tornando-se solitário e depressivo. Pode
estar querendo poupar os parentes do sofrimento de vê-los no estado em que se
encontram, preferindo ser lembrado como era. No caso de parentes que o visitam
regularmente e a mudança se dá de forma gradual, a recusa ocorre com menor
freqüência. Aqueles que há muito tempo não vêem o paciente precisam ser
preparados para a mudança.
Alguns
pacientes pensam que em conseqüência das mudanças serão rejeitados pôr
familiares e amigos. Desta maneira, preferem tomar a iniciativa, recusando-se a
vê-los. Caso os parentes estejam em
condições e preparados para a visita, o paciente deve ser auxiliado a
compreender que é amado e querido. Ele geralmente concorda que se fosse o
parente que estivesse passando por esta situação, ele jamais iria querer
afastar-se. Também beneficia a reafirmação de que poderão eventualmente
lembrar-se do paciente em boas condições físicas. (Stedeford, op. cit., p.75)
Conversar
com o paciente sobre estes temores, tecendo conotações positivas, e reforçando
o seu ânimo e a sua auto-estima, ressignificando as suas crenças, muitas vezes
infundadas, e fazer exercícios de relaxamento pode diminuir a ansiedade e
auxiliar bastante.
3.1 A Criança e a Morte
A concepção da morte na criança,
inicia-se pela consideração da morte do outro para evoluir para a concepção de
sua própria morte. Relativizando a morte do outro como “você está
ausente”, indica que esta relação é
principalmente perceptiva e a ausência significa “não aqui e não agora”, pois a
criança, conforme a idade, não consegue distinguir entre distância espacial e
temporal (...) Neste sentido, a ausência para crianças não tem limites, pois
pressupõe recursos para assimilar o conceito de futuro e de tempo,
impossibilitando a distinção entre separações a curto, médio ou longo prazo e,
muito menos, separações irreversíveis.
[Camon-Angerami (org), 1998, p.78]
Segundo A Gesel (1985 apud Angerami-Camon op.cit.,
p.89), “A criança não entende a idéia de morte, preocupando-se apenas com a
separação”. A criança poderá sentir saudades, mas não atribuirá à morte seu
caráter definitivo A vivência da situação de doença e morte, poderá afetar o
seu desenvolvimento no tocante à autonomia, que é a principal característica do
período. Elas podem tornar-se apáticas, passivas. Além disso, por esta fase se
caracterizar pelo egocentrismo, podem acreditar que a doença e a hospitalização
foram causadas por elas próprias”.. Como resultado podem ocorrer sentimentos de
culpa.
Wasserman (1992 apud Angerami-Camon op.cit., p.90)
cita que a doença neste período pode afetar o controle motor e a competência
social da criança, pois ocorreriam menos oportunidades de ela ter “interação com os seus pares e aprovação
social” (ibid). Os pais, ou os
responsáveis pela criança podem, a fim de preservá-la, acabar limitando suas
atividades, tornando-se esta criança medrosa, apegada e dependente dos adultos
. Podem também se ressentirem por “não serem capazes como as outras crianças”.
Segundo A. Gesel (1985 apud Angerami-Camon op.cit., p.91) a criança, aos seis anos,
desenvolve uma nova consciência da morte, reagindo afetivamente à idéia de
morte e relacionando-a à idéia de doença e hospitalização. Entretanto, ainda
não acredita que morrerá.
Aos sete anos, a criança desenvolve a noção de causa e
efeito, podendo avaliar as
conseqüências do fato e passa a se
preocupar, segundo Gesel com caixões, funerais e cemitérios.
Segundo Wasserman (1992 apud Angerami-Camon op. cit.,
p.92) “por volta dos seis ou sete anos, a permanência da morte é entendida, mas
não pode ser vista como a conseqüência da cessação biológica”.
Aos nove anos, a criança, já adentrou a fase de
operações concretas e em função do desenvolvimento da noção de constância do eu
e do objeto, a concepção de morte aparece como um fenômeno biológico
permanente, o qual lhe provoca reações de angústia e luto.
Para Ajuriaguerra e Marcelli (1991 apud Angerami-Camon
op. cit., p.94) a noção de morte para a criança “se organiza em torno de dois
pontos essenciais, a percepção da ausência e, posteriormente, a integração da
permanência desta ausência”. Isto já propõe um “desafio intelectual”
(Kastenbaun e Aisenberg, 1983 apud angerami-Camon ibid). Assim, mesmo quando se
trata de crianças, ao contrário do que normalmente se pensa, elas possuem
sensibilidade e capacidade para a percepção da morte. A vivência da doença, o
tratamento a que são submetidas, e as mudanças em seu corpo, que são por estas
crianças percebidas e as fazem refletir sobre o que está acontecendo,
determinariam uma antecipação dos conceitos sobre a morte e elaboração deste
processo, podendo o conceito de morte ser elaborado antes mesmo do conceito de
vida.
Segundo Ajuriaguerra e Marcelli (1991 apud
Angerami-Camon op. cit., p.95) a experiência da doença traz como conseqüência
psicoafetiva a regressão, com a criança retornando a uma fase anterior de
desenvolvimento e mostrando-se mais dependente; e acrescenta que o sofrimento
pode estar vinculado a um sentimento de culpa, como se ela tivesse causado a
situação de doença.
A criança enferma pode apresentar sentimentos de culpa
por fantasias agressivas e sentimentos de raiva em relação a seus pais e
irmãos, e pela desestruturação familiar provocada pela doença. Ela pode
vivenciar a doença e a iminência da morte como castigo. Isto pode ser reforçado
pelas constantes hospitalizações, condutas terapêuticas dolorosas e limitações
que lhe são impostas pela doença.
Manifestações de ansiedade podem ser apresentadas pela
criança em decorrência de sentimentos de culpa, modificações de sua autoimagem
(causadas por amputações, emagrecimento, deformações) e condutas terapêuticas
invasivas, agressivas, e longos períodos de internação, que lhe são
traumáticos.
Pode também advir como conseqüência a depressão, que
se manifesta através de apatia, isolamento, tristeza e hipoatividade. Também é
afetado o esquema corporal da criança, proporcionalmente à duração, gravidade e
limites impostos pela doença
A criança doente hospitalizada possui grande
sensibilidade e capacidade de observação. Assim, capta as situações que ocorrem
ao seu redor, as reações daqueles que lhe estão próximos, sendo prejudicial a tentativa de os adultos
tentarem lhe ocultar os fatos. A falta
de respostas aos seus questionamentos, acabam gerando mais dor e conflito para
este pequenino ser.
Quando ela percebe o silêncio do adulto, acaba também
se calando. Percebe que o perguntar e o
entristecer-se pode causar desconforto aos pais, decepcioná-los. Assim, não
expressa os seus medos, sua dor e desejos com medo de ser abandonada.
O adulto omite, e até mesmo mente para a criança, como
se negando a situação e a dor, pudesse
anulá-la, mas acaba, ao contrário, acentuando o seu sofrimento.
Certa manhã, ao chegar à enfermaria, a equipe de psicologia
hospitalar foi chamada pela equipe médica que relatou que durante a noite,
enquanto tentavam, sem sucesso, salvar um bebê grave, recém-internado, perceberam um movimento na enfermaria ao
lado da sala de emergência e constataram que por uma fresta dos lençóis
pendurados um grupo de seis crianças agachadas inspecionavam o trabalho da
equipe médica. Descobertos, correram para seus leitos e lá permaneceram, mais uma
vez sem explicações sobre o que de fato estava ocorrendo.
Nesse dia, no grupo de crianças,
abriu-se espaço para o ocorrido. A.. N., mais uma vez como porta-voz do grupo,
expressou sua frustação e indignação pela falta de explicações e principalmente
por terem levado uma ‘grande bronca’ pelo que estavam fazendo. A psicóloga que
dirigia o grupo abriu espaço para discussão das fantasias e dos temores das
crianças, mas estas questionavam a conduta ambivalente da equipe.
Novas discussões com a equipe
resistente não evitaram que após uma semana, com a piora clínica de A. N., ao
necessitar ser encaminhada à sala de emergência, esta apresentasse uma grave
reação de descontrole, beirando ao pânico, negando-se a entrar na sala tão
temida. A equipe, diante das intensas reações da criança, ‘improvisou uma sala
contígua e, infelizmente, aprendeu, através do sofrimento de A. N., a
necessidade de rever as suas atitudes. (Angerami-Camon op. cit., p.86)
Ocultar a verdade, silenciar, não responder às
questões da criança, prejudica o processo de elaboração da doença e do luto,
permanecendo a criança na fase de negação da morte, sem passar para as
posteriores etapas de elaboração do luto, até a aceitação[2]
Falar abertamente com a criança, caso seu coleguinha
de enfermaria morra, e não dizer que ele foi transferido ou recebeu alta, é o
procedimento mais adequado e terapêutico. “Reações de descontrole e pânico
podem freqüentemente ser observada em crianças internadas onde os profissionais
de saúde assumem a postura de ocultar a morte ou piora clínica dos pacientes.
Em geral cria-se um emaranhado de mentiras sem retorno, com o agravamento das
capacidades cognitivas de todos os seus integrantes” (Angerami-Camon op. cit.,
p.85). As crianças podem ficar confusas e desenvolver um profundo sentimento de
abandono, solidão e desesperança.
Raimboldt (1979 apud Angerami-Camon op. cit., p.85)
refere que a elaboração do luto só ocorrerá se houver uma desindentificação e
desinvestimento de energia, a serviço da introjeção do objeto perdido. Este
processo se daria através de lembranças, atos, palavras e possibilidade de
expressão, liberando energia para o estabelecimento de novos vínculos.
Wasserman (1992 apud Angerami-Camon op. cit.,
p.85) escreve que
“os pais deveriam ser encorajados
a falar sobre a morte iminente com a criança ou adolescente. Isto permite que a
criança e seus pais expressem o seu amor e digam adeus; os pais geralmente
lamentam não terem feito isto após a criança ter morrido. Além da morte em si,
o que a criança mais teme é ficar sozinha, sentir dor e ser esquecida (...) Os
pais precisam dizer à criança que eles
estarão com ela quando ela morrer e que sempre se lembrarão dela.”
A atuação do psicólogo hospitalar com crianças fora de
possibilidades terapêuticas atuais, permitindo que participem de atividades
lúdicas, onde expressem suas vivências e emoções, é fundamental no sentido de
possibilitar-lhes experimentar a sua nova forma de ser. O brincar terapêutico
faz com que a criança experiencie a situação por que está passando, minimizando
o trauma e a dor dela decorrente. Através do ludismo, favorece-se a retomada do
equilíbrio e o fortalecimento da auto-estima, possibilitando-lhe descobertas,
alternativas, meios de lidar com a doença e com a possibilidade da morte.
3.2
As fases do Luto
Aqueles
que se encontram diante da possibilidade de morte iminente, passam pelo
processo de luto, de perda, o qual se divide, segundo Kubler-Ross, em cinco
fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
O
processo de luto se refere não só a morte, mas a qualquer tipo de perda que o
paciente sofra como no caso da doença (perda da saúde), hospitalização (perda
da condição de pessoa – despessoalização) e tratamento (sentimentos de invasão
e agressão, com sensação de impotência). O processo de internação poderá
acarretar outras perdas, podendo estas serem classificadas como mortes
simbólicas, com o indivíduo passando pelas fases acima citadas (Angerami-Camon,
op. cit., p.14).
Cada indivíduo possui a sua idiossincrasia,
suas características próprias, não sendo linear a evolução e o processo de
elaboração da doença. Assim, pode haver um retorno ou coexistência das fases
abaixo descritas
3.2.1
Negação
Fase que
se apresenta após o diagnóstico da doença, em casos de recidivas ou perda
familiar abrupta. Caracteriza-se pela negação da situação, incredulidade diante
do diagnóstico ou da morte do paciente. Uma frase muito característica desta
fase é “Não, isto não é verdade, não
pode estar acontecendo comigo. Houve algum engano no diagnóstico, ou pode ter
ocorrido troca de exames e este resultado não ser o meu”. O paciente, então passa a procurar outros
médicos e a fazer novos exames com a esperança de que o diagnóstico esteja
errado. Pode também ocorrer de o paciente simplesmente abandonar o tratamento,
agindo como se realmente não estivesse doente e não precisasse de cuidados
médicos.
Este é
um mecanismo de defesa do ego em que o paciente se dissocia a fim de minimizar
o contato com a situação traumática e assim proteger-se de uma desintegração do
ego, causada pela grande carga de ansiedade e pelo choque provocados pela
iminência da morte e pelos tratamentos invasivos como a quimioterapia e
cirurgias de mutilação.
A
negação pode ser parcial, com o paciente tendo conhecimento de sua doença,
falando sobre ela, mas ao mesmo tempo não estabelecendo com ela relação,
adotando atitudes de quem não está enfermo e
falando sobre a sua doença como se estivesse falando de uma outra pessoa
e não de si mesmo.
A
negação, caso esteja colaborando para manter a integração do ego e se permite
ao paciente um mínimo de contato com a realidade da doença, deve ser respeitado
como forma de o paciente suportar a ansiedade decorrente da possibilidade de
morte, além de gradualmente facilitar o processo de elaboração gradual que o
tratamento e a hospitalização lhe apontam.
É
importante observar que a negação pode gerar uma exacerbação do mecanismo de
defesa, levando paciente e familiares a não abordar o tema do adoecer e morrer,
estabelecendo-se um pacto de silêncio, que será prejudicial por adiar o de
luto, podendo este processo se tornar patológico.
3.2.2
Revolta (Raiva)
Nesta
fase, observa-se toda a decepção, revolta e raiva sentidos pelo paciente em
relação à situação de doença e morte que vivencia. Ele, então, se torna
agressivo, podendo a agressão ser auto ou heterodirigida.
Quando
a agressão é voltada para si mesmo, o paciente pode ter manifestações de
automutilação, que podem se manifestar através da recusa de se alimentar, de
tomar a medicação que ajudará no controle do câncer, sinalizando a desistência
do tratamento e a perda da vontade de viver. Neste caso o paciente é intrapunitivo, atribui à causalidade interna
a doença considerando-se responsável
pela ocorrência da mesma.
Quando
a agressão é dirigida àqueles que estão a sua volta, ele expressa todo o seu
incorfomismo e toda a sua raiva pelo que está vivenciando, deslocando-a para os
que lhe estão mais próximos. Este paciente é extrapunitivo, atribuindo à
causalidade externa a origem de sua doença, responsabilizando o mundo pela
situação em que se encontra.
Desta
maneira, o paciente interage com o ambiente de forma ativa, tentando readquirir
o controle da situação, muitas vezes de forma desorganizada, dirigindo ao outro
toda a sua raiva. Ele tenta mostrar a sua potência frente ao mundo, no momento
em que se sente fragilizado pela perda da saúde, da autonomia e da liberdade.
É
comum que aqueles se tornam alvo da agressão do paciente reajam a ela, seja
revidando ou se afastando. Os familiares, ao revidarem ou se afastarem, podem
provocar no paciente sentimentos de mágoa, abandono e de não ser compreendido,
acusando-os.
Estão
incluídos nesta consideração os profissionais de saúde. O afastamento ou a
contra-agressão só aumenta o descontentamento e a revolta do paciente, que
passa a acusar a equipe de incompetência e de não lhe dar a atenção e cuidados
necessários, demorando a atendê-lo, dificultando ainda mais o relacionamento
com o paciente que já está desgastado.
Este é
o momento que o paciente necessita de ser compreendido, aceito, respeitado,
ouvido, cuidado. É importante que aqueles a quem é dirigida a agressão
compreendam-no, que saibam que ele não guarda sentimentos de raiva em relação a
eles, e sim pela situação que está vivenciando, sendo eles, meros objetos em
relação aos quais é dirigido todo o seu descontentamento, toda a sua dor.
3.2.3
Barganha
Fase
caracterizada pela negociação, onde o paciente tem conhecimento da possibilidade
de morte como fato concreto e objetiva continuar projetos iniciados, o que
indica o uso de mais funções do ego por parte do paciente para enfrentamento da
crise e uma postura ativa diante dela.
Normalmente
observa-se a manifestação de aspectos religiosos na barganha, com o paciente,
por exemplo, pedindo a Deus que o mantenha vivo só até o casamento do filho;
que lhe dê melhoras, condições de ir à cerimônia. É também comum a busca de
outras formas de barganha por parte do paciente e familiares, como tratamentos
alternativos, cirurgias espirituais, etc.
É
importante observar se estas trocas, negociações são viáveis e benéficas ao
paciente. No caso do paciente oncológico, ele pode pedir ao médico que adie a
quimioterapia, que não a faça no dia da cerimônia, porque os efeitos colaterais
do tratamento poderiam impedi-lo de ir ao casamento.
A
barganha com a equipe pode aproximar pacientes e profissionais e viabiliza o
diálogo - a respeito das reais condições do paciente, limites e possibilidades
que a doença oferece - entre
equipe, paciente e familiares.
3.2.4
Depressão
Esta fase se caracteriza pelo contato do paciente com
a situação de perda da saúde e da possibilidade de morte. Esta vivência traz
como característica uma tristeza acompanhada de sinais depressivos de natureza
elaborativa. Esta elaboração é benéfica ao paciente que enfrenta a crise do
adoecer, pois a angústia existencial decorrente faz com que o paciente questione, faça uma reflexão e encontre
meios de lidar com a doença e o tratamento.
Angerami-Camon (op.cit., 40) relaciona algumas
características da depressão reativa:
·
“Entristecimento, todavia com permanência de
perspectivas existenciais;
·
Situação de perda (luto), claramente localizada no
tempo e no espaço histórico do indivíduo,
por ele percebida;
·
Sentimento de angústia ligada ao contexto de perda”.
Um
outro tipo de depressão é a depressão preparatória, na qual o paciente, ao
invés de levar em conta perdas passadas, leva em consideração as perdas
iminentes. Quando a depressão ocorre em
conseqüência das perdas iminentes dos objetos amados, “para o paciente o estado
de aceitação, o encorajamento e a confiança não têm razão de ser”
(Angerami-Camon op. cit., p.160)
A perda da saúde, e dos órgãos (que ocorre em cirurgias
mutilatórias) ocasiona o entristecimento, uma sensação de vazio. Torna-se
necessário a constatação e a elaboração deste luto; o paciente precisa entrar
em contato, vivenciar esta perda a fim de que ocorra o reforço da auto estima e
do autoconceito do paciente e ele possa lidar da melhor forma possível esta
vivência, se reorganizando e se
reestruturando emocionalmente. O terapeuta deve estabelecer protocolos de
segurança, preparando o paciente, a fim
de trabalhar esta perda de forma segura, preservando o paciente de
sofrimento e tensão desnecessários.
3.2.5
Aceitação
Fase
em que o paciente tem compreensão das suas possibilidades e dos limites
impostos pela doença, tratamento e hospitalização, tendo o paciente adquirido
recursos a fim de melhor lidar com a sua situação.
A
ansiedade do paciente está em um limite mais suportável para ele, sua família e
equipe de profissionais. Ele aceita a
sua condição, sua doença, sua morte e torna-se mais sereno.
Ele lamenta a perda de entes e lugares queridos, entretanto
contempla o seu fim próximo com relativa tranqüilidade.
Normalmente está cansado e fraco, tendo necessidade de
dormir com freqüência em intervalos curtos. É quase uma fuga de sentimentos,
como se a dor e a luta tivessem cessado e fosse chegado o momento de repouso
antes da longa viagem. A aceitação lhe traz paz e ele deseja ficar só. Nesta
fase os familiares precisam de ajuda, compreensão e apoio mais do que o
paciente (Angerami-Camon op. cit., p.160)
Segundo
A. Stedeford (1986, p.56), “A aceitação não é o mesmo que resignação. É uma
avaliação realística da situação clínica, conforme esta muda, com a
determinação de se ajustar da maneira mais adequada possível”.
O
paciente, tendo elaborado o luto e aceitando sua situação, mostra-se ativo em
seu tratamento, opinando, questionando e tomando decisões junto com a equipe
médica e familiares em relação à terapêutica adotada.
3.3
Aspectos Psicológicos Associados ao Câncer e ao Luto
“É uma das tarefas relativas ao desenvolvimento da
psique chegar a um acordo com a morte.” (ibid). Segundo o autor, o conhecimento
de nossa mortalidade permanece inconsciente a maior parte do tempo, como
conseqüência das nossas defesas psíquicas normais.
Diante da ameaça de morte, própria ou de alguém querido, essas barreiras psíquicas caem, são
rompidas. A pessoa então começa a pensar no que teria acontecido se ela tivesse
morrido. Preocupa-se se sua família ficaria financeiramente desestabilizada,
caso seja a fonte de sustento da mesma; se seus filhos ficariam largados, ou se
alguém cuidaria deles com carinho e estaria educando-os, principalmente quando
o outro pai se encontra ausente, seja por falecimento ou outras circunstâncias;
se os parentes suportariam a saudade ou teriam grande carga de sofrimento; etc.
Pacientes e familiares podem entrar em um quadro de
depressão. É importante o diagnóstico diferencial entre tristeza e depressão.
Indicadores como sono perturbado (insônia ou hipersonia), perda de apetite,
emagrecimento e diminuição da libido podem ser efeitos diretos da doença, assim
como a fraqueza, o cansaço e a labilidade emocional. Entretanto, o padrão
depressivo pode manifestar-se de manhã cedo, quando a dor foi controlada e o
paciente dormiu bem à noite.
Desta forma, é importante para um diagnóstico preciso
levar em consideração o discurso do paciente, estando atento principalmente aos
indicadores de auto-estima baixa e culpa indevida. O paciente pode achar que
está incomodando, atrapalhando e sobrecarregando a sua família com a sua
doença. (Stedeford,
op. cit., p.116)
No caso em que a doença perdura por vários anos existem algumas peculiaridades a serem
abordadas. Quando ocorrem vários
episódios em que a morte do paciente era bastante provável e ele se recupera, é
como se ele estivesse enganando a morte por várias vezes, e então, assim como
os seus familiares, passa a acreditar que sempre vai recuperar-se. Este é um
recurso adotado para proteger-se da tensão e angústia que a iminência da morte
provoca nele e nos que lhe estão próximos.
No caso de uma morte incerta em um prazo desconhecido,
a incerteza, a dúvida, podem acentuar ainda mais a ansiedade em alguns casos,
entretanto, a incerteza também pode ser fonte de esperança da cura, de que possa surgir uma nova terapêutica, de
que o câncer seja vencido e o ente querido permaneça vivo e bem.
Paciente e familiares, com o passar do tempo podem ter
suas defesas restabelecidas e então, a ansiedade diminui, embora as influências
psíquicas e comportamentais da possibilidade da morte continuem, podendo
ocorrer a nível inconsciente.
Outra possibilidade é a de o paciente e familiares não
poderem “defender-se contra a ansiedade, reprimindo-a, nem fazer-lhe face
acolhendo-a” (ibid). Os recursos empregados para lidarem com a vivência do
adoecer não estão lhe proporcionando a
segurança, a tranqüilidade e o equilíbrio necessários para enfrentarem
este momento tão difícil. Podem ocorrer no paciente manifestações de
hipocondria ou de obsessividade. Os parentes podem torna-se superprotetores,
restringindo ainda mais as atividades do paciente já limitadas pela doença,
retirando-lhe o mínimo de liberdade e autonomia que lhe restam.
As pessoas com câncer, mesmo após a remissão precisam
de um acompanhamento regular, ainda que se sintam bem pois há chances de
recidiva da doença. Quanto mais tempo permanece livre dos sintomas, menos
ansiosos e mais confiantes paciente e familiares se tornam, já que qualquer
sinal pode ser percebido por eles como indício de recaída e retorno da doença.
Há o temor de que a doença volte com mais intensidade e violência do que antes.
Considerando-se a grande carga de ansiedade e
sofrimento que o pensar sobre esta
possibilidade causa, é compreensível que paciente e familiares fiquem atentos a
qualquer sinal de recidiva, recaída da doença, ansiosos para fazerem tudo o que
possam a fim de evitar a ocorrência da morte.
Quando o paciente chega a um estágio avançado da
doença e a possibilidade da morte se mostra bem clara e concreta, todos ficam
tensos e chocados, estando despreparados para o evento morte. Isto ocorre
porque os seus ânimos foram minados por longo período de incertezas, férias e
lazer restritos, limitados; muitas vezes privando-se de noites de sono em
cuidados com o paciente, estando o mesmo na mesma situação pelas limitações e
dores decorrentes da evolução da doença.
Paciente e familiares estão estressados, desgastados
física e emocionalmente pelas vivências de doença, hospitalização e tratamento,
necessitando de ajuda especializada neste momento crítico em que a morte se faz
presença iminente.
Alguns pacientes crescem, amadurecem com esta experiência, tornam-se conscientes de
sua mortalidade e aceitam-na, usando as
suas energias não para tentar evitá-la desesperadamente, mas para aproveitar da
melhor forma possível o presente, na obtenção de maior qualidade de vida. Vivem
de um modo mais confiante e valorizam a existência em decorrência do contato
direto com a morte. Assim aproveitam esta experiência de forma positiva, como
um verdadeiro aprendizado e como fonte de crescimento interior.
Quando a recaída ocorre o paciente e os seus
familiares podem reagir com raiva e revolta, estando completamente frustrados e
decepcionados pois o tempo que passou livre de sintomas fez com que
acreditassem estar curado, encontrando-se dessa forma despreparados e muitas
vezes traumatizados pelas vivências anteriores da doença, temendo passarem por
situações ainda mais dolorosas.
O mais saudável para o paciente é aceitar a
possibilidade da morte sem que isto interfira de uma forma intensa na sua
maneira de viver, comprometendo a qualidade de vida deste paciente e de seus
familiares. Certamente, isto não é nada fácil, mas com auxilio terapêutico eles
podem elaborar esta experiência dolorosa lidando melhor com a situação de doença,
hospitalização e morte.
Cabe ao psicólogo e demais profissionais de saúde
auxiliarem paciente e familiares na utilização de recursos internos e também
externos a fim de passarem da melhor forma possível por todas estas vivências
encarando-as de forma a aceitarem a possibilidade da morte, mas também
mobilizando-se na utilização dos
recursos de que dispõem para transpor, solucionar, amenizar as
adversidades, focando-se na vida e que esta seja vivida de forma a torná-la o
melhor possível, não importando se será arrebatada pela doença ou não, se
viverá por um longo ou curto período de tempo; mas que esta existência seja
gratificaste, valorosa, com o paciente
apreciando o viver.
3.3.1 Respostas
Psicológicas aos Sintomas Físicos
3.3.1.1
Dor
A dor pode ser resultado direto da tensão muscular
decorrente da ansiedade. Dores de
cabeça tensionais, dores no pescoço, nos ombros, nos braços e nas costas são
reações secundárias à ansiedade.
Ocorre também, quando um movimento tem a probabilidade
de ser doloroso, devido a uma solidificação óssea secundária, de os músculos se
contraírem, sofrerem um espasmo, a fim de evitar o movimento, produzindo,
assim, uma dor secundária.
Um outro aspecto a ser abordado é que o paciente pode
estar usando inconscientemente a dor como meio de receber mais atenção ou de
adaptar-se a uma situação. Isto não deve ser entendido como se ele sofresse
menos ou que a dor não é autentica. A dor torna-se resistente ao tratamento
porque renunciar a ela exige enfrentar o problema e lutar contra ele de modo diferente.
“Peter tinha um tumor no fêmur que doía
muito e deixava sua perna inchada e sem movimento. Já estava se disseminando a
tal ponto que nem uma amputação oferecia a possibilidade de cura. Peter tinha uma
esposa jovem e um bebê; o casamento era infeliz, e ele presumia que, enquanto
permanecia no hospital, ela “saía com um dos seus colegas” e o bebê era
negligenciado. Ele provinha de uma família com muitos problemas sociais; seus
pais eram carentes de recursos, para sustentá-lo nesta tragédia. Quando foi
admitido pela primeira vez, estava preocupado com a dor e nada mais parecia ter
importância. A dor, gradualmente, foi controlada e os sintomas de ansiedade
emergiram claramente. Parecia impossível livrá-lo completamente da dor. Um dia
ele disse: “Francamente, sinto falta da dor; ela era terrível, mas, pelo menos,
não me deixava pensar em mais nada.” Peter precisava demais da dor. Seu
assistente social trabalhou intensamente com a esposa e com a família para
tentar ajudá-lo. A dor não desapareceu até que o relacionamento melhorou e ele
começou a chegar a um acordo de separação de sua mulher e filho, bem como
elaborar a perda de sua vida. Só então a dor física foi completamente
aliviada”. (Stedeford, op. cit., p.106)
A dor tem um significado para o paciente e depende
basicamente deste significado que ele atribui a ela a reação que terá em razão
da dor. Uma dor no estômago atribuída a uma má digestão ou gastrite difere, em
relação à ansiedade e medo provocados, daquela atribuída como resultado de um
câncer no estômago. Caso o tumor tenha ocorrido em um órgão diferente, o
paciente pode pensar em uma metástase. Se o estômago foi o local de origem, ele
pode pensar numa piora, recaída, caso o câncer já tenha sido controlado,
trazendo grande angústia ao paciente. Mesmo uma dor intensa pode ser tolerada
pelo paciente caso este atribua a ela causa de pouca importância e acredite que ela possa ser aliviada em
breve.
A dor crônica abate o paciente, diminui a sua capacidade
de concentração e ele não consegue distrair-se dela, mantendo-a em seu foco de
percepção. O paciente dorme mal, acorda cansado, irritado, deprimido. A
depressão aumenta se o paciente considerar que a dor não pode ser aliviada pelo
tratamento por ter uma causa progressiva que não pode ser tratada.
O uso de diazepam, que atua como ansiolítico e
relaxante do espasmo muscular, além da utilização de técnicas de relaxamento
(hipnose) podem auxiliar no tratamento da dor. Entretanto o uso de drogas
precisa ser bem avaliado pelo médico, pois pode causar efeitos colaterais
indesejados como a dependência química. A dependência psicológica também pode
ocorrer, com o paciente acreditando que só conseguirá relaxar se tomar a droga.
O fisioterapeuta ou o psicólogo podem auxiliar o
paciente a perceber a tensão física, da qual, geralmente não tem consciência e
ensiná-lo a relaxar os músculos. É interessante que a postura corporal
influencia o nosso estado mental. Experimente, por exemplo, deixar os seus ombros e pescoço caído, por
alguns instantes, como um depressivo. Que sentimentos você experimenta?
Pode-se ensinar ao paciente as técnicas de
relaxamento, assim ele dispõe de recursos próprios para alívio da dor. A
sensação de controle aumenta a auto-estima neste momento em que o desamparo,
associado com a doença, poderia deixá-lo pior.
Faz-se também necessário investigar junto ao paciente
o significado que este atribui à dor e implicá-lo no tratamento, discutindo com
ele a terapêutica a ser utilizada no controle da dor, tornando-o ativo em seu
tratamento.
É importante que se avalie se a causa da dor é
orgânica ou psicológica, pois alguns pacientes podem ter uma lesão orgânica e
sua dor ser considerada psicogênica, não se fazendo o devido tratamento. Uma
boa avaliação é importante a fim de se definir o tratamento mais adequado no controle da dor, dando-se mais
qualidade de vida ao paciente.
3.3.1.2 Anorexia
O paciente, muitas vezes, se sente desconfortável ao
ingerir a mesma quantidade de alimentos que habitualmente comia. Assim, passa a
alimentar-se um pouco menos, na medida em que se sente mais confortável. Os
familiares e equipe precisam compreender o paciente, aceitando a sua vontade se ele assim se sente melhor.
A intervenção só se faz necessária caso a redução ocorra a um nível em que
traga prejuízos à saúde do paciente.
3.3.1.3
Falta de Ar
A
falta de ar pode causar angústia no paciente, o que acentua a falta de ar
pela ocorrência de um mecanismo de
retroalimentação, gerando mais angústia. Este ciclo acaba se o paciente se
acalma, o que diminui o ritmo respiratório e consequentemente alivia a
angústia.
Algumas
vezes se faz necessário sedar o paciente, a fim de que ele durma, se
tranqüilize e descanse. Entretanto, é importante estar atento ao uso de
sedativos, que numa dose inadequada podem causar depressão respiratória.
O
paciente com sérios problemas respiratórios, consideram que a dificuldade de
respiração o fará sucumbir pela falta de ar. É importante que ele tenha um
espaço para falar de seus medos e de suas vivências, e compreenda que a equipe
utilizará a terapêutica adequada para aliviar a sua aflição.
Exercícios
respiratórios e de relaxamento podem aliviar a falta de ar e amenizar o
sentimento de perda de controle da situação.
3.3.1.4
Fraqueza
O paciente
pode ficar desolado em conseqüência de um sentimento de fraqueza,
principalmente se sempre fora uma pessoa ativa e independente. Pode sentir-se
humilhado, triste pelo fato de as pessoas precisarem fazer as coisas por ele.
A
questão da dependência está relacionada à fase de infância. Os adultos gostam
de considerar-se independentes e autônomos. Principalmente se consideram
independência e autonomia como sinal de maturidade. Buscarão conservá-las e se
sentirão muito pouco à vontade, envergonhados por necessitarem da ajuda de
outros para fazer o que estavam acostumados a fazer sozinhos, já que isto pode
representar para eles um fracasso,
trazendo sentimentos de inutilidade ou de culpa por estarem dando trabalho,
sobrecarregando as pessoas.
Necessitar
que alguém lhe dê banho, alimentação, pode ser mais bem aceito pelo paciente
caso aqueles que o circundam o façam também, tocando-o com naturalidade e
mantendo a sua auto-estima e dignidade, havendo também neste contato mais
próximo com cônjuges ou familiares trocas afetivas que confortam a ambos.
3.3.1.5 Tédio
Muitos pacientes dormem a maior parte do dia. Aqueles
que não conseguem ficam, muitas vezes, entediados. Não conseguem concentrar-se
por muito tempo em uma atividade, e as limitações da própria doença podem
restringir as atividades do paciente.
Dessa forma, os dias são preenchidos pelas divagações
do paciente que podem incluir fantasias e medos relacionados ao adoecer, ao
tratamento.
3.3.1.6 Paralisia
As condições neurológicas decorrentes das lesões do
sistema nervoso, quando o câncer atinge o cérebro ou coluna, podem causar
paralisia no paciente. É comum os parentes associarem desamparo físico a
regressão psicológica, tratando o paciente como criança ou de modo diferente do
habitual.
A fim de manter a auto-estima e a identidade do paciente é importante que
a família o trate da maneira o mais próxima possível do habitual.
3.3.1.7 Mudança de Personalidade
As pessoas muito doentes, especialmente ao se aproximarem
da morte, passam por experiência perturbadoras, chamadas de confusão. Este
termo é comumente usado para se referir a uma série de sintomas como perda da
noção de tempo e espaço, comportamentos inadequados, alucinações, conversa sem
sentido e paranóia. A causa pode ser
atribuída a diversos fatores: tumores cerebrais primários ou secundários
(metástase), drogas, perturbações bioquímicas e tensão psicológica relacionada
com a morte. (Stedeford, op. cit., p.121)
Fazendo parte deste estado de confusão, os pacientes
podem apresentar reações paranóides e acusarem médicos e enfermeiros de
quererem matá-los. Alguns pacientes se recusam a fazer as refeições achando que
ali foi colocado algum remédio que lhes fará mal.
Estes pacientes precisam da compreensão daqueles que o
cercam, pois comumente os consideram como um incômodo e o tratamento dispensado
objetiva controlá-los para que não causem transtornos. Os paciente que perdes o
contato com a realidade estão apavorados, principalmente quando percebem que algo
diferente está acontecendo com eles, suspeitando e temendo estarem ficando
loucos.
Inicialmente,
o paciente pode ter a consciência de que está agindo diferente, de que não é
ele mesmo e perturbar-se com isto. Pode beneficiá-lo dizer-lhe que é o tumor a
causa de sentir-se diferente, que é compreendido e não será depreciado por seu
comportamento.
Quem
mais sofre são os parentes, que ficam constrangidos pelas alterações
comportamentais do paciente que pode tornar-se rude, agressivo e ter desinibida
a sexualidade, causando vergonha nos familiares que podem acabar isolando-o do
convívio social, também privando-se
deste junto com ele.
3.3.2 Respostas Psicológicas ao Tratamento
O tratamento do câncer é bastante invasivo, com
procedimentos como cirurgias às vezes mutilatórias (amputações de membros e/ou
órgãos), quimioterapia, radioterapia e seus efeitos colaterais bastante
desconfortáveis para o paciente, refletindo em seu estado psicológico.
Para se obter
um resposta satisfatória e controle dos sintomas do câncer costuma-se utilizar
uma grande quantidade de drogas, com dosagem elevada. É importante ressaltar
que os esteróides utilizados podem ter efeitos psicológicos como a euforia.
Esta, algumas vezes é até benéfica, embora alguns pacientes se queixem de que
este bom-humor não é real. É importante se estar atento para que este estado de
ânimo não se transforme em mania ou hipomania. Os esteróides também podem
produzir uma depressão grave, havendo risco de suicídio ou reação paranóica.
Alguns pacientes dizem que não precisam de tantas
drogas, outros podem mesmo se recusarem a tomar o medicamento temendo os
efeitos colaterais como queda de cabelo (quimioterapia), inchaço (esteróides). Há pacientes que temem ficar viciados,
dependentes do medicamento. Outros, podem achar que a medicação encurtará a sua
vida, pois podem ter experienciado a morte de alguém pouco após o início do
tratamento, atribuindo a este a causalidade do ocorrido.
Nestes casos, uma boa explicação sobre a utilidade das
drogas e seus efeitos colaterais pode auxiliar e fazer com que o paciente tenha
uma adesão ao tratamento, evitando riscos desnecessários a sua saúde e
desconfortos como dor. Entretanto, caso o paciente se recuse a tomar o
analgésico porque provoca sonolência e prejuízo da vigilância ativa, e preferir
sentir dor, esta opção deve ser respeitada, pois a dor não oferece riscos à
saúde do paciente. O importante é discutir com ele as razões de sua decisão,
quais as crenças relacionadas ao tratamento que o fizeram não querer segui-lo.
Uma questão ética que se discute é se a função do
médico é prolongar a vida a todo custo,
mesmo com intenso sofrimento do paciente, ou dar-lhe qualidade de vida, mesmo
que isto lhe custe alguns meses de sobrevivência. Alguns pacientes não suportam
o tratamento, dizendo que estes causam mais sofrimento do que a própria doença
e desejam que ela siga o seu curso, interrompendo o tratamento e aceitando a
morte. Conotar positivamente o tratamento, colocando-o como um aliado, auxiliar
na recuperação e manutenção da saúde, ressignificando a crença de que o
tratamento só lhe traz desconforto e sofrimento, pode auxiliar bastante e
trazer-lhe novo ânimo.
Quando se discute com o paciente o tratamento e respeita-se sua vontade, diminui-se o sentimentos de falta de controle e os
efeitos do mesmo no psiquismo daquele que passa pela vivência do adoecer.
Receber o
diagnóstico de câncer, experienciando o adoecer, passando por todo o processo de tratamento, algumas
vezes, bastante invasivo e desconfortável, traz repercussões não só para o
paciente, mas também para seus familiares. Estes, ficam emocionalmente
envolvidos, preocupam-se e se solidarizam uns com os outros. Desta forma,
ocorrem alterações na dinâmica familiar, pois o sistema precisa se reorganizar
a fim de atender as necessidades daquele que adoeceu e as do sistema como um
todo.
A equipe de saúde, que trabalha diretamente com eles,
também sofre as repercussões deste momento tão crítico. Desta forma, faz-se
necessário que os profissionais que se dedicam ao trabalho com pacientes fora
de possibilidades terapêuticas atuais, tenham uma formação que lhes permitam
prestar um serviço qualificado a este paciente e a seus familiares.
Capítulo 4
O Paciente Fora de Possibilidades
Terapêuticas Atuais e seus familiares
A família representa para a maioria das pessoas um
esteio em relação a estruturação de vínculos afetivos e referenciais de apoio e
segurança.
As experiências pelas quais passa a pessoa
hospitalizada, geradoras de ansiedade, medo, sensação de desamparo e
fragilidade, pode muitas vezes levá-la a desenvolver comportamentos
regressivos; necessitando o paciente sentir-se amparado e protegido pelas
figuras familiares, as quais passam a ser solicitadas de diversas formas.
A família, então tem papel decisivo no auxílio à
adaptação do paciente frente ao episódio crítico do adoecer e da
hospitalização, contribuindo com o trabalho da equipe, ou em alguns casos,
comprometendo-o.
Podemos comparar a família a uma balança de diversos
pratos, cada um com seu peso e posições específicas, onde o acréscimo ou a
retirada de um deles compromete o equilíbrio da balança. Assim, quando o
sistema se vê privado de um dos seus membros em conseqüência do adoecer se
desequilibra, pois perde temporária ou definitivamente, um de seus pontos de
referência, apoio e sustentação.
A família, então, busca novas formas de funcionamento
e organização a fim de restabelecer o equilíbrio perdido pela crise decorrente
do adoecer e da hospitalização de um de seus componentes. A identidade e a
integridade do sistema, tal como fora constituído, encontram-se ameaçadas e
pode desencadear em seus membros, os mais diversos comportamentos:
·
O sistema pode mobilizar-se na intenção de resgatar
seu estado interior;
·
O sistema paralisa-se frente ao impacto causado pela
crise,
·
O sistema identifica benefícios com a crise e mobiliza-se para mantê-la
No primeiro caso, o impacto inicial causado pela situação
de doença e internação é substituído por um movimento em direção à recuperação
do paciente e de reintegrá-lo a seu lugar e
papéis no sistema. A família passa por uma crise e conseqüentemente por
estados emocionais de medo, ansiedade e
angústia. Todo o movimento se constitui no sentido de superação da crise. Cabe
ao psicólogo auxiliar na atenuação da crise e na mobilização de recursos para
enfrentamento da mesma.
O impacto emocional e as angustias decorrentes do
adoecer pode gerar questionamentos no sistema e fazer com que este venha a
buscar uma nova forma de identidade e
funcionamento. O psicólogo, então, intervém no sentido de viabilizar a
elaboração das vivências traumáticas e facilitar a reorganização do sistema,
que terá uma nova identidade e forma de funcionamento, em especial nos casos em
que a ameaça de perda fez com que a família reconsiderasse os seus
vínculos e questionasse a estrutura
afetiva a que estava submetida.
Uma nova organização se faz necessária quando a doença
impõe ao paciente seqüelas permanentes, impossibilitando o resgate do status
quo anterior que se perde. A identidade do sistema se perdeu de forma
definitiva, passando paciente e família por um período de desorganização, e
posterior reorganização, onde o sistema terá de se adaptar às limitações de
caráter permanente impostas pelo adoecer.
A. Stedeford (op.cit., p.96) relata o sofrimento que
ocorre pela perda de um papel considerado importante. Isto é ilustrado através
de casais onde só o marido dirigia automóvel e as esposas precisaram aprender a dirigir. Alguns se afligiam com
esta situação e “não gostavam da idéia de suas esposas assumirem o controle de
algo que consideravam privilégios seus e que lhes gratificavam”. Entre elas,
havia uma esposa que se desestimulou e
desistiu diante do descontentamento do marido, e ainda se censurava por não ter
sido boa esposa. Na verdade, o marido estava mais irritado com a sua doença do
que com o fato de a esposa dirigir.
Outro marido percebeu que era necessário incentivar a esposa e que seria bom
que ela passasse nos testes. O ressentimento inicial transformou-se em orgulho
de vê-la dirigindo.
O autor (ibid) faz ainda o seguinte relato:
Vera e Tony (...) tiveram
dificuldades em ajustar seus papéis com relação às tarefas de casa e cuidados
com as crianças. Tony ficou tão ansioso quando o médico lhe disse que Vera
estava com câncer que nem prestou atenção ao que foi dito sobre o prognóstico.
Compreendeu somente que ela tinha pouco tempo pela frente e que poderia
sentir-se melhor e viver mais, se ele assumisse todas as tarefas domésticas e a
deixasse descansar. Todas as manhãs, ele se levantava cedo, para fazer a lide
doméstica e levar as crianças à escola. Muitas vezes, antigamente, ele chegava
em casa do trabalho e a encontrava cansada e chorosa, por estar esforçando-se,
com dificuldade para preparar o jantar. Agora, ele a proibia de fazer isso, e
ela, por estar com um pouco de medo dele, concordava. Vera tornou-se
deprimida, queixando-se de que não
servia mais para nada e que era apenas um peso. Tony levou algum tempo para
compreender que, embora ele estivesse fazendo o melhor, isso estava deixando-a infeliz. Ela se sentia
desnecessária (uma situação que seria pouco tolerável para Tony) e culpada por
ele agora parecer cansado e ocupado. Ele aceitou a necessidade de ela ser útil
e o fato de que Vera, algumas vezes, podia fazer muito mais coisas e, de vez em
quando, até mesmo se cansar. Quando eles alcançaram um equilíbrio melhor, ela
ficou menos deprimida e ele menos cansado.
O psicólogo auxilia no processo adaptativo em busca do
equilíbrio e reestruturação do sistema, atuando nos diversos níveis de
identidade: pessoal, passando por uma série de papéis relacionais, os quais
definiam para o indivíduo e para o sistema o sentido de ser-no-mundo, que foi
comprometido, na forma como fora estabelecido anteriormente, de maneira
irreversível.
No segundo caso, o sistema se encontra num processo de
imobilidade, semelhante ao estado de choque, sendo que neste ele não é superado
num espaço de tempo relativamente curto como nos outros casos. A imobilidade é
diretamente proporcional ao grau de
importância do paciente na manutenção do equilíbrio e estrutura do
sistema e do grau de maturidade que a família possui.
O paciente, diante do sofrimento e da desestruturação
do sistema, pode sentir-se responsável por esta situação e tentar omitir dados
sobre o seu estado real até mesmo para a equipe de profissionais, na intenção
de voltar para casa, cuidar dos seus e amenizar o sofrimento dos mesmos.
Atitudes de rebeldia e refratariedade ao tratamento
por parte do paciente, podem ocorrer nestes casos, e não raro acompanhadas de
solicitação de alta a pedido. Atitudes de barganha também são observadas, como
uma tentativa de ter o paciente de volta ao lar, desempenhando os seus papéis.
Promessas e tratamentos alternativos são formas de barganha, entretanto com o
intuito diferente daquele que é descrito por E. Kubler-Ross; aqui o objetivo é
ter de volta o familiar a qualquer custo, mesmo que seja a vida do paciente.
A equipe de profissionais, em virtude deste
comportamento, pode desenvolver sentimentos de hostilidade em relação à família
e atitudes de superproteção ou também
de raiva em relação ao paciente. O trabalho do psicólogo se faz de extrema
importância, pois a adequada relação com a doença, sua aceitação e adaptação à
nova situação, são condições básicas para o trabalho da equipe.
No terceiro caso, o paciente protagoniza a posição de
bode expiatório. Este papel tem o objetivo de manter o equilíbrio do
sistema, o qual desloca e/ou projeta no
eleito todas as patologias das relações, as disfunções do sistema.
Nesta situação o risco reside em uma instalação de
comportamentos de cronificação da doença, o que é independente do caráter
realmente crônico que esta possa ter (o câncer hoje tem cura!), estabelecendo
com o paciente um padrão de
relacionamento no qual este só recebe atenção se agir e responder como doente.
Mesmo com a saída do hospital e a remissão do câncer,
o padrão instalado se mantém e ele só se torna aceito se assume o novo papel, o
de doente. A utilização do mecanismo de duplo-vínculo, somado ao grau de
comprometimento prévio da estrutura do sistema impõe esta nova ordem,
praticamente sem alternativas perceptíveis à pessoa. Tudo isto pode agravar o
estado clínico desta e levá-la a uma atitude de autodestrutividade.
Este caso é mais complexo para o trabalho do psicólogo
em função do Ganho Secundário presente no inconsciente do sistema; isto é, é de
todos e de ninguém ao mesmo tempo. Isto é bem característico das relações
paradoxais.
Processo semelhante também pode ocorrer de forma não
patológica em pacientes que tiveram que se ausentar da sua cidade e passaram
por longo período de tratamento. O
retorno a um lar que se reestruturou com a sua ausência implica uma nova
desorganição/reorganização do sistema, com uma nova forma de convívio. A
equipe, então deve favorecer o processo de reabilitação e reintegração social e
familiar do paciente.
A família, logo, tem importante papel em todo o
processo de adoecer e restabelecimento do paciente, auxiliando-o na sua relação
com a doença, tratamento e hospitalização; compartilhando com ele e apoiando-o
em toda a sua dor e angústia, se angustiando com ele. (Angerami-Camon op. cit.,
p.164-168)
4.1
A Família da Criança Fora de
Possibilidades Terapêuticas Atuais
A
possibilidade da morte de uma criança, gera na família intensa angústia e
desorganização psíquica, podendo ocorrer manifestações de tristeza,
perplexidade, angústia e insegurança.
A família,
ao ser confrontada com a morte, perde o seu senso de invulnerabilidade, de
imortalidade, tendo consciência e contato com esta possibilidade. Vale
ressaltar que a família, assim como o paciente, vivencia o processo de luto,
passando por suas diversas fases: negação, raiva, barganha, depressão e
aceitação.
A
família precisa se reestruturar, estabelecer novos modos de funcionamento
diante das constantes internações, do tratamento, muitas vezes oneroso, do
contato com os diferentes profissionais, da dor que acomete a criança, causando
nos seus familiares profundo sofrimento.
Representada como a capacidade humana de preservação, a esperança
mostra-se muito presente nas relações entre crianças terminais e seus
familiares. Através dela, a família busca a força psíquica necessária para
enfrentar a situação extremamente conflitiva de doença e iminência de morte.
Diferentemente da negação, a relação marcada pela esperança não interfere no
ajustamento ao processo da doença e é compatível com a aceitação da realidade
(...) Não Ter esperança é não ter
horizonte, não ter futuro, não ter
perspectiva, eliminando, assim, suas possibilidades de ser. (Angerami-Camon, op.cit.,
p.128-129)
A
família , se possui uma constituição rígida, fechada, que dificulte as trocas, terá
dificuldades em encontrar recursos para lidar com a situação e elaborar do
processo de luto. Da mesma forma, uma família dividida encontra dificuldades
pela precariedade das trocas afetivas e da capacidade de apoio intensivo entre
os seus membros.
Uma
dinâmica familiar anteriormente caracterizada pela impulsividade, agressividade
, rejeição e ambivalência, podem ter estes fatores acentuados e mesmos
exacerbados, desestruturando ainda mais o sistema. Assim, uma boa estrutura
familiar, facilita o lidar com a situação de doença e morte.
Garfinkel
et all (1992 apud Angerami-Camon op.cit., p.114-115) citam o funcionamento de duas famílias cujos
pacientes de 16 (J) e 15 anos (E) respectivamente haviam amputado o braço
devido a um sarcoma osteogênico.
“Enquanto a família do paciente de 16 anos apresentava uma
dinâmica anterior de apoio mútuo entre os seus membros, intensas trocas afetivas e uma postura
constante de compreensão, a do paciente de 15 anos já possuía, anterior à
situação de doença, uma dinâmica totalmente desestruturada. Os pais desse
adolescente, disputavam e dividiam abertamente o afeto entre seus filhos,
sendo que a mãe protegia o paciente e o
pai um irmão. A irmã mais velha havia fugido de casa para se casar. J., de 16
anos, foi capaz de elaborar a perda de seus braço, aceitando sua incapacidade.
Com apoio intenso da família aprendeu a escrever e a dirigir com a mão
esquerda, logo retomando suas atividades anteriores. No entanto, os pais de E.
separaram-se durante uma de suas internações para tratamento e o paciente
apresentava depressões freqüentes, necessitando de medicação e se recusando a
assumir qualquer tipo de participação ativa em seu tratamento, fugindo das
responsabilidades por tarefas extremamente simples. Para agravar a situação, E.
negava-se a reconhecer seus sentimentos, mantendo-se conflitivo e,
principalmente, intensamente solitário em seu sofrimento”.
A
representatividade da criança no meio familiar também é um fator que interfere
no modo como o sistema reagirá à situação. Caso ela represente uma decepção
para a família, não tendo sido desejada e se houve tentativa de aborto, e os
pais adiaram projetos por causa de seu nascimento, isto reflete no modo como a
família e paciente se relacionam e lidam com a situação de doença e morte.
A
família, sendo um sistema, mostra-se responsiva ao tratamento e às reações da
criança. Como cada membro possui uma forma diferente de sentir e reagir ao
adoecer, isto causa conflitos na dinâmica familiar e agrava aqueles
pré-existentes; ou ao contrário os deixam em segundo plano.
Aquele
que cuida da criança, fica sobrecarregado emocionalmente, e diminui as relações
estabelecidas como os outros membros. A criança passa a ser a figura central da
família e o subsistema parental fica fragilizado, não raras vezes assumindo uma
culpabilização. A família procura onde pode ter falhado, se na alimentação, se
no uso de anticoncepcionais por longo período antes da concepção, acreditando na possibilidade de que isto possa
ter provocado o aparecimento do câncer. Também associam situações como
traições, uso de drogas e outros como causa da doença, acreditando que estão
sendo punidos por algo errado que fizeram.
Reações
patológicas de superproteção podem ocorrer nas situações de culpabilização, com
demonstrações excessivas e irreais de amor e preocupação, como meios de
amenizar a culpa sentida pela família. A criança pode se ver em meio a uma
exacerbada preocupação de seus familiares com alimentação, uma repentina falta
de limites e satisfação de todos os seus desejos que a deixam confusa e
perdida. Pais rejeitadores podem desenvolver um sentimento de superproteção,
sufocando ainda mais a criança. Esta superproteção esconderia a não-permissão à
contestação, obrigaria a gratidão da criança , alimentando os ressentimentos e
frustrações. (Angerami-Camon, op. cit, p.116). Os familiares podem acabar
superprotegendo também os membros que não adoeceram, desenvolvendo-se um grande
nível de ansiedade de separação. Pode ocorrer ainda de os pais, no caso de
morte da criança, buscarem “repor” o filho perdido, programando uma nova
gravidez.
Algumas
famílias reagem se afastando do doente na iminência de sua morte. Isto é
decorrente da dificuldade que seus membros
apresentam para suportar o sofrimento do paciente, principalmente se
apresentam sentimentos de culpa, que podem ser intensificados pela dor da
criança e pela sensação de impotência dos familiares diante da situação; ou
mesmo por falta de recursos financeiros para permanecerem no hospital.
A
força para enfrentar a situação de doença e
morte advém da certeza de ser amado, respeitado, compreendido e amado.
Esses sentimentos são fundamentais para que o paciente e a família suportem o
impacto de um diagnóstico de câncer e o tratamento agressivo, invasivo,
doloroso, e a perspectiva de separação e morte.
A
atuação do psicólogo, deve se dar favorecendo o processo de adaptação desses
familiares ao enfrentamento desta situação. O profissional deve atuar em um
nível de apoio, atenção, suporte ao tratamento, expressão e clarificação dos
sentimentos, esclarecimentos sobre a doença e fortalecimento dos vínculos
familiares.
A
realização de grupos de apoio aos
familiares, que permitam aos pais colocarem suas emoções, esclarecerem suas
dúvidas e trocarem experiências, apoiando-se mutuamente, pode-lhes ser muito
benéfico na elaboração do processo de luto.
Além
dos grupos de crianças e familiares,
grupos mistos onde pacientes e familiares compartilham os seus
sentimentos são bastante eficazes, como também a atuação em salas de
quimioterapia.
O
acompanhamento no pós morte e a realização de grupos de apoio, facilitam à
família o restabelecimento do equilíbrio. É importante que imediatamente após a
morte da criança o profissional se prepare para a explosão de sentimentos dos
familiares, ficando atento ao uso de tranqüilizantes (se necessário deve ser
uma medicação leve sob prescrição médica),
que adiam o processo de luto e dificultam o expressar das emoções e do
encontro de alternativas e meios de lidarem com a situação de perda.
4.2
A Criança Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais e a Equipe de Saúde
A
equipe de saúde que atua junto a crianças fora de possibilidades terapêuticas
atuais deve se caracterizar pela capacidade de apoio, compreensão e humanização
do tratamento dado aos pacientes e familiares.
A
equipe de profissionais deve favorecer à criança a adaptação médica e
fisiológica, com seus tratamentos invasivos, a adaptação psicológica e
existencial à situação traumática. Esta
adaptação envolve os sistemas psíquicos complexos, constituídos pelo subsistema
de pacientes, familiares, e equipe de
saúde. Caso a equipe não tenha dado ao paciente um tratamento de qualidade e
humanizado, ela pode ser assolada por
sentimentos de fracasso, frustração e impotência.
A
equipe, assim como o paciente e seus familiares também enfrenta conflitos ao
lidar com a doença e com a morte, podendo estes se caracterizarem por uma
identificação com a criança e sua dor, passando por reações de afastamento
provocadas por sensação de impotência e angústia decorrentes do sofrimento
apresentado pela criança, que praticamente paralisam a equipe . Além disso, a
situação de doença e morte pode evocar na equipe a conscientização da
possibilidade de isto ocorrer com ela própria, trazendo-lhe fortes emoções.
Assim,
o temor da doença e da morte fazem com
que os profissionais se foquem na área orgânica do paciente, que lhes ameniza,
alivia a angústia decorrente do lidar e do manipular os próprios medos, receios
e inseguranças.
É
necessário que se tenha uma visão global do paciente, considerando-o em todos
os seus aspectos, vendo-o como um ser biopsicossocial e espiritual. Não se pode
considerar a doença como um fator isolado dos demais, sem relação com o ser
doente, seu ambiente, sua família e vivências experimentadas pela situação de
doença.
Segundo
Angerami-Camon (op. cit., p.137) as principais dificuldades encontradas pela
equipe ao lidar com a criança fora de possibilidades terapêuticas atuais são:
·
transmissão do diagnóstico;
·
transmissão da necessidade de mutilação cirúrgica;
·
lidar diretamente com a criança no sentido de
escutá-la e atendê-la;
·
lidar com os familiares antes e após o óbito;
·
discussão de efeitos colaterais com a criança e a
família;
·
sentimento de culpa por condutas terapêuticas
agressivas e insucessos;
·
depressão pelo acúmulo de perdas;
·
ansiedade e medo;
·
decisão sobre suspender as medidas terapêuticas diante
de prognóstico fechado.
Assim,
a realização de grupos terapêuticos com a equipe pode ser um excelente
instrumento para que esta se coloque e alivie a tensão e o stress causados pelo
constante contato com a situação de morte.
A
discussão de casos clínicos pode uniformizar o atendimento, promover a
elaboração de estratégias de tratamento e condutas mais eficazes, minimizando, desta
forma, o sentimento de culpa e impotência nos profissionais que lidam com a
criança fora de possibilidades terapêuticas atuais.
Realização
de seminários, de cursos de reciclagem
e a criação de um espaço de discussão entre os diversos profissionais podem
viabilizar alternativas para as dificuldades encontradas na realização do
trabalho com o paciente fora de possibilidades terapêuticas atuais.
4.3
A Comunicação entre Paciente e Familiares
Os pacientes
fora de possibilidades terapêuticas atuais normalmente sabem que estão
seriamente enfermos. Eles têm consciência de que estão ficando progressivamente
mais enfermos e que os tratamentos experimentados não estão produzindo
resultados satisfatórios. As pessoas a sua volta parecem preocupadas, ansiosas,
ou de uma forma distinta da habitual, especialmente animadas e atenciosas.
Eles,
percebendo que podem vir a morrer, quando “ousaram” fazer perguntas, receberam
respostas evasivas ou incentivos que pareciam falsos, apenas para animá-los.
Assim, alternam-se entre se responsabilizarem por serem demasiados pessimistas,
e a posição solitária de serem os únicos que sabem a verdade, que compreendem a
situação. Desta forma, evitam fazer perguntas por perceberem que estas causam
desconforto a quem são direcionadas. Suportam, então, tudo sozinhos, revelando
em suas expressões e comportamentos crescente ansiedade.
Falar
abertamente com o paciente sobre a doença e permitir que ele expresse os seus
sentimentos a respeito do processo de adoecer e morrer poderá ajudá-lo a lidar
melhor com todas estas vivências.
Célia (...) sempre foi uma mulher
ansiosa e seu histórico apresentava uma depressão periódica, que já tinha sido
tratada psiquiatricamente. Por causa disso, seu marido e seu clínico geral
concordaram em que seria melhor tentar esconder-lhe o diagnóstico, dentro do
possível. Quando ela me contou a sua história, ficou clara a sua frustração, pois não reagia ao
tratamento e estava, realmente muito ansiosa. Embora hesitante e muito
pesaroso, pois ela era jovem e, recentemente, havia encontrado a felicidade num
segundo casamento, eu lhe revelei o diagnóstico. Em resposta às suas perguntas
diretas, eu lhe declarei que ela teria, apenas, algumas semanas de vida. Célia respondeu-me
que “as coisas agora estavam fazendo sentido” e disse que tinha notado mudanças
nas atitudes de seu marido: ele hesitava em fazer planos para o futuro e tinha
o sono mais agitado. Achei difícil contar, mas quando me levantei para
deixá-la, Célia pegou minha mão e disse sorrindo: “Obrigada, por deixar minha mente descansar. Agora eu
sei o que fazer”. No dia seguinte o marido notou uma mudança na sua expressão
tão logo ele chegou. ‘Eu já sei’, ela disse, ‘e gostaria que saíssemos para uma
pequena férias em nosso lugar favorito, enquanto há tempo’. A dor que
a fez baixar ao hospital diminuiu e ela parecia mais forte. Desta
maneira, foi mandada para casa, poucos dias mais tarde. Eles viajaram e
aproveitaram muito. Logo em seguida, ela precisou ser readmitida, mas melhorou
o suficiente para voltar para casa, em outro fim de semana. Repentinamente, seu
estado piorou e ela então morreu. (Stedeford,
op. cit, p.92)
4.4
A Comunicação entre Equipe e Paciente
O paciente, vendo no médico uma figura representante
de saber e autoridade, e esperando que ele e equipe resolvam a sua situação,
que salvem-no, mantém assim, uma certa
dependência da equipe à qual faz perguntas a fim de saber o que esperam dele e
como se comportar para atender às expectativas da mesma. Inúmeras vezes, a
equipe “empresta” ao paciente auto-estima e segurança para que ele enfrente as
dificuldades advindas da doença e do tratamento; entretanto deve estar atenta
para não se tornar paternalista, e ao invés de auxiliá-lo, potencializar os
sentimentos de dependência, insegurança, impotência e passividade.
Há aquele paciente que nada questiona e de nada se
queixa, pois receia incomodar, temendo decepcioná-los, não corresponder às suas
expectativas e frustrar aqueles que estão tentando fazer com que melhore. O
paciente que age assim, mitificou a figura do profissional de saúde, e
consequentemente, se distanciou dele. Isto acaba prejudicando a relação entre
equipe e paciente, e o tratamento pois
aquela pode não contar com informações fidedignas por parte dele.
Outro fator que pode prejudicar o relacionamento entre
equipe e paciente é o uso, por parte do
paciente, do mecanismo de deslocamento. Neste caso, o paciente se torna
incômodo para a equipe quando a sua
raiva, em razão da iminência da morte, é direcionada aos profissionais de
saúde, que podem sofrer acusações (como de negligência) e agressões do
paciente. A terapia pode auxiliar o paciente a expressar esta raiva e liberar a
tensão e o sofrimento provocados pela doença.
Cabe a equipe compreender que a raiva e as agressões
do paciente não são pessoais, refletem a dor e o sofrimento oriundos da doença
e tratamento, e adotar uma postura que estimule o paciente a dialogar,
colocar-se e participar ativamente do tratamento.
Cabe ainda acrescentar com relação à equipe de saúde,
que depende da forma como se relaciona com o paciente, e do grau de respeito e
confiabilidade que ela passa, a colaboração daquele que está sob seus
cuidados. Desta forma, se a equipe valoriza o que diz o paciente, este se sente
compreendido, respeitado e valorizado. Assim, sente-se mais seguro e motivado
para falar sobre sua situação atual, seus antecedentes, estabelecendo um bom
vínculo com o seu médico e demais profissionais que integram a equipe de saúde.
Quando
há uma boa interação entre equipe de saúde, paciente e familiares este vínculo
é fonte de amor, aceitação, respeito e compreensão que funcionam como um
suporte, um holding, neste momento tão
delicado, atuando de forma a facilitar uma postura ativa e de esperança frente
a doença, e mesmo de aceitação da
morte, caso esta venha a ocorrer.
Capítulo 5
O Pesar
Quando
as diversas formas de tratamento tentados não obtiveram êxito e o câncer ocasionou
a morte do paciente a família se volta para o trabalho de aceitação da partida
do familiar, lamentando a perda, entretanto deixando-o partir e reorganizando a
sua vida.
A
tristeza neste momento é natural e perfeitamente compreensível, podendo as
pessoas superá-las utilizando os seus próprios recursos e com o auxílio de
amigos e familiares que neste momento apoiam-se mutuamente.
A
perda de um ente querido é uma experiência demasiadamente forte, desconcertante
e assustadora, trazendo àqueles que ficaram grande carga emocional. A tristeza
pode deixar a pessoa fragilizada. Uma palavra um pouco mais ríspida, e outras
situações que seriam bem toleradas podem produzir uma resposta de considerável
intensidade emocional.
Estes
precisam de alguém que lhes dê apoio para poderem lidar com a situação. Este
suporte pode ser feito através da escuta e de uma fala que seja capaz de
confortar os parentes e fazê-los compreenderem o que lhes está acontecendo e
encararem a morte como algo inevitável e natural.
O terapeuta
pode utilizar técnicas de hipnose e relaxamento, fazendo uso da seguinte
metáfora - TE DESEJO O SUFICIENTE!!!!
- no trabalho com os familiares:
No aeroporto, ouvi por acaso um pai e
uma filha em seus últimos momento juntos.
Foi anunciada a partida do avião, e próxima a porta ela disse: -"Papai,
nossa vida juntos foi mais do que o suficiente.
Seu amor é tudo o que sempre precisei.
TE DESEJO O SUFICIENTE, também, Papai!"
Beijaram-se despedindo e ela partiu.
Ele andou em direção a janela a qual eu estava sentado.
Ficando onde eu poderia ver que ele queria e precisava chorar.
Tentei não entrar em sua privacidade, mas ele me cumprimentou perguntando:
-"Você já disse tchau pra alguém sabendo que seria um adeus?"
-"Sim, eu já," - respondi. Trazendo de volta as memórias que tinha da
expressão do meu amor e apreciação por tudo o que meu Pai fez por mim.
Reconhecendo que seus dias eram limitados, eu tomei um tempo para dizer face a
face o quanto ele significava pra mim.
Então eu sabia o que aquele homem estava passando.
-"Desculpe minha pergunta, mas por que foi um adeus?"- perguntei.
-"Eu estou velho e ela vive muito longe.
Eu me recuso aceitar, mas a realidade é que sua viagem próxima será para o meu
funeral" - disse ele.
-"Quando vocês estavam se despedindo, eu ouvi te ouvi dizer 'TE DESEJO O
SUFICIENTE'.
Posso te perguntar o que isto significa?"
Ele começou a rir.
-"É um desejo que vem sido trazido de outras gerações. Meus pais
costumavam dizer a todos."
Ele deu uma pausa, olhou para cima como se quisesse lembrar com detalhes.
Sorriu ainda mais.
-"Quando dizemos 'TE DESEJO O SUFICIENTE', esperamos que a vida da outra
pessoa seja repleta de suficientes coisas boas para sustê-las".
Ele continuou, virando-se para mim e compartilhou as sentenças recitando da
memória:
Te desejo sol o suficiente para manter suas atitudes brilhantes;
Te desejo chuva o suficiente para que aprecies mais o sol;
Te desejo alegria o suficiente para manter seu espírito vivo;
Te desejo um pouco de sofrimento para que as pequenas alegrias na vida
aparentem ser muito maiores;
Te desejo ganhos e benefícios suficientes para que satisfaça sua espera;
Te desejo perdas para que aprecie tudo o que ganhar;
Te desejo 'Olás' para levá-lo ao 'Tchau'.
Então ele soluçou e se foi.
EU TAMBÉM TE DESEJO O SUFICIENTE!
Inicialmente,
logo após a morte de um ente querido, a pessoa enlutada pode experimentar uma
sensação de descrença pelo o que aconteceu. Reage como se conformando com o que
aconteceu e as pessoas a sua volta percebem a incongruência de seu ato. Ela
continua exercendo as suas tarefas rotineiras, como por exemplo ir trabalhar.
Entretanto possui uma sensação de que está vivendo um sonho, de que os
acontecimentos não são reais. Ocorre que ela se utiliza da dissociação como
defesa, como meio de se manter distante da situação traumática, até que tenha
reunido forças, meios para lidar com a perda, e possa assimilá-la.
O
membro da família, sobre o qual recaem as maiores responsabilidades, aquele que
sempre resolve os problemas, que ocupa o papel de sustentação e apoio dos
outros familiares, pode adiar a sua tristeza, ou preferir lamentar-se sozinho,
já que ele é “quem precisa” dar forças para os outros. Ele pode utilizar–se da
racionalização, baseando na idéia de que alguém tinha que ficar calmo, manter o
controle, enquanto os outros estavam perturbados. O retardo do pesar pode
trazer sérias conseqüências. Ele precisa ser ajudado a compreender que embora
se compreenda o desejo de evitar um pesar doloroso, esta é uma resposta natural
e necessária ao término de uma relação. É necessário que ele fale dos seus
sentimentos, que enfrente a sua dor para que possa aliviá-la. Quando ele não
expressa as suas emoções, reprimindo-as, pode ocorrer mais tarde uma doença psicossomática
ou outras relacionadas à depressão.
A
morte de alguém com a qual se tem um forte vínculo afetivo pode produzir o
desejo inconsciente de tentar encontrar aquele que morreu. A pessoa continua indo
à sepultura, quarto, e outros locais onde o ente querido poderia ser
encontrado, sem êxito. Os constantes desapontamentos pode levar a um sentimento
de raiva por ele ter partido, por tê-la privado de sua companhia. A manifestação da raiva pode ser considerado
um comportamento infantil, inaceitável. Dessa maneira, a pessoa fica
envergonhada e tenta escondê-lo, retendo dentro de si grande tensão emocional.
Esta
raiva pode ser dirigida aos profissionais de saúde, acusados de terem sido
negligentes, incompetentes, ou de terem feito um diagnóstico tardio, onde a
cura já não era mais possível. Pode também ficar irritado com a família e com
qualquer um que queira ajudá-lo.
Caso as pessoas a sua volta compreendam e não revidem, a raiva vai se
dissipando. Caso se afastem, a pessoa poderá sentir-se só, abandonada,
desamparada, achando que ninguém se importa com ela e tendo a sua raiva
aumentada.
As
pessoas religiosas podem ficar com raiva de Deus por Ele ter levado a pessoa
amada e perderem a fé. Desta forma, podem se afastar do grupo religioso a que
pertencem, onde poderiam receber apoio dos amigos e do líder espiritual. Podem
também perder a vontade de orar e sentirem-se desamparadas, abandonadas por Deus, o que contribui para
aumentar a ansiedade e a tristeza.
É
bastante comum que as pessoas repassem em suas mentes os fatos que antecederam
a morte, numa tentativa de compreendê-la. Nesse processo as pessoas pode
recordar momentos vividos com o paciente, pensar nas coisas que poderia ter
feito a fim de auxiliá-lo, indagarem se fizeram algo que magoou o ente querido
e até que ponto são responsáveis pela morte dele, podendo ocorrer sentimentos
de culpa, acentuando a tristeza.
A
ansiedade aparece como traço
característico da tristeza aguda. Faz parte da reação de alarme e perda de um
ente querido e é resultado da insegurança que surge quando são rompidos padrões
habituais de vida em conseqüência da morte da pessoa querida. Podemos citar
como exemplo a situação em que a esposa,
pessoa que cuidava dos filhos e estudava junto com eles para as provas,
enquanto o marido trabalhava e não participava tão intensamente da educação
deles, morre. Ele necessitará reorganizar-se assumindo responsabilidades e
atividades que antes não tinha, modificando os seus hábitos.
Caso
adotemos o referencial teórico da Terapia Cognitivo Comportamental, ou mais
especificamente do comportamentalismo, podemos dizer que um determinado
estímulo provoca uma resposta previsível. Caso este marido, ao chegar todos os
dias do trabalho fosse recebido por sua esposa com um largo sorriso e um beijo;
ele pode ficar confuso, desconcertado, entristecido ao chegar em casa nos
primeiros dias após o falecimento e não ter a sua esposa recebendo-o da forma
habitual.
Quando
esta rotina é quebrada, a pessoa pode sentir um vazio, como se as coisas
ficassem sem sentido, ou uma inatividade terrível até que, com o passar do
tempo, se estabeleça uma nova rotina. Isto é, em parte resultado do conflito entre dois desejos
opostos: de procurar o falecido e o de evitar qualquer coisa que possa trazer a
lembrança dele e o sofrimento pela perda. Isto pode causar grande inquietação e
a dificuldade de se concentrar e fazer algo produtivo.
Quando
ocorre a conscientização da realidade da perda, o enlutado sente muitas saudades,
e ocorrem oscilações do humor, ondas de tristeza. Segundo A Stedeford (op.cit.,
p.147), elas duram de alguns minutos até uma hora e voltam várias vezes ao dia,
especialmente em situações com os votos de condolências ou outras que o fazem
lembrar a pessoa querida.
As
pontadas de pesar são intensas e freqüentes na duas primeiras semanas, e então
começam a diminuir. As sensações corporais, devido a superatividade do sistema
nervoso autônomo são intensas, podendo a respiração tomar a forma de um suspiro
profundo. Perde-se o apetite e as funções intestinais sofrem perturbações pela
modificação do peristaltismo, ocorrendo diarréia, quando a ansiedade é muito
intensa e constipação quando surge a depressão. Os distúrbios digestivos são
bastante comuns e caso o tumor do paciente tenha ocorrido em algum órgão do
aparelho digestivo, tendo apresentado os mesmos sintomas, o enlutado pode achar
que está com câncer. As hipocondrias passageiras podem ser uma reação normal à
perda. Caso sejam persistentes requerem ajuda especializada. Elas podem ser
decorrência da situação de se estar sozinho para educar os filhos, em
conseqüência da morte da esposa. A preocupação com a saúde decorre da ansiedade
em relação a quem assumiria a tarefa se ele adoecesse, ou mesmo, morresse.
A insônia
é comum, havendo inquietação e sendo seguida, na fase depressiva, de uma
sensação de fadiga muito grande. É
importante colocar que caso o paciente tenha sido cuidado em casa e com seus
familiares tendo que cuidar dele durante a noite, a vigilância não cessa com a
morte, o sono é intermitente, com eles, muitas vezes, acordando sobressaltados,
como se o paciente estivesse ali, precisando de cuidados.
A
sensação de que o morto está presente pode ocorrer nos primeiros estágios do
pesar e serve como uma tentativa de minimizar o impacto da perda. Esta sensação
é confortante e a pessoa pode até mesmo
falar com o morto e sentir como se soubesse a
resposta que o ente querido daria, principalmente se tem a crença de que
existe vida após a morte. A pessoa pode ouvir a sua voz, confundir sons com os
passos do ente querido, ver a sua imagem no meio da multidão e ficar
desapontada ao perceber que a pessoa, na verdade, não está lá. Podem ocorrer
alucinações e o enlutado deve ser esclarecido que esta é uma reação normal e
não um sinal de que está ficando louco.
A
pessoa também pode assumir maneirismos do falecido, certificando-se através da
identificação que o ente querido não está perdido completamente. Estes sintomas
gradualmente começam a desaparecer, já que o funeral, a necessidade de se dar
um destino às posses do falecido e cuidar dos negócios que ficaram inacabados,
servem como meio de elaboração do luto. Surge, então a depressão e o desespero
que caracterizam o pesar.
Neste
período a pessoa pode sentir-se desamparada e apática. Continua a sua rotina, vivendo sem nenhum
interesse ou prazer. Pode se afastar das pessoas caso elas façam-na lembrar do
falecido. Os dias parecem iguais e o enlutado não consegue ver nenhuma perspectiva
de mudança. As tentativas de consolo normalmente não são bem sucedidas e
aqueles que lhe são próximos já auxiliam bastante fazendo-lhe companhia, mas
sem forçá-la demais até que demonstre os primeiros sinais de recuperação. A
partir de então, sentindo-se melhor, pode aceitar um convite para sair, sem ser
somente para agradar àquele que convidou. Talvez decida comprar algo novo, ou
seja, a vida parece que volta a ter beleza e sentido.
Alguns
sentem como se estivessem sendo desleais ao ente que partiu, caso comecem a
desfrutar a vida novamente. Outros, ficam presos ao pesar e isolam-se. Embora
fazendo com que se sintam sós e desamparados, isto os protegem da tensão do ajustamento a um novo papel, que se faz
necessária em virtude da morte de um familiar. É preciso coragem para assumir
um novo status social e familiar, isto gera insegurança e ansiedade, que
desaparecem aos poucos, dando lugar à confiança.
A
amizade e o apoio de pessoas que
passaram pela mesma situação pode ajudar no processo de recomeçar. Na maioria
das vezes, as pessoas enlutadas permanecem sozinhas, pois acreditam que não
encontrarão um outro relacionamento que substitua o antigo. Certamente, não
encontrarão um que substitua, na medida em que as pessoas são diferentes, assim
como as relações que se estabelecem entre elas. Entretanto, nada impede que
comecem um novo relacionamento, que possa lhe trazer
alegria e satisfação.
Quando
a tristeza passa, elas descobrem novos interesses e retornam às atividades que
haviam abandonado. A descoberta de que pode sobreviver e mesmo crescer,
aprender, com esta experiência,
fortifica a autoestima e a autoconfiança. Entretanto, pode haver algumas
complicações no luto, que ocasionam o que A Stedeford (op. cit., p.151)
classifica de pesar complicado. Ele refere-se a algumas delas:
·
Pesar adiado:
quando transcorre mais de duas semanas ante que se inicie. Pode ter início anos mais tarde, quando ocorre uma outra
perda, cujas reações são intensas. Podemos formular a hipótese de que houve um acúmulo da tensão referente ao
luto anterior que se expressa conjuntamente aos sentimentos da nova perda,
intensificando-os.
·
Pesar
inibido: a pessoa parece muito afetada por uma perda bem maior e o pesar típico
não aparece. Isto ocorre nas crianças muito pequenas e como conseqüência é possível o aparecimento de doenças
psiquiátricas no futuro. Nos idosos, a perda parece não perturbar tanto quanto
aqueles com idade inferior a 65 anos. Eles parecem estar menos envolvidos nos
relacionamentos e mais retraídos, o que pode ser parte da preparação natural
para a morte na velhice.
Algumas
pessoas cujo pesar foi inibido ou adiado podem desenvolver meios para evitar as
lembranças do morto. Outras, podem desenvolver uma irritabilidade ou
hiperatividade. Pode ocorrer o aparecimento de alguns sintomas, sendo a depressão
o mais comum. As drogas psicotrópicas, neste caso, não são muito eficazes e o
mais indicado é o tratamento do luto, incentivando a pessoa a falar sobre
aquele que partiu, trazendo para a terapia as lembranças referentes ao período
de convivência que teve com ele, fotografias do morto, rever os acontecimentos
que levaram a pessoa à morte. Técnicas de hipnose e relaxamento auxiliam
bastante no trabalho com o enlutado.
·
Pesar
crônico: não podemos determinar um tempo que seria necessário para a superação
de uma grande perda, sendo este processo gradual. Embora as pontadas de pesar
se tornem menos freqüentes em algumas semanas, elas podem reaparecer com grande
força se uma lembrança especial do falecido ocorrer. A data do aniversário do
falecido, o primeiro Natal sozinho e outras podem fazer ressurgir a tristeza.
O
pesar crônico vai além do tempo esperado e a pessoa apresenta muitos dos traços
da perda recente, embora vários anos tenham se passado. Isto pode ser efeito e
um processo de co-dependência, onde a vida daquele que encontrava sentido na
presença, existência do outro. Uma mãe cuja vida encontrava sentido em cuidar
do filho, tende a desenvolver um pesar mais grave, assim como uma esposa com
poucos amigos e que tinha em seu companheiro o amigo, o apoio, aquele com quem
podia contar. A morte de pais idosos, geralmente é bem tolerada, a não ser que
o filho tenha dedicado a sua vida à mãe ou ao pai, estabelecendo com eles forte
vínculo afetivo.
A
morte de um filho é uma das mais traumáticas, especialmente se ocorrida de
forma repentina, como no caso de um acidente. O pesar se torna mais demorado em
função da indignação, pois se espera, pela ordem natural das coisas que os
filhos morram depois dos pais; e também pelo inesperado da situação. Quando o
relacionamento é ambivalente, inseguro, mas com relação muito intensa, pode
haver sentimentos de raiva e culpa que adiam o trabalho de elaboração do luto.
O pesar prolongado pode ser uma defesa contra outro problema mais difícil de se
enfrentar. (Stedeford op. cit., p.154) relata que
“Uma viúva se convenceu de que nunca
superaria a morte do marido e nenhum processo conseguimos, através da
lamentação dirigida. Ela não queria reconhecer sua ligação intensa e possessiva
com seu filho solteiro, que não a deixaria enquanto ela estivesse naquele
estado. E as tentativas de confrontá-la com este fato resultaram no seu
afastamento da terapia”.
As
crianças que perdem um dos pais precisam de cuidados específicos, pois muitas
vezes, o cônjuge sobrevivente está tão triste que não consegue dar o apoio
necessário à criança. Caso aquele que partiu contribuísse financeiramente,
poderá ser necessário transferir-se a
criança para uma outra escola, compatível com o novo padrão de vida, afastando-a
dos amigos e dos professores com os quais estava familiarizada. Isto representa
novas perdas para as criança, o que torna o processo ainda mais traumático.
A
perda de um ente querido é uma experiência de mudança e ajustamento, que traz
consigo grande sofrimento, mas também serve como fonte de amadurecimento e
aprendizado, viabilizando o crescimento interior.
5.1
Os Profissionais de Saúde: O Contato com o Adoecer e a Morte
Os
profissionais de saúde estão constantemente em contato com as vivências do adoecer
e do morrer. Aqueles que trabalham com pacientes oncológicos têm este contato
de forma ainda mais freqüente, pois ainda que os avanços da medicina permitam a
sua cura quando descoberto ainda em estágio inicial, alguns tipos de câncer só
apresentam sintomas em estágio avançado, e quando é diagnosticado, as chances
de cura com o tratamento tornam-se menores, embora possível[3]
O
contato com o paciente fora de possibilidades terapêuticas atuais desperta
respostas emocionais bem específicas
em decorrência da tensão, podendo ocorrer fadiga, irritabilidade e outros
problemas. Isto pode acabar afetando a qualidade do trabalho e interferir na
vida pessoal e familiar.
Os
profissionais de saúde podem acabar utilizando como recursos para lidarem com
esta situação, altamente estressora, mecanismos de defesa. Estes, podem ser
bastante positivos, auxiliando a suportar a grande carga emocional advinda deste trabalho. Entretanto, podem
funcionar de forma negativa, trazendo prejuízos caso sejam usados de maneira
exagerada ou inadequada.
Um
destes mecanismos é a identificação. O profissional se coloca no lugar do
paciente a fim de melhor compreendê-lo e encontrar a melhor forma de lidar,
amenizar, solucionar a situação. Entretanto, é importante que ele tenha muito
claro a noção de não é o paciente. É extremamente difícil, e poderíamos
questionar se possível, saber exatamente como é a outra pessoa, como está se
sentindo e o que será o melhor para ela. O profissional pode identificar o
paciente com parentes e amigos, passando a cuidar deles como se fosse o seu
próprio filho. Isto o torna bem mais sensíveis e atenciosos, mas pode levá-lo a
um envolvimento prejudicial. A situação se torna problemática quando o
profissional pára de perceber que está fazendo uso da identificação e se
vincula de tal forma ao paciente que começa a ficar preocupado e sobrecarregado
pela emoção, prejudicando, assim, a sua atuação
enquanto
profissional e a eficiência de seu trabalho.
Alguns
médicos podem mostrar-se reservados e mesmo distantes, temendo o as
conseqüências de um envolvimento muito
forte, e acabam negando ao paciente algo fundamental ao tratamento: a boa
relação médico-paciente. Há pacientes que se queixam da
distância
destes profissionais, que pode significar para aqueles falta de sensibilidade
e/ou desinteresse, prejudicando a comunicação entre eles. Isto é prejudicial na
medida em que o paciente se fecha, se cala, ficando cheio de dúvidas em relação
ao tratamento e a sua doença. Ele, então pode desenvolver uma série de
fantasias em relação ao que acontecerá com ele, aumentando o seu sofrimento.
Alguns
médicos agem desta forma para disfarçar a tensão e a ansiedade pelo sofrimento
do outro. Eles, ao falarem com o paciente sobre a sua doença, podem fazer uso
de defesas como a racionalização (os pacientes não querem saber),
intelectualização (falando sobre estatísticas de cura). Às vezes falam
rapidamente sobre o diagnóstico e o prognóstico da doença, saindo logo em
seguida, utilizando como recurso o mecanismo de fuga.
“Nós
cuidamos melhor dos pacientes terminais na medida em que nos permitimos
contemplar nossa própria mortalidade, portanto, não precisando fugir da
mortalidade dos outros”. (Stedeford, op. cit., p.159).
Outros
profissionais também podem valer-se desses recursos. Algumas enfermeiras podem
aparentar grande alegria a fim de manterem uma atmosfera alegre na enfermaria.
Certamente, o bom humor e a alegria podem em muito auxiliar na recuperação dos
pacientes, pois diferentes estados de humor geram diferentes estados fisiológicos,
atuando a nível de sistema nervoso central e repercutindo no sistema imunológico. É necessário somente
que esta alegria não se torne caricaturada, falsa, a qual não corresponde a
realidade dos sentimentos daquela enfermeira, pois os pacientes o perceberão
pelo não verbal dela.
O
mecanismo da generalização é também utilizado. Médicos e enfermeiros, quando
adoecem ficam sob um estado de tensão e ansiedade tão grande que podem se
tornar agressivos, ficando sob o rótulo de maus pacientes, principalmente porque
se espera que pelo “esclarecimento que têm” devido a trabalharem na área de
saúde deveriam se comportar de uma outra forma, cooperando com o tratamento. É
exatamente por trabalharem em um ambiente onde as condições físicas do paciente
pioram e acabam morrendo em conseqüência da doença, que reagem desta forma.
Ocorre que eles generalizam, acreditando que se a maioria dos pacientes morrem,
eles também morrerão. Quando ocorre um tumor em algum familiar ou neles
próprios, ficam altamente ansiosos e esquecem que nem todos os tumores são
câncer; e que nem todos que desenvolvem a doença morrem. A ansiedade resulta de
um ambiente em que as experiências de mortes freqüentes levam a uma
generalização, achando que eles ou seus parentes morrerão em conseqüência do câncer.
O terapeuta, então, trabalha intervindo nessa crença, mostrando que eles são
outras pessoas e que as coisas podem ocorrer de forma diferente.
O medo
da morte faz parte do instinto de preservação da vida, assim como o afastamento
das situações que podem provocar ou lembrar a morte. Quando percebem a
possibilidade da morte daquele que ama, pode passar a evitá-lo, para não
sofrer. Também temem aumentar o sofrimento do ente querido em decorrência de vê-lo sofrendo “por sua causa”. Querem
estar bem para que possam levar algo positivo, dar-lhe uma força neste momento
difícil do adoecer e preferem estar distante se estiverem abalados
emocionalmente.
A
compaixão faz com que cuidem de seus entes queridos apesar de seus medos. E a
medida que enfrentam a situação, tornam-se mais capazes de expor-se à sua presença e cuidar deles. A exposição leva a
dessensibilização, não no sentido de tornar indiferentes ou insensíveis.
Permite, isto sim, suportar, lidar com a situação de forma que possam auxiliar o paciente.
Costumamos
encarar a morte como algo remoto e não pensamos na possibilidade de que
aconteça conosco ou com nossos
familiares. As barreiras defensivas, ao sentirmos a proximidade da morte caem,
e os profissionais de saúde ao perderem alguém muito próximo ficam vulneráveis
devido ao impacto emocional. Alguns podem encontrar alívio trabalhando; outros
precisam se afastar do trabalho, da doença e tristeza dos outros a fim de
trabalharem o seu luto. Os membros da equipe tendem a se identificar, reagindo
como os familiares, tornando-se ansiosos e/ou desolados. Será necessário algum
tempo até que o trabalho se torne menos tenso e as defesas sejam
restabelecidas.
A
partir de então, eles voltam a se
sentir mais tranqüilos, e com recursos para prestar o apoio necessário aos
pacientes e familiares que estão sob os seus cuidados. Entre estes recursos
estão as técnicas de respiração,
relaxamento e visualização, utilizadas no trabalho de hipnose, que pode
auxiliar o paciente de forma
considerável e produzindo efeitos
eficazes a curto prazo.
6 A Hipnose como Tratamento e Melhoria
da Qualidade de Vida dos Pacientes Oncológicos.
6.1 A Hipnose no Tratamento do Câncer
Segundo
V. Holland [1999 apud Angerami-Calmon, V A (org), 2000, p.48], até o início do século XX, o diagnóstico de
câncer era uma sentença de morte e levava o doente à estigmatização, ao
isolamento e à humilhação. Os tumores provocavam dores, deformações e secreções
malcheirosas, existindo entre as pessoas o medo do contágio.
O
câncer de mama, útero e próstata eram
comparados com os efeitos da doenças sexualmente transmissíveis, provocando
sentimento de vergonha e de culpa, além do sofrimento causado pela própria
doença. “O medo, a destruição física, a auto-imagem danificada, a perda da
função sexual e tantos outros aspectos negativos levavam a uma desestruturação
da personalidade”.(ibid)
No início do século, a anestesia possibilitou as
cirurgias de remoção de tumores, possibilitando um prognóstico mais favorável,
e até mesmo de cura da doença, caso o câncer estivesse no início e não houvesse
ocorrido metástase. A partir de então, iniciaram-se as campanhas públicas como
hoje ocorrem no caso do câncer de mama e de útero, incentivando-se a ida ao ginecologista, o exame de papanicolau
e o autoexame das mamas. Assim, tem-se como objetivo a detecção precoce do
câncer, possibilitando a cura da doença cujas chances se tornam bem maiores se
diagnosticada no início.
Atualmente, o avanço da medicina, que inclui
procedimentos como a radioterapia, a quimioterapia, a hormonoterapia, a
imunoterapia e outros; mudou o significado, as crenças e as representações
contidas na palavra câncer, que passa a ser considerado como uma anormalidade
nas divisões celulares, cuja etiologia é multifatorial: predisposição genética,
exposição a fatores ambientais de risco, emocionais e etc.
Atualmente, tem-se uma concepção que difere do dualismo
cartesiano, que separava corpo e mente como unidades distintas e sem inter-relação. Hoje, tende-se a uma visão
mais global do homem, que envolva os diverso aspectos sob quais este possa ser
considerado, tendo-se como concepção
de homem, a de um ser biopsicossocioespiritual-ecológico, ocupando-se a
dimensão ecológica da relação do homem com a natureza.
No decorrer dos anos sessenta, estudos de biofeedback mostraram
que as pessoas podem exercer uma influência sobre os seus corpos através da
mente. Elas poderiam controlar os batimentos cardíacos, pressão arterial,
temperatura corporal, atividades das glândulas sudoríparas, e outras que eram consideradas como estando
“sob o controle involuntário do sistema nervoso autônomo” (SIMONTON, O Carl,
MATTHEWS-SIMONTON, Stephanie, CREIGHTON, James L, 1987, p.37).
As diferentes pesquisas realizadas neste campo nos mostraram que
toda mudança a nível fisiológico, é acompanhada de uma mudança a nível
emocional; sendo o inverso verdadeiro, ou seja, toda mudança a nível emocional,
é acompanhada por uma mudança a nível fisiológico. Assim sendo, considera-se
que mente, corpo e emoções formam um
sistema; e ao alterarmos, afetarmos um, estaremos consequentemente
afetando os outros dois. Assim sendo,
podemos amenizar e mesmo reverter a condição patológica de um paciente,
melhorando sua qualidade de vida, usando a mente como aliada neste processo.
Para tal, uma atitude positiva do paciente em relação ao tratamento auxilia
bastante e é “um indicador mais seguro da reação que o paciente teria do que a
gravidade da doença” (Simonton, Carl et
al., op.cit., p.78).
Fatores como depressão, stress e sentimento de solidão ente
outros, podem desencadear doenças como gastrites, úlceras pépticas, e tem sido
relacionados ao câncer. Podemos
explicar este processo através do sistema límbico. O sistema límbico, também
conhecido como cérebro-espinhal, é necessário às atividades de preservação do
organismo, e responsável pelo registro das tensões, sensações, sentimentos e
seus efeitos em nosso organismo. Ele influencia o corpo principalmente através do hipotálamo. As mensagens enviadas pelo sistema límbico ao hipotálamo
se traduzem de duas formas importantes:
a parte do hipotálamo mais suscetível ao stress emocional participa do
controle do sistema imunológico. Além disto, o hipotálamo tem uma função
importante na regulação da glândula pituitária (ou hipófise), a qual regula o
restante do sistema endócrino.
O stress emocional, mediado através do sistema límbico pelo
hipotálamo, produz uma supressão do sistema imunológico, deixando o corpo
suscetível ao aparecimento do câncer, já que ele tem como função a defesa do
organismo e a destruição de células atípicas (cancerosas). Há também indícios
de que o hipotálamo, ao reagir à tensão, faz disparar a glândula pituitária de tal maneira que o equilíbrio emocional
(regulado pelo sistema endócrino) e hormonal do corpo é afetado.
Este desequilíbrio hormonal pode resultar em uma produção
aumentada das células anormais e uma diminuição da capacidade do sistema
imunológico combatê-las. Como conseqüência, pode haver um desenvolvimento de
células anormais do corpo.
Acrescente-se que ficou demonstrado que um desequilíbrio dos hormônios
da adrenalina cria uma maior suscetibilidade às substâncias cancerígenas. Como
conseqüência destas alterações fisiológicas, as condições para o
desenvolvimento do câncer estão formadas, pois com a imunossupressão, ocorre um
aumento na produção das células atípicas (anormais).
Para reverter este quadro, é necessário auxiliar os pacientes
oncológicos a fortalecerem a crença de que o tratamento é eficaz e que seu sistema imunológico é poderoso,
podendo atuar de forma a regredir a lesão, o tumor que surgiu em seu corpo. É
também importante que os auxiliemos no sentido de lidarem melhor com as
situações geradoras de stress, intervindo na sua autoimagem, a fim de que
acreditem serem capazes de resolverem da melhor forma os problemas; e na
percepção que fazem destes problemas, ou seja, ressignificando as situações,
dando a elas conotações positivas. Desta forma, geram-se sentimentos de
esperança e expectativa, onde anteriormente havia falta de esperança,
desespero.
Uma vez que estes sentimentos sejam registrados no sistema
límbico, as mensagens enviadas ao hipotálamo, refletem o sistema emocional
alterado - uma maior vontade de viver. Assim, o hipotálamo reverte a
imunossupressão, a fim de que as defesas do organismo sejam mobilizadas contra
as células anormais. A glândula pituitária, ao receber as mensagens do
hipotálamo, envia mensagens para o resto do sistema endócrino a fim de
restabelecer o equilíbrio emocional. Com o restabelecimento do equilíbrio
hormonal, o corpo pára de produzir grandes quantidades de células anormais,
ficando, assim, um número menor para que o tratamento ou o sistema imunológico
se encarregue delas. Ocorre, desta maneira, a regressão do câncer através da intervenção
a nível mental. (Simonton,
Carl et al., op.cit., p.89 -92)
Relaxando e Visualizando
a Cura
O relaxamento reduz os
efeitos corporais do stress e das tensões sofridas pelo paciente . Aprendendo a
relaxar e a utilizar a sua mente e o seu corpo, já que estes não podem ser
desassociados, no processo de recuperação e melhoria da qualidade de vida, o
paciente se beneficia e aprende a usar os seus potenciais, os recursos internos
que possui, como aliado na luta contra
o câncer; além de reduzir o ciclo de medo provocado pela doença. O processo de
visualização consiste inicialmente em um período de relaxamento, após o qual o paciente cria mentalmente uma imagem
do objetivo ou resultado desejado.
As técnicas de relaxamento envolvem alguns procedimentos como:
·
escolha
de um local tranqüilo (embora algumas pessoas, dependendo da necessidade e de
suas habilidades, consigam fazê-lo por exemplo viajando no banco do metrô);
·
procurar
uma posição em que se sinta confortável;
·
relaxamento
muscular progressivo, e/ou trabalho de respiração (diafragmática - ao se
expirar pode-se dizer: relaxe) e/ou sugestões de relaxamento;
·
visualização
O processo de
indução hipnótica, deve levar em consideração as características particulares
de cada indivíduo e se esta pessoa tem mais desenvolvido o canal visual,
cinestésico, auditivo, olfativo, ou gustativo. Assim, se uma pessoa tem uma
dificuldade de visualizar, tendo mais desenvolvido o canal auditivo, ao invés
de imagens, o terapeuta deverá utilizar sugestões que envolvam palavras. Isto
é, ao invés de pedir que o paciente visualize os glóbulos brancos destruindo a lesão; deve-se simplesmente
dizer que seu sistema imunológico é eficiente e os glóbulos brancos estão
destruindo a lesão, agindo para o restabelecimento da sua saúde. Caso a pessoa
seja cinestésica (canal tátil mais desenvolvido - sensações) ao invés de se ver
bem, ela terá uma sensação de energia., de saúde, de bem estar.
Devemos também levar em consideração, neste processo de indução, que as imagens e/ou sugestões devem ter as seguintes características:
·
As
células cancerosas são fracas e confusas;
·
O
tratamento é forte e poderoso;
·
As
células saudáveis não têm dificuldade em consertar um ou outro estrago
provocado pelo tratamento;
·
O
exército de glóbulos brancos é vasto e supera o das células cancerosas;
·
Os
glóbulos brancos são agressivos, desejosos de lutar, rápidos na procura e
destruição das células cancerosas;
·
As
células cancerosas mortas são expulsas de forma natural e normal do corpo;
·
No final
do processo de visualização, você está saudável e livre do câncer;
·
Você vê
os objetivos que estabeleceu para si mesmo, realizando os seus propósitos;
(Simonton, Carl et al.,
op.cit.; 136,137)
Segundo G. Epstein, em seu livro Imagens que Curam (1989, p.34),
“A chave para o processo do trabalho com imagens, encontra-se nas conexões
entre emoções, sensações e imagens”. O autor considera a emoção como “uma
reação nossa aos estímulos” e que pode tomar a forma de sentimentos ou de uma
ação física, ou seja, pode assumir a forma internalizada do sentimento ou
externalizada da ação ou reação. (Epstein, op. cit. p.35)
O autor refere ainda que as emoções podem tomar a forma de uma
imagem. Caso perguntemos com o que nossa alegria ou nossa raiva se parece, daremos
a ela a forma, a qual será o correspondente visual de nossos sentimentos. A
imagem seria a expressão mental de nosso sentimento. E acrescenta que assim
como os sentimentos possuem uma expressão física (sensação); as imagens também
produzem sensações físicas a elas
associadas. Tomemos como exemplo, para uma melhor compreensão, o peso no peito
provocado pela depressão. Assim, trabalhando com imagens, e modificando-as, é
possível mudar sensações ou emoções (ibid).
Quando ao paciente é
ensinado o exercício de visualização, e ele passa a fazê-lo, são mobilizados
dentre dele recursos, que lhe permitirão curar-se, potencializando os efeitos
do tratamento médico. O trabalho com imagens incentiva a criatividade, a
independência e autonomia do paciente. Vale aqui ressaltarmos um trecho do
livro supracitado a fim de melhor esclarecer o que foi escrito: “Eu não curo os
meus pacientes; somente eles podem se curar. Eu ensino os exercícios com
imagens, dando-lhes assim os instrumentos que os ajudam a cuidar de si mesmos.
Daí para frente cabe a cada cliente criar seu próprio remédio no próprio ato de
administrá-lo” (Epstein, op. cit., p.37).
G. Epstein, no relaxamento que se faz anteriormente à
visualização, prefere a técnica de se enfatizar a expiração, ao invés da
inspiração; pois isso estimula o nervo vago, principal nervo para a
tranqüilização do corpo e que envia ramificações para os pulmões, coração e
trato intestinal. Na expiração intensificada, o vago atua de forma a baixar a
pressão arterial, diminuir ritmo do pulso e do coração, das contrações
musculares do trato intestinal e da freqüência respiratória, produzindo assim o
relaxamento necessário ao processo de visualização.
6.2.2 A
Hipnose no Controle da Dor
No mecanismo da dor, podem estar relacionados fatores
de ordem psíquica e/ou física. No caso de uma dor no pescoço, ocasionada por
uma tensão emocional, há uma contratura do músculo trapézio, o que provoca a
dor. Outro aspecto a ser destacado é a subjetividade da dor. Pacientes com
praticamente o mesmo tipo de câncer, e com o mesmo estágio de desenvolvimento
da doença, possuem particularidades quanto à evolução do quadro e na
intensidade da dor que os acometem. Isto envolve aspectos muitos particulares em relação ao qual diferentes limiares de
suportabilidade à dor são apresentados por cada paciente. O que para um é uma dor imensa, para outro pode ser
razoavelmente suportável. Isto pode ser de certa forma explicado pela parcial
capacidade de o encéfalo controlar o grau de entrada de sinais de dor no
sistema nervoso, pela ativação de um sistema de controle e dor chamado de
sistema de analgesia. Entretanto, devemos também considerar os aspectos
psicológicos da dor, como por exemplo o que ela está representando para aquele
paciente. A dor é um dos sintomas mais freqüentes apresentados pelos pacientes
oncológicos, podendo significar para eles, quando ela começa a se apresentar,
um sinal de que estão piorando. Caso o tratamento venha obtendo sucesso e as
dores estejam controladas, se retornarem, podem significar para o paciente
sinal de recaída, de uma possível metástase; e morte. Além disto, a dor produz
um grande desconforto e pode gerar como conseqüência irritação, raiva e
depressão entre outros sintomas.
Um outro aspecto psicológico que pode ocorrer
influenciando a dor é o ganho secundário, ou seja, ganho de mais atenção, de
mais carinho, e ter as suas vontades satisfeitas por aqueles que o cercam. O
paciente, desta forma, “mantém a dor” pois no balanço de custos e benefícios,
no entender do paciente, este último pesa mais. Pode ocorrer também de o paciente substituir a dor emocional,
pela dor física, já que esta, geralmente, é mais fácil de suportar.
Torna-se, portanto, de grande importância que o
paciente examine a causa da dor e as possíveis recompensas que ele pode estar
recebendo. Este auto exame pode conter
as seguintes perguntas:
·
Porque preciso desta dor?;
·
Qual é o propósito dela?
·
O que ela me permite fazer ou não fazer?
·
O que estou ganhando com ela?
(Simonton,
op. cit., p.184)
Percebemos então, como é complexo e interdependente o
sistema mente, corpo e emoções, ao tentarmos compreender o mecanismo que
origina a dor, sendo sua etiologia ainda pouco compreendida.
Controlando a Dor
A dor está freqüentemente associada à tensão e ao
medo. Muitos pacientes sentem uma
redução da dor ao iniciarem o processo de relaxamento e visualização. Isto
ocorre porque o relaxamento reduz a tensão muscular; e a visualização gera no
paciente expectativas de que possa vir a melhorar. Desta maneira, com a tensão
e o medo reduzidos, há uma conseqüente diminuição da dor.
Entre as diversas técnicas utilizadas no controle da
dor podemos destacar:
·
Relaxamento Muscular Progressivo: O paciente relaxa
cada parte de seu corpo, diminuindo a tensão e a dor;
·
Repartir a dor: o paciente divide a dor em frações
pequenas entre outras partes de seu corpo, diminuindo sua intensidade;
·
Anestesia de luva:
o paciente percebe sua mão anestesiada e a leva ao local da dor, anestesiando-o;
·
Distração: o paciente foca a sua atenção em outro
ponto que não a dor, ficando esta fora de sua percepção
·
Deslocamento da dor: o paciente imagina sua dor indo
para um outro local, reduzindo a sua intensidade
Alguns Exemplos de Indução
Feche
os seus olhos ... procure uma posição confortável ... bem confortável ...
enquanto você escuta o som de minha voz ... os sons deste ambiente ... você vai
relaxando ... relaxando cada vez mais .... sentindo-se bem ... saudável ...
tranqüila ... e confiante... relaxe ... relaxe seus pés ... deixe seus pés
soltos ... bem relaxados .... relaxe suas pernas ... as coxas ... procure
relaxar ... muito bem ... relaxe os quadris ... a barriga ... relaxando cada
parte do seu corpo ... relaxe também o tórax ... muito bem ... relaxe ... os ombros ... os braços ...
isso ...muito ... bem ... relaxe ... relaxe o pescoço ... sinta uma agradável
sensação de conforto e bem estar ... relaxe o queixo ... a boca ... o rosto ...
os olhos ... deixando cada parte do seu corpo bem relaxada ... e agora ...
neste momento ... talvez você possa visualizar o câncer .... pense nele como
composto de células fracas ... e confusas ... imagine o remédio (quimioterapia
ou radioterapia) atacando as células cancerosas ... as célula normais são inteligentes
e fortes ... e sobrevivem ... as células fracas ... são expulsas do corpo
... imagine também ... os glóbulos
brancos ... atuando no local onde se encontra o câncer ... reconhecendo as
células anormais e destruindo-as ... eles vencem a batalha ... continue a
visualizar o câncer ... diminuindo .... diminuindo .... desaparecendo por
completo ... sinta-se bem ... disposta ... confortável... sinta no seu (a região que estiver doendo) uma
agradável sensação de formigamento ... de anestesia ... sim ... ele está completamente anestesiado... e
então .... você é envolvida por uma agradável sensação de paz... de bem estar
... e felicidade ... muito bem ... e agora ... neste momento ... quando eu
contar de um até cinco ... você poderá abrir os seus olhos... um ... retornando
... dois ... sentindo-se bem .... três ... segura ... quatro ... confiante ...
cinco ... pode abrir os seus olhos
A Cura
Egípcia
Feche
os seus olhos, expire três vezes. Imagine-se de pé no meio de um campo vasto e
aberto, recoberto de grama verde. Veja a si mesmo espreguiçar-se em direção ao
sol dourado e brilhante em um céu azul sem nuvens. Veja seus braços tornarem-se
bem longos, estendendo-se com as palmas voltadas para cima, para o sol. Os
raios do sol penetram pelas palmas e circulam por elas e pelos dedos, e saem
através das pontas dos dedos, de forma que há um raio saindo de cada dedo. Se
você for destro visualize, no fim de cada raio dos dedos de sua mão direita,
uma pequena mão completa e, no final de cada raio de sua mão esquerda,
visualize um olho. Se você for canhoto, visualize as mãos à sua esquerda e os
olhos à sua direita.
Agora, volte estas mãos e olhos para o seu
corpo e use os olhos para ver o caminho através do seu corpo, jogando luz na
área que você estiver investigando, de modo que possa ver o que está fazendo.
Nas pequenas mãos você pode usar uma escova de cerdas douradas para limpar, tubos de raio laser para curar, bisturis
dourados para operar, latas de ungüentos dourados e azuis para curar e também
fios dourados para costurar. Quando tiver terminado o trabalho, saia do seu
corpo pelo mesmo caminho por onde entrou. Todo lixo que foi retirado pelas
mãozinhas deve ser jogado para trás de suas costas. Mantenha suas mãos voltadas
para o sol e deixe as mãozinhas e os olhos se recolherem para dentro de suas
palmas, de modo a ficarem ali guardados para um uso posterior. Então abra os
olhos. (Epstein,
op. cit., p.51)
Técnica
para se Comunicar com o Sintoma
Feche os
olhos e respire profundamente, relaxe o seu corpo por completo, deixando-o
solto e frouxo
Entre
em contato com o sintoma, perceba-o no seu corpo, dê uma voz para o seu
sintoma.
Questione:
O que
ele quer lhe dizer?
O que ele quer lhe mostrar?
Quais são os ganhos
secundários
O que você ganha ao apresentar
estes sintomas?
(Clystine Abram, apostila 5ª aula
IBHA,1993 )
7
Conclusão
As
várias técnicas que foram apresentadas neste trabalho em muito podem auxiliar o
trabalho do terapeuta com os pacientes fora de possibilidades terapêuticas
atuais, e também a outros clientes que
buscam a terapia trazendo outros tipos de questões e demandas.
Considerando-se
o uso de metáforas, este recurso vem sendo utilizado em várias escolas de
psicoterapia , pois a metáfora é considerada a forma de linguagem mais próxima do inconsciente.
Revendo
os escritos de Freud, encontramos a seguinte frase: “pensar por imagens é ...
somente uma forma incompleta de se tornar consciente. De algum modo, também,
está mais perto do processo inconsciente do que pensar por palavras...” (Freud,
1923, p. 14).
Com a
metáfora, há uma integração entre os dois níveis de linguagem: consciente e
inconsciente. Com a metáfora também há uma integração da imagem (processo
primário) e da palavra (processo secundário).
A
metáfora expressa a linguagem peculiar de cada indivíduo, expressando seus
afetos e relações objetais. Aparece quando as palavras não conseguem traduzir
de forma precisa a experiência. Expressões como o mundo desabou sobre mim são
metafóricas.
As
metáforas podem ser utilizadas para ressignificar, conotando positivamente uma
situação, que para o cliente era exclusivamente dotada de aspectos negativos,
fazendo-o percebê-la de uma forma mais positiva e menos
traumática.
Quando
o terapeuta intervém ressignificando uma situação, ocorre uma reestruturação das crenças da pessoa a
respeito da mesma. Isto fará com que
ocorram mudanças em seu comportamento.
Quando
o paciente traz como crença que o câncer é uma doença incurável e que nada,
nenhum tratamento pode ajudá-lo, ao
contrário só poderá lhe trazer mais sofrimento, já que é bastante incômodo a
quimioterapia e cirurgias para retiradas de órgãos; poderá optar por não fazer
o tratamento e deixar a doença seguir o seu curso.
Caso
o terapeuta reestruture estas crenças e
a pessoa passe a encarar o câncer como uma doença grave, que exige cuidados,
mas que tem tratamento e mesmo chances de cura, o paciente poderá aderir ao
tratamento e ser auxiliado.
Para
ilustrar como as crenças que envolvem a situação e a interpretação que lhe é
dada, interferem no comportamento segue a seguinte metáfora:
Uma
pessoa observava a construção de uma casa.
Olhava
os operários trabalhando, carregando carrinhos de pedra, areia e cimento.
Em um
determinado momento, resolveu conversar com dois daqueles operários.
Perguntou
ao primeiro:
- O
que você está fazendo?
-
Estou carregando pedras, não está vendo?! Está muito pesado este carrinho,
estou cansado, suado, que droga, não agüento mais este trabalho!!!
Esta
pessoa, então, resolveu fazer a mesma pergunta a um outro operário que fazia a
mesma coisa. Ele abre um belo sorriso e lhe dá a seguinte resposta:
- Está
vendo aquela casa ali? Veja como está ficando bonita! Estou construindo uma
linda casa!
Isto
nos mostra a importância da ressignificação e da conotação positiva, pois a
diferença de estados emocionais entre os dois operários apresentada nesta
metáfora, era resultado do modo como cada um interpretava a situação em que
estavam.
A
metáfora também pode ser usada em terapia familiar, simbolizando a sua
realidade. O terapeuta utiliza-a no
sentido de apontar esta realidade e ressignificá-la, sugerindo a mudança.
Milton
Erickson, usava a metáfora de forma indireta, semelhante a questão apresentada
pelo cliente e com uma possível solução para a mesma; fazendo com que ele
utilizasse os seus próprios recursos e resolvesse o problema. A metamensagem da
metáfora - uma mensagem sutilmente embutida dentro da narrativa - passa
diretamente ao inconsciente, sendo mais
eficaz.
Erickson
também utilizava a metáfora sob transe hipnótico, o que diminuía a atenção
consciente e consequentemente a censura, sendo
as mensagens dirigidas à mente inconsciente, sendo o seu efeito mais
intenso e duradouro.
A
hipnose, incluindo o trabalho de visualizações criativas tem se mostrado uma
técnica bastante eficaz, produzindo resultados em um tempo muito menor do que
quando são utilizados outros tipos de intervenções. Certamente, o trabalho
terapêutico não se resume ao uso da hipnose, esta é mais uma técnica que vem
mostrando grande potencial para o tratamento tanto de distúrbios emocionais
quanto orgânicos[4], inclusive o câncer.
O
trabalho com imagens mentais é capaz de estimular o nosso corpo físico, curando
diversos distúrbios. Quando nos voltamos para dentro, criamos uma imagem capaz
de estimular o nosso corpo físico, sendo o sucesso do trabalho proporcional a nossa capacidade de desligar
os nossos sentidos do mundo exterior e voltá-los para o interior.
Um
outro recurso que pode ser utilizado pelo terapeuta é o trabalho com técnicas
de respiração. A respiração mais adequada é aquela em que a expiração é mais
lenta e mais longa que a inspiração,
pois isso estimula o sistema nervoso parassimpático e o nervo vago, o qual é o
principal nervo para a tranqüilização do corpo. Isto produz reações
fisiológicas no organismo, como por exemplo o fortalecimento do sistema
imunológico, fundamental para a manutenção da saúde e restabelecimento do
organismo, que em pacientes oncológicos está debilitado.
O uso
de técnicas de relaxamento (hipnose, respiração e shiatsu entre outras) em
muito contribuirá para o paciente, pois o estresse produz reações fisiológicas
bem nocivas ao organismo.
O
sistema límbico, centro de nossas
emoções, regula a atividade hipotalamica, que por sua vez atua sobre a hipófise
que regula o sistema endócrino. O stress emocional produz uma supressão do
sistema imunológico, deixando o corpo suscetível ao aparecimento de várias
doenças, entre elas o câncer.
O
desequilíbrio hormonal pode resultar em uma produção aumentada das células
anormais e uma diminuição da capacidade do sistema imunológico combatê-las.
Como conseqüência, pode haver um desenvolvimento de células anormais do corpo.
Assim,
o apoio psicoterápico dentro de uma abordagem estratégica, através do uso
da hipnose, técnicas de relaxamento, metáforas, e ressignificações, modifica
o estado emocional do paciente e reflete em seu organismo. Uma vez que estes sentimentos sejam
trabalhados e o paciente esteja bem emocionalmente, isto será registrado no
sistema límbico. Desta forma, o
hipotálamo reverte a imunossupressão. A glândula pituitária, ao receber as
mensagens do hipotálamo, envia mensagens para o resto do sistema endócrino a
fim de restabelecer o equilíbrio emocional. Assim, o equilíbrio orgânico também
será restabelecido, o que auxiliará no
tratamento do câncer.
Estudos
envolvendo a relação entre estresse e câncer, e mais especificamente a
psiconeuroimunologia, mostram que os hormônios
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), os corticoides (cortisol e
aldosterona) e outros, são responsáveis pela imunossupressão, atuando sobre o
sistema neuroendócrino, principalmente timo e supra-renal. Os hormônios do
estresse ativarão todas as glândulas do organismo e não só a supra-renal. São
também secretados os pré-hormônios do estresse pelos núcleos hipotalâmicos.
O
sistema imunológico está ligado intimamente ao sistema nervoso, não se podendo
mais referir-se a um sem fazê-lo também ao outro. Desta forma, atualmente a
terminologia mais adequada é sistema neuroimunológico. Esther Sternberg e
Phillip Gold (1997, p.10 apud Angerami-Camon op. cit.) chamam de “cross
communication” o fenômeno de uma estimulação do sistema nervoso, ativar também
o sistema imunológico, sendo o inverso verdadeiro.
Uma
descoberta interessante da neurociência e que revolucionou a concepção de
sistema nervoso e imunológico é que as células imunológicas produzem neurotransmissores
e que neurônios produzem neuroimunopeptídeos. Assim, através dos
neuropeptídeos, estes sistemas estabelecem comunicação entre si.
Os
hormônios produzidos pela supra-renal, como os glicocorticoides, atuam sobre os
linfócitos T e B, provocando uma redução na produção de anticorpos e inibição
das atividades das células natural-killers, diminuindo a produção de
substâncias citotóxicas, indispensáveis ao combate de vírus, fungos, bactérias
e células tumorais.
Assim
sendo, a psicoterapia estratégica, fazendo uso de diferentes referenciais teóricos, possibilitando ao terapeuta
diversas formas de intervenção junto ao cliente como o trabalho com a hipnose e demais técnicas descritas nesta monografia, vem contribuir para reverter
o quadro psicoorgânico do câncer e outras patologias, auxiliando
consideravelmente o trabalho com pacientes fora de possibilidades terapêuticas
atuais, no sentido de utilizar todo o potencial que a mente tem como recurso
para o bem-estar biopsicossocial e espiritual do homem, aumentando em muito a
sua qualidade de vida.
8
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ao Relacionamento com o Paciente
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[1] A melatonina, hormônio ligado ao sono, é melhor produzida pelo organismo no escuro)
[2] O processo de elaboração do luto na criança ocorre de forma semelhante a do adulto.
[3] Há relatos de pessoas que estavam com metástase e responderam ao tratamento (quimioterapia, radioterapia, cirurgia), ficando muito bem.
[4] A separação entre emocional e orgânico é simplesmente didática, para melhor distinção entre os dois aspectos. Ressalte-se que mente e corpo estão intimamente interligados, influenciando-se mutuamente. Assim, não há distinção, separação entre um e outro.