GESTALT TERAPEUTAS,
ANTROPÓLOGOS EXPERIMENTAIS FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAIS
Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo
LABORATÓRIO EXPERIMENTAL DE PSICOLOGIA
FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL
Rua Alfredo Oiticica, 106. Farol.
57050-010 Maceió AL. Brasil
Fone: 82-2218175/2318191 Internet: affons@uol.com.br
http://www.geocities.com/eksistencia/afonso.html
2000
Gestalterapeutas
podem ser bem entendidos como antropólogos experimentais fenomenológico
existenciais. Numa primeira aproximação, poderia parecer estranho pensá-los
desta forma. Mas esta me parece uma forma bastante adequada, e interessante, de
entendê-los, e de entender a sua prática. Pelo menos por enquanto.
São
antropólogos, em primeiro lugar, certamente, porque subjaz à sua prática, às
suas concepções e crenças, uma disposição decidida de ser ativamente
consequente com relação a uma certa compreensão de que o mais decisivo aspecto
da existência e da realização humanas é a possibilidade, a potencialidade, de
que os seres humanos inventem-se, criem-se, a si mesmos, e desta forma
enfrentem as suas dificuldades, o dado em suas existências, as suas
circunstâncias, acasos, fatalidades. Inventem a sua vida, os seus momentos, as
suas condições, o mundo que lhe diz respeito. É como se lhes animasse como
motivação fundamental, seguindo a observação de Buber com relação a sua Filosofia,
uma indagação sobre o que é que é o homem? O que é que o homem pode?. Com a
compreensão profunda de que as respostas a uma tal pergunta, como observa
Buber, não podem ser simplesmente teóricas e generalizantes. Porque a
existência sobre a qual se pode teorizar é a existência passada ou a utópica, e
não a existência efetiva (Kierkegaard).
As
respostas para a questão sobre o que é que é o homem? são dadas concreta e
efetivamente, a cada momento da existência de cada ser humano, a cada momento
da invenção da vida e do devir de cada ser humano --
·
·
· "E lá vou eu... Gesto no
movimento...", (Leminsky),
--
a cada momento vivido e des-frutado, a cada crise, a cada re-solução, a cada
re-volta, a cada re-volvida, a cada criação, invenção, produção.
Cada
um desses processos, cada um desses momento são criações do humano, são a
prática de uma certa antropologia, num sentido muito especial do termo. A cada
momento, a criação decorrente da afirmação do vivido, de sua perspectiva,
momento e intensidades próprias, do ser-no-mundo. Conhecer o humano e seu
mundo, ...mas através da sua invenção, da sua criação.
·
·
· "Um dia o criador procurou os
companheiros e filhos da sua esperança: e eis que os não conseguiu encontrar
senão criando-os primeiro ele próprio. Porque, bem no fundo, só se ama o seu
filho e sua obra; e um grande amor de si é sinal de fecundidade."
(Zaratustra.
Nietzsche)
Gestalterapeutas
são antropólogos porque decidiram dedicar-se a ser parceiros efetivos e
imediatos das pessoas no processos de suas invenções vivenciais e experimentais
de si, nos momentos críticos destes processos. Parceiros de pessoas,
frequentemente em dificuldades, na invenção de sua humanidade. Em particular
nos privilegiados momentos de suas crises, do sofrimento, da vivência de seus
limites e da superação deles. E isto é uma forma muito particular de
antropologia. De conhecimento do humano. Poderia chamar-se de solidariedade.
Não daquela solidariedade altruísta e piedosa, mas a solidariedade daquele que
fascina-se, envolvido, na criação de si próprio e de seu próprio mundo,
descobrindo a nossa inevitável condição de sermos juntos, e entende
efetivamente a luta de auto-criação do outro, de invenção do mundo que lhe diz
respeito, como algo de sua própria luta. E, do seu próprio lugar, envolve-se
fascinado.
Isto
nos leva um pouco mais além. Buber falava neste sentido de uma Antropologia
Filosófica...
Estes
antropólogos, que são os gestalterapeutas, são, dentro estritamente ainda do
espírito dialógico de Buber, antropólogos experimentais, mais
especificamente. Eles aprenderam -- em particular com o próprio Buber -- que a
vida, e, no caso, a vida humana, a cada um de seus momentos, é fundamentalmente
a articulação mais ou menos integrada de um multiplicidade dinâmica, e tem como
estratégia fundamental a experimentação. A vida que tem como estratégia
fundamental a experimentação, o estilo do espírito de uma vida que experimenta
(Fink), anima a concepção, condição, fundamentos e método dos gestalterapeutas.
A cada momento a afirmação da perspectiva organísmicamente dominante,
igualmente fundamental, o trânsito pelas perspectivas inerentes ao vivido. O
perspectivismo, de que falava Nietzsche.
·
·
· Multipliquei-me, para me sentir
Para me
sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei,
não fiz senão extravasar-me,
Despi-me,
entreguei-me,
E há em cada
canto de minha alma
um altar a um
deus diferente.
(Fernando
Pessoa).
Assimilar
e propor -- como filosofia da vida e como método de um certo processo, a que se
chama, não algo anacronicamente, de psicoterapia -- assimilar e propor, o
espírito de uma vida que experimenta, funda-se básicamente numa compreensão e
valorização da existência em sua multiplicidade. Na valorização das totalidades
que esta multiplicidade configura a cada momento de ser/devir, na valorização
da visita e trânsito por suas perspectivas, na afirmação delas como afirmação
da afirmação que a vida é em sua experimentatividade. Afirmação do espírito de
uma vida que experimenta.
Perspectivas
fixadas, engripadas, tão características da moral, são doentias e pesadas.
Aleviá-las, em celebração ao espírito de uma vida que experimenta e, dançarino
(como o entendia Nietzsche), aleviar-se e alegrar-se na criação.
A
perspectiva de cada dimensão emergente e presente na atualidade existencial é
uma afirmação que tem um sentido inquestionavelmente válido e único na
configuração da atualidade existencial. Afirmá-la em função da força e do
sentido de sua presença e emergência, afirmar a afirmação, o tom, que ela
configura, interpretá-la (ao modo da arte), experimentá-la... Relativizá-la...
em função da afirmação e da experimentação da força e da presença das outras
possibilidades, das outras perspectivas da atualidade existencial, experimentar
alternativamente a caleidoscopia do todo que elas configuram e que é diferente
da soma das partes, potencializar o vigor e a originalidade da particip-ação do
ser-no-mundo.
Se
é experimental a vida, é porque a vida inventa (como dizia o Riobaldo), e
afirma e experimenta, e quer as perspectivas e possibilidades de suas
invenções, os elementos da configuração de sua multiplicidade, com uma atenção
profunda e interesse por cada um deles e pelas configurações que eles
necessariamente engendram, como estratégia de resolução e de potencialização. A
experimentação é uma estratégia fundamental da vida. Aprendamos. E deuses
diferentes e desconhecidos estão em cada um de seus cantos. A vida propende
a experimentá-los na sua força e relatividade, e não teria outro sentido a
existência deles. Afirmar a vida é afirmar o seu zeloso e dedicado espírito
experimental e de invenção, o espírito de uma vida que experimenta, a afirmação
da afirmação, a afirmação da experimentação, interpretação (ao modo da arte),
atual iz ação.
Pois
bem, isto os gestalterapeutas aprenderam com Nietzsche, com Buber e com os
existencialistas, com a fenomenologia e... com a vida. E constituíram como
abordagem de psicoterapia. De resolução e regeneração existenciais. Como
proposta para o cliente da vivência de um processo que possa disponibilizar
cada uma, na especificidade e força de sua vivência, e a configuração, da
multiplicidade, das perspectivas, de sua atualidade existencial. A globalidade,
o vigor e a originalidade de sua consciência-ação, no enfrentamento de suas
questões existenciais, eventualmente críticas, na invenção de si mesmo e do
mundo que lhe diz respeito.
Repostas
para a questão sobre o que é que seria/é/pode ser o homem? O que é que o homem
pode?
Esta
prática experimental e de interpretação (no sentido teatral) do vivido, em suas
dominâncias, perspectivas, configurações, tem o seu sentido e a sua raiz,
evidentemente, no vivido fenomenal, na consciência fenomeno-existencial
pré-reflexiva.
Os
existencialistas costumam dizer que anteriormente a qualquer forma de reflexão
sobre mim mesmo eu sou. Minha existência é este ser que é anterior a toda e
qualquer reflexão. Trata-se de experimentar intensivamente a cada momento, e
interpretar, este ser, que é devir, como raiz de criação do humano e de seu
mundo.
De
modo que, em sendo assim, a Gestalterapia pode ser bem entendida como uma
antropologia experimental fenomenológico existencial. Os gestalterapeutas são,
decididamente, ativos e, talvez pudéssemos dizer, intensivos, antropólogos
experimentais fenomenológico existenciais.